quinta-feira, 24 de junho de 2010

Em presídio de PMs, detentos trabalham e faturamento é de R$ 170. 000,00

Veja São Paulo – 07JUN10
Henrique Skujis

Hoje com 189 policiais militares, o presídio Romão Gomes, no Tremembé, funciona quase como uma empresa em que 90% dos detentos trabalham.


19 horas: formação militar para a conferência antes dos cultos religiosos


“Atirei cinco vezes. Pá, pá, pá, pá, pá. Sem chance. Ela morreu na hora. Minhas filhas são sortudas. Se estivessem com a mãe, eu mataria as duas também.” A frase é uma pancada. E
parece mais forte por sair da boca de um policial militar. O sargento Oliveira
(nome fictício), 60 anos, tem discurso tão articulado quanto
rude.


Com uma faca na mão e a camisa ensopada de sangue (ele acabara de dar cabo de um porco de 300 quilos),
fala de si mesmo como se desabafasse. Teve uma vida civil honesta e uma carreira
militar exemplar, “sem novidades”. Em 2001, no entanto, quase uma década depois
de ir para a reserva, decidiu pôr fim ao sofrimento de ver a ex-mulher e as
próprias filhas unidas para tirar seus bens. Detido por causa da barbaridade
cometida em uma manhã fria de agosto, foi trazido ao presídio Romão Gomes, no
Tremembé, na Zona Norte, a única cadeia para PMs no estado de São
Paulo.


Quando a reportagem de VEJA SÃO PAULO chegou lá, na última segunda (31), ainda estava no ar uma espécie
de ressaca pela libertação dos doze militares suspeitos de matar o motoboy
Eduardo Luís Pinheiros dos Santos, em abril. A Justiça estuda um novo pedido de
prisão temporária para os dozes policiais. Eles continuam à disposição da
corporação e podem fazer trabalhos administrativos. O assassinato trouxe a
cadeia de volta aos noticiários. Depois de uma descontraída conversa com as
sentinelas e de deixar o celular na portaria, entramos nas dependências do
presídio, inaugurado em 1949. Antes, funcionavam ali dois barracões que serviam
como depósito de alfafa ao destacamento de cavalaria do Centro de Instrução
Militar.


Os 189 internos — como os presos são chamados — estavam perfilados diante da bandeira do Brasil.
Cabelos cortados, barbas feitas, uniformes alinhados, cantavam o Hino Nacional.
Se o pior bandido é o de farda, estávamos cercados dos mais perigosos
bandoleiros do estado? “Bandido é bandido, seja ele policial, seja ele médico”,
diz o sargento Vitório ao nos receber à paisana. Ele já foi responsável pela
segurança do Romão Gomes. Agora, é encarregado de fiscalizar os 55 detentos em
regime semiaberto, que trabalham fora durante o dia.


8h30: formação militar para conferência, hasteamento da bandeira e cantoria de hinos



A empresária Rosely Ferraiol: presos produzem luminárias para ela vender

Os internos sem o privilégio de cruzar os portões de ferro também põem a mão na massa. Como prevê a Lei de Execução Penal, a cada três dias trabalhados, um é abatido da pena.
Somente presos ainda à espera de julgamento não são obrigados a produzir. Há
sete frentes laborais: tapeçaria, mecânica, blocos de cimento, lavagem de carro,
agricultura, apicultura e suinocultura — nessa última, reina o sargento
Oliveira, que, diga-se, deve ganhar a liberdade no mês que vem. Os presos
recebem por produtividade e dependem do “mercado externo” para
faturar.


Sargento Teixeira: um homicídio nas costas e 1 200 litros de mel por mês


Sargento Oliveira: matou a mulher e agora cria porcos de 300 quilos

Cabo Basílio, que não é interno: 70 quilos de carne todos os dias

“O cidadão pode vir aqui comprar mel, levar verduras para casa, lavar o carro...”, conta Vitório. Além disso, sete empresas usam o espaço do presídio e contratam a mão de obra dos
internos, que recebem pelo menos um salário mínimo por mês. “Para mim, foi um
grande negócio. Tanto econômica quanto pessoalmente”, afirma Rosely Ferraiol,
que tem oito internos à disposição de sua fábrica de luminárias feitas com
filtro de café usado. “A relação é normal. De patroa para funcionário”, explica.
“Não me importa saber o crime que eles cometeram. Antes de presos, são seres
humanos.” Há ainda uma empresa de contabilidade que paga para os presos
preencherem formulários, um hospital que utiliza a lavanderia, uma pequena
produtora de autopeças e uma fábrica de casas de cachorro.



Em 2009, o faturamento do Romão Gomes chegou a 170 000 reais. Do total arrecadado, 20% são utilizados
para ajudar na manutenção do presídio, 60% vão para uma conta à qual os
familiares dos presos têm acesso, 10% ficam em uma conta-pecúlio para o interno
sacar na hora da libertação e os 10% restantes são divididos entre os presos não
remunerados, como os que cuidam da cozinha e da limpeza. “A laborterapia é nosso
maior trunfo”, diz o coronel Abaré Vaz Lima, comandante do presídio. Dos 189
internos, 170 trabalham.


Apesar de estar longe de ser uma colônia de férias, como alguns críticos costumam dizer, o Romão Gomes
não se compara ao sistema prisional comum. Os internos dormem em celas
espaçosas, têm sua própria cama (com lençol e tudo o mais), contam com três boas
refeições e seus guardiões são, como eles, policiais militares, o que
proporciona um clima cordial entre presos (de uniforme bege e camisa
amarela).


Recanto dos Colibris: nem parece prisão


Todos têm direito a médico (o clínico geral visita o presídio três vezes por semana), dentista, fisioterapeuta, assistência psicológica e jurídica. Ao contrário do que ocorre
na maioria esmagadora das cadeias civis, os detentos não são separados nas celas
pelo tipo de crime cometido. “Dividimos pelo perfil de maturidade criminal”,
afirma o psicólogo e perito forense Christian da Silva Costa, que há oito anos
presta serviço ao Romão Gomes e recebe os presos ao som de Chopin. “A ideia é
que o interno com maior probabilidade de recair no crime fique longe dos que não
têm esse perfil.”


O resultado, segundo Costa, é uma socialização mais rápida do preso quando ele vai para a rua e uma
taxa de reincidência de 2% — contra 85% no sistema prisional brasileiro. A
última tentativa de fuga ocorreu há quase uma década e rebeliões inexistem. As
medidas e os resultados renderam ao Romão Gomes o certificado ISO
9001.


Horta: verduras e frutas sem agrotóxico vendidas na porta da penitenciária

Sargento Vitório: à paisana, ele fica de olho nos detentos em regime semiaberto

Por outro lado, a rigidez militar é um peso a mais para quem já tem de lidar diaria- mente com a privação da liberdade. “Você imagine ficar preso e ainda ter de entrar em
formação três, quatro vezes por dia, cantar o Hino Nacional, cantar o Hino da
Bandeira, cantar o Hino do Romão Gomes... Ninguém merece”, disse um detento,
acusado de pedir propina a um dono de caça-níquel.


A principal reclamação, no entanto, é em relação ao que seria um maior rigor das leis para policiais.
Além de responderem à Justiça comum, eles estão sujeitos ao Código Penal
Militar. Uma vez condenados, são expulsos da PM. “Praticamente não temos o
direito de responder à acusação em liberdade. Tem gente que fica anos aqui sem
sequer ser julgado”, lamenta outro preso, acusado de participar da morte de três
jovens e ocultar os cadáveres em uma cidade do litoral.


Ele chegou a ter direito a regime semiaberto, se formou advogado e trabalhava fora, mas cometeu alguma
irregularidade e perdeu essa regalia. “Tudo o que eu quero é andar na rua sem
ser apontado como criminoso”, afirma, antes de entrar no culto evangélico —
diariamente, há encontros de católicos, protestantes e adeptos da umbanda. O
juiz corregedor da Justiça Militar, Luiz Alberto Moro Cavalcanti, explica que um
agente que veste uma farda, usa uma viatura da polícia e recebe uma arma não
pode mesmo ser tratado como um civil na hora de ser julgado por um crime. “O
rigor maior é porque eles representam o estado. Sinto muito.”


Por que eles estão presos:
Homicídio............................................................78
Roubo..................................................................24
Extorsão..............................................................14
Estupro/atentado violento ao pudor....................13
Concussão (exigir vantagem indevida).................9
Tráfi co de entorpecentes.....................................7
Latrocínio..............................................................7
Outros..................................................................37

População carcerária:
Efetivo da PM no estado: 95 000
Internos no Romão Gomes: 189 (0,2% do efetivo)

Habitantes no estado: 41,4
milhões

Presos: 160 000 (0,4% da população)

Presos por patente:
Soldados ........................................................128
Cabos...............................................................21
Sargentos.........................................................29
Ofi ciais............................................................11
TOTAL.............................................................189



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