Está cada vez mais difícil
manter uma aparência de que sou um homem democrático. Não sou assim, e,
no fundo, todos vocês sabem disso. Eu mando e desmando. Faço e desfaço.
Tudo de acordo com minha vontade. Não admito ser contrariado no meu
querer. Sou inteligente, autoritário e vingativo. E daí?
No entanto, por conta de uma
democracia de fachada, sou obrigado a manter também uma fachada do que
não sou. Não suporto cheiro de povo, reivindicações e nem com versa de
direitos. Por isso, agora, vocês estão sabendo o porquê apareço na
mídia, às vezes, com cara meio enfezada: é essa tal obrigação de parecer
democrático.
Minha fazenda cresceu demais.
Deixou os limites da capital e ganhou o estado. Chegou muita gente e o
controle fica mais difícil. Por isso, preciso manter minha autoridade.
Sou eu quem tem o dinheiro, apesar de alguns pensarem que o dinheiro é
público. Sou eu o patrão maior. Sou eu quem nomeia, quem demite. Sou eu
quem contrata bajuladores, capangas, serviçais de todos os níveis e
bobos da corte para todos os gostos.
Apesar desse poder divino sou
obrigado a me submeter à eleições, um absurdo. Mas é outra fachada. Com
tanto poder, com tanto dinheiro, com a mídia em minhas mãos e com meia
dúzia de palavras modernas e bem arranjadas sobre democracia, não tem
para ninguém. É só esperar o dia e esse povo todo contente e feliz vota
em mim. Vota em que eu mando.
Ô povo ignorante! Dia desses fui
contrariado porque alguns fizeram greve e invadiram uma parte da
cozinha de uma das Casas Grande. Dizem que greve faz parte da democracia
e eu teria que aceitar. Aceitar coisa nenhuma. Chamei um jagunço das
leis, não por coincidência marido de minha irmã, e dei um pé na bunda
desse povo.
Na polícia, mandei os cabras
tirar de circulação pobres, pretos e gente que fala demais em direitos.
Só quem tem direito sou eu. Então, é para apertar mais. É na chibata.
Pode matar que eu garanto. O povo gosta. Na educação, quanto pior
melhor. Para quê povo sabido? Na saúde...se morrer “é porque Deus quis”.
Às vezes sinto que alguns poucos
escravos livres até pensam em me contrariar. Uma afronta. Ameaçam,
fazem meninice, mas o medo é maior. Logo esquecem a raiva e as
chibatadas. No fundo, eles sabem que eu tenho o poder e que faço o
quero. Tenho nas mãos a lei, a justiça, a polícia e um bando cada vez
maior de puxa-sacos.
O coronel de outros tempos ainda
mora em mim e está mais vivo que nunca. Esse ser coronel que sou e que
sempre fui é alimentado por esse povo contente e feliz que festeja na
senzala a minha necessária existência .
Fonte: Blog do jornalista José Cristian Góes.
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