quinta-feira, 14 de junho de 2012

15 anos do movimento reinvidicatório de 1.997 - PMMG

Movimento Reivindicatório de 1997 da PMMG




Movimento Reivindicatório de 1997 da PMMG



Introdução
A observação despreocupada da realidade atual já nos permite visualizar uma fragmentação nas lutas sociais, uma descaracterização dos sindicatos e entidades de classe e até a possibilidade de estranhas alianças entre organizações de trabalhadores e entidades patronais. Há nova conformação das classes em decorrência dos novos modos de trabalho e produção. Por outro lado, em vários momentos opta pela negação da luta de classes como reação à exploração e da própria sobrevivência classes na sociedade pós-industrial, enquanto em outros momentos caracteriza os fenômenos utilizando uma análise de classe. Esta postura ambígua e contraditória faz com que sua análise se torne inconsistente, sem credibilidade, deixando em aberto várias lacunas.
Ainda persiste a pergunta: que fim teve as classes? O que significa o termo 'classe'? Marx definiu o conceito, junto com a teoria do conflito que dele decorre, numa época em que países como a Inglaterra, mas também os Estados Unidos, a França e a Alemanha, eram caracterizados pela clara dicotomia entre poucos ricos e um número infinito de pobres.
Atualmente as agregações se dão mais sob forma de movimentos do que de instituições, como partidos ou sindicatos. A cada ocasião decidimos nos aliar a quem nos convém mais. Há tempos, pelo contrário, nos amarrávamos, da cabeça aos pés, permanecendo toda a vida ligada a uma das partes em luta. Que, aliás, era a luta de classes.
O que é que fizeram os operários no início da era industrial? Tomaram consciência da exploração da qual eram vítimas, identificaram os seus opositores, se agregaram, realizaram alianças e lutaram com coragem e sacrifício. O trabalhador intelectual deveria fazer alguma coisa parecida, neste início de era pós-industrial. Mas existem muitas dificuldades para que isso aconteça. Os trabalhadores intelectuais não pensam que pertencem a uma classe diferente da classe dos empregadores.
Ficam fora da análise, também, a grande massa dos despossuídos de tudo, até mesmo da exploração capitalista, os excluídos do mercado, que cada vez mais aumentam em número. Por outro lado, o excedente das forças de trabalho faz ressurgir práticas de produção e trabalho supostamente extintas e que são alegremente incorporadas como estratégia de extração da mais-valia pelo capital 'flexível'.
As subdivisões ocorrem no interior das classes que se aliam e compartilham uma determinada visão de mundo hegemônica ou não. Da mesma forma como ocorre com o senso comum e a religião, não existem apenas uma filosofia, existem diversas filosofias ou concepções de mundo e estas concepções de mundo correspondem a normas de comportamento. Segundo Gramsci escolher uma determinada filosofia é um fato complexo que envolve o intelecto e as ações práticas. Nem sempre a concepção de mundo teorizada e verbalizada é a mesma que se manifesta nas ações práticas. E isso não de deve, na maioria das vezes, à má fé. Explica-se pela adesão de grupos subordinados a filosofia de um grupo dominante, em certas épocas. Nesta situação o grupo subalterno acredita e verbaliza ser sua aquela concepção de mundo, ficando evidente a conexão entre filosofia e política.
A compreensão crítica de si mesmo é obtida, portanto, através de uma luta de 'hegemonias' políticas, de direções contrastantes, primeiro no campo da ética, depois no da política, atingindo, finalmente, uma elaboração superior da própria concepção do real.
A consciência política determina a unidade entre teoria e prática, num devir histórico que parte do sentimento de pertença a um grupo distinto até chegar numa concepção de mundo coerente e unitária.
A esta concepção perversa de conscientização, que não pode ser creditada a ingenuidade ou alienação do autor, mas que trai uma filosofia da superioridade de uns sobre outros, podemos acrescentar a sua despreocupada previsão do futuro dos trabalhadores do terceiro mundo:
No dia 13 de junho de 1997, a Polícia Militar mineira saiu às ruas para reivindicar seus direitos, fato este que se tornou parte da história de Minas. O Movimento nasceu do sofrimento vivido pelos policiais que clamavam por justiça e igualdade.

Desenvolvimento

A realidade nos quartéis


Em outubro de 95 o coronel aposentado Dirceu Brás publica um artigo no jornal Estado de minas intitulado Crise de Forme da PM, enfatizando a situação de dificuldade salarial da tropa. Nesse Artigo, afirma que o Comando da PM não reivindicava melhores condições de trabalho para a tropa porque os Coronéis do alto comando tinham rendimentos equivalentes aos de secretários de estado, segundo o coronel, esses salários eram recebidos pelo comandante-geral, chefe do estado maior e chefe do gabinete militar. Era o salário cala boca. O artigo desperta polemica na opinião pública e entre os praças da Corporação.
Em outubro de 96, é divulgado por um grupo de militares da PMMG, que se auto denominou Policiais Sofredores, com revelações sobre a penúria dos militares. A primeira revelação: o índice de criminalidade em minas estaria aumentando, o que contestava as estatísticas divulgadas pelo comando da PM. O documento, que chegou às redações entregue pessoalmente por praças da PM, os autores afirmaram que o sistema de policiamento comunitário, implantado recentemente, seria uma forma proposta pelo Comando para reduzir o policiamento ostensivo nas ruas por falta de condições operacionais. Ainda de acordo com o documento, só 40% do orçamento da Corporação havia sido repassado pelo Governo no ano de 96.

A Falta de Dinheiro

A Pm está sem recursos para sua manutenção e para sustentar um contingente de 45 mil homens da ativa e 12 mil reformados. Fornecedores apelam à imprensa para conseguir receber por serviços prestados ou produtos vendidos, principalmente fornecedores do setor de alimentação, que alegam estarem com os pagamentos atrasados em até dois anos. Vários comerciantes afirmam que foram obrigados a fechar as portas de seus estabelecimentos porque não receberam o pagamento pelos serviços prestados. O Comando admite a crise, atribuída ao difícil momento econômico por que passam o Estatuto e o País.
As viaturas quebradas nas oficinas dos Batalhões são mostradas pela TV Bandeirantes. Ambulâncias, Rotams, motos, patrulhas de trânsito se amontoam nas oficinas e não há verba para reposição de peças ou dos carros. O jornal Estado de Minas publica os contracheques dos praças, com salários baixíssimos, sem identificação dos donos.
Em outubro de 96, o chefe do gabinete militar do Governo, Coronel Hamilton Brunelli, é convidado a depor na Assembléia Legislativa. É questionado sobre o porquê do não pagamento aos PMs do adicional de periculosidade, de acordo com a Constituição Federal, que determina o pagamento deste adicional para as atividades penosas, insalubres ou perigosas. Ele afirma que o benefício não poderia ser estendido a todos porque só os policiais de atividades operacionais e não os de função administrativa teriam direito ao benefício, o que ameaçaria o princípio da isonomia salarial da Corporação. Este benefício significaria um acréscimo de 40% nos salários. Até hoje, os policiais militares e civis não recebem este benefício.

O Comando é alertado

No dia 14 de março de 97, o comandante de policiamento da Capital, Coronel José Guilherme do Couto, envia um memorando oficial (n. 046.1/97, do 8º CRPM) a todos os comandantes de unidades operacionais, recomendando a criação de listagens com históricos de militares que se encontra em situação de extrema penúria financeira, ou algum tipo de desajuste conjugal, social e/ou emocional.
No dia 15 de abril, um mês depois, a lista está pronta. O comandante de policiamento da Capital encaminha ofício (no 235.1/97) ao chefe do Estado-Maior, anexando a lista com os históricos dos praças nesta situação, segundo o levantamento feito pelos comandantes das unidades. Um documento pesado, que alerta sobre a situação real dos quartéis.
Um mês antes da crise na PM, maio de 97, o comandante-geral. Coronel Antônio Carlos dos Santos participa de uma reunião com os comandantes, em Contagem, onde é comunicado de que a situação da tropa era de penúria salarial, com militares morando em barracos de lona, endividados e, consequentemente, do aumento dos casos de suicídio. O comandante-geral desafia os oficiais presentes (comandantes do Batalhão de Choque, 1º BPM, 5º BPM, 13º BPM, 16º BPM, 18p BPM, 22º BPM, Regimento da Cavalaria Alferes Tiradentes, Batalhão de Missões Especiais, Batalhão de Trânsito, Batalhão de Bombeiros Militares e Batalhão de Guardas) a provarem que existe defasagem salarial na Corporação. O comandante sugere ainda que se usem indicadores econômicos para isto.

Suicida-se um soldado do 13º Batalhão acusado de ter roubado uma lata de leite em pó.

Ele é preso, levado sob escolta para casa para pegar o fardamento. O suicídio acontece dentro do quarto dele, quando ele dá um tiro na cabeça na frente da mulher e dos filhos. Segundo a assessoria do CPC (Comando de Policiamento da Capital), o suicídio foi provocado por motivos pessoais.

Aumento às escondidas
Outros motivos aumentam a insatisfação. O 13º salário é parcelado em três vezes. Está proibida a conversão das férias-prêmio em dinheiro, há cortes de convênios na área médica e o Governo decreta um aumento da contribuição para o Instituto de Previdência dos Servidores da PM de 10 para 13%, na mesma época. Os policiais permanecem calados, mas sofrem com a falta de reconhecimento e de valorização pessoal e profissional. A moral está baixa na tropa.
O Governo cria o PDV (Programa de Desligamento Voluntário), mas a Policia não pode entrar. Poderia haver uma correria dos praças que já tinham mais tempo de serviço e nenhuma expectativa de melhora de vida.
Em maio de 97, a Associação dos Delegados da Polícia Civil de MG conquista, no Supremo Tribunal Federal, o direito à equiparação salarial com os procuradores de Justiça. Durante uma festa, onde estavam presentes delegados e oficiais da PM, o assunto é comentado pelos delegados. O comandante de policiamento da Capital, Coronel José Guilherme do Couto, fica então sabendo do aumento e que os delegados iriam receber a primeira das três parcelas.
No outro dia pela manhã, o Coronel José Guilherme do Couto, comandante de policiamento da Capital (CPC) se encontra com o chefe do Estado Maior, Coronel Herberth Magalhães, que se indigna com a notícia. Os dois vão até o comandante-feral levar a situação. Os coronéis querem o mesmo aumento, por uma acordo de equiparação salarial entre as duas forças feito com o Governo do Estado.
O Alto Comando da PM começa então a se mobilizar para pleitear, junto ao Governo do Estado, a extensão deste aumento para os oficiais. Várias reuniões que estavam fora da agenda oficial do governador acontecem nesta época no Palácio da Liberdade, com representantes do Alto Comando.
O secretário de administração, Cláudio Mourão, é convocado pelo governador a apresenta um estudo sobre a viabilidade e forma de se conceder o aumento. Segundo pessoas presentes nesta reunião, o secretário afirma: É impossível aumentar de imediato os salários das duas corporações, governador. Só dentro de dois meses poderíamos dar o aumento para a PM.
O Coronel Herberth Magalhães não aceita a resposta do secretário: Não posso esperar nem mais uma hora, secretário. É inaceitável que um coronel ganhe menos que um delegado.
O governador Eduardo Azeredo consulta os coronéis: Seria possível dar um aumento apenas para os oficiais sem provocar reações na tropa?
A resposta foi enfática:
“Pode dar o aumento, governador, nós seguramos a tropa.”
Boatos
Começam a circular boatos na tropa. Um dos boatos conta de que o governador não gostava da PM. Dizia-se que um filho dele teria atirado cerveja no rosto de um soldado, que estava na geral do estádio Mineirão num dia de jogo.
Também circula a história da punição de um policial do 22º BPM que, num posto de gasolina da Avenida Nossa Senhora do Carmo, aborda o filho do governador e diz: Fala para o seu pai dar um aumento para a gente. O comentário do militar chega ao conhecimento do Comando, que o pune com a transferência para o interior. Estas histórias circulam rapidamente na tropa.
Sai o reajuste
Através do Decreto Estadual n. 38.818, de 3 de junho, o governador concede reajuste para 4 mil oficiais da PM, que variam entre 10,06 e 22%. Os salários são equiparados aos dos delegados da Polícia Civil.
As entidades dos Praças haviam tentado uma audiência com o governador ao final de maio, mas o governador não os recebe.
O gabinete alega que o governador só conversa com coronéis e não com praças.
As entidades estudam a possibilidade de entrar com ação na Justiça contra o aumento exclusivo para oficiais. Houve inversão de prioridades, dizem os diretores das entidades.
O comandante de policiamento da Capital (CPC), Coronel José Guilherme do Couto, declara aos integrantes das entidades que os praças também vão receber aumento por gratificações de cursos e o Governo estaria estudando uma maneira para que o aumento fosse estendido também aos policiais civis, que não têm gratificações de cursos. Em entrevista ele afirma:
“Entendo a insatisfação dos praças manifestada pelos seus representantes das Entidades, mas espero que haja compreensão e um voto de confiança na negociação do comandante-geral com o governador Eduardo Azeredo.”
Cão Banguelo
Na segunda semana de junho, quando das comemorações do aniversário da 5ª Cia. De Cães do BPChoque, o Coronel do CPC, José Guilherme do Couto, fazendo uso da palavra em discurso para a tropa compara o adestramento de um cão e o de um policial.
A expressão usada pelo coronel foi um cão banguelo e desdentado consegue fazer seu serviço, assim como um policial adestrado, apesar das dificuldades.
Este comentário foi feito para uma tropa formada, de aproximadamente 200 policias, e logo se estendeu para o Batalhão de Choque, criando uma revolta entre os choqueanos (policiais do Batalhão de Choque).
Explicar o inexplicável

Apesar do silêncio do Comando, vaza para a imprensa a informação de que só os oficiais da PM receberiam o aumento exclusivo, mas as informações eram contraditórias quanto aos valores. O que surpreende é a informação de que dinheiro já estava depositado. O comandante do CPC, Coronel José Guilherme do Couto, bastante constrangido, convoca os jornalistas no início da noite ao Quartel Central Geral (QCG) para explicar o aumento, que seria na verdade uma equiparação ao salário conquistado na Justiça pelos delegados e contesta os índices que vinham sendo divulgados pela imprensa, de que o aumento era superior a 30%. Segundo o comandante, a aumento era escalonado e os oficiais subalternos e intermediários (tenentes e capitães) receberiam mais (22%). Os oficiais superiores receberiam menos. O aumento variava entre 10 e 22% e seria pago em três parcelas. A primeira parcela já havia sido paga. O coronel afirma ainda que o aumento para os praças dependeria da aprovação do projeto lei que o Governo enviaria para a Assembléia nos próximos dias. Com o aumento, o salário inicial dos oficiais subalternos (2º tenente) passaria para R$1.500,00. O soldo inicial de um soldado era de R$332,00.
Suicídio

O soldado Leonardo Paulo de Souza (20) comete suicídio com um tiro na boca, no dia 5 de junho, dentro do alojamento do 22º Batalhão, no bairro Santa Lúcia, zona sul de Belo Horizonte. Ele estava sendo acusado de furtar um carro. A Assessoria de Comunicação do CPC informa que era o sexto suicídio cometido por um PM na Grande BH no decorrer do ano.
Na avaliação da PM, de acordo com a Assessoria:
“Os suicídios estão dentro de um patamar normal e não significam desespero com uma situação financeira difícil. A maioria dos suicídios é devida à situação pessoal e emocional das vítimas.”

Vivendo no banheiro
Um flagrante é registrado pela imprensa devido ao inusitado. Três policiais militares estão vivendo num banheiro do Fórum Laffayette, num espaço de pouco mais de 4m2. Esta situação já durava dois anos, sem que ninguém tomasse providências. Apenas funcionários do Fórum tinham conhecimento da moradia dos três policiais. Os PMs dormem em pedaços de espuma no chão. Suas mulheres e filhos moram no interior. O salário médio destes praças é de R$ 250,00. Um deles busca marmita toda semana em Barbacena, onde vive a mulher, e a comida, que dá para uma semana, é guardada no refrigerador da copa do 2º Tribunal de Justiça.
No dia 7 de junho, depois que a notícia sai nos jornais, os PMs são transferidos para um quarto de despejo no próprio Fórum e ganham beliches para dormir, abandonando os colchões de espuma. O Comando informa que está estudando a situação deles.

Governo não tem definição sobre salários
O Governo envia à Assembléia Legislativa um projeto de lei, em regime de urgência urgentíssima, solicitando autorização para conceder reajustes diferenciados ao funcionalismo por decreto.
O secretário estadual de Administração, Cláudio Mourão, afirma que ainda não há definição sobre o percentual para o reajuste salarial do funcionalismo público. Mourão diz que por enquanto, o Governo aguarda a aprovação da Assembléia Legislativa para promover, via decreto reajustes que não atingirão todos os 452,297 servidores. A prioridade são as policias Civil e Militar.

Estopim
No dia 6 de junho de 97, uma sexta-feira, o cabo Glendyson Hércules de Moura Costa (31), do 16º BPM, é baleado com cinco tiros, durante perseguição a assaltantes que tentaram roubar uma casa lotérica no bairro Floresta, na região leste. O cabo é atingido no pescoço, peito e barriga. Um dos tiros perfura o pulmão. Ele é levado em estado grave para o HPS (Hospital de Pronto-Socorro João XXIII), onde os parentes dão entrevistas à imprensa, revoltados com a situação do militar. A irmã, Gleise de Moura (29), declara:
“Os praças da PM são colocados com escudo na frente dos bandidos e quem recebe aumento salarial são os oficiais.”
A mãe do cabo Glendyson, Maria Evangelista Moura Costa (59), diz que o filho vivia em situação de miséria.
“Com seis anos de PM, ele recebe R$ 340,00. Nós da família temos que ajuda-lo a manter sua mulher e suas duas filhas. E o pior, é que se ele tivesse matado o bandido, estaria hoje preso no quartel, sujeito a cometer suicídio diante das pressões dos seus superiores, como vem acontecendo na PM”.
O comandante-geral faz uma declaração sobre o aumento de salário dos oficiais:
“Não há distinção entre as funções dos oficiais e dos praças. Realmente temos lutado para melhorar o salário dos praças, o Governo quer estender o reajuste também às categorias mais baixas da Polícia Civil e isto somente será feito junto com os praças da PM, para haver equiparação salarial entre as corporações.”
No dia 8 de junho, depois de passar por várias cirurgias, cabo Glendyson é transferido para o CTI, em estado gravíssimo. Ele não resiste aos ferimentos e morre no dia 11 de junho, às 23h45. O enterro é marcado para o dia seguinte no cemitério da Paz, em frente ao BPChoque, no bairro Caiçara.
Iogurte
Os coronéis se reúnem, comentam a situação de hostilidade e uma declaração do comandante da APM (Academia de Polícia Militar), Coronel Edgar Eleutério, chega aos ouvidos da tropa. Ele diz que é favorável à concessão do aumento para os oficiais, porque acredita que eles consigam segurar a tropa. O coronel afirma:
“Antes de entrar para a PM, o soldado comia arroz e feijão; depois de ingressar na PM, já pode comer arroz, feijão e carne. E agora ainda está querendo comer iogurte”.
O comandante-geral ainda defende que os salários não estão defasados e garante que o Governo vai estender o reajuste aos praças, mas precisa encontrar uma maneira de não quebrar a isonomia com a Polícia Civil.

Guerra de nervos
Os praças iniciam uma greve branca. Muitos fazem corpo mole no atendimento de ocorrências. Eles distribuem cartas informando à imprensa que estão deixando de atender ocorrências, ou fingindo que não as vêem.
A greve fria ou guerra de nervos é denunciada pela população. A psicóloga Marisa Escaldas (28), disse que acionou uma Radiopatrulha para solicitar providências no furto do carro de sua irmã e os militares se recusaram a tendê-la. Eles responderam que não tiveram aumento de salário, só os oficiais, e não iriam fazer a ocorrência e nem tentar localizar o carro, declara ela.
O Comando da PM nega a greve fria. Uma das cartas que chega às redações diz:
“Estamos vivendo momentos difíceis com os míseros salários recebidos atualmente e que estão desestabilizando a vida do policial militar, ocasionando problemas familiares e pessoais, como suicídio nos quartéis e participação em crimes.”
Segundo o Comando da PM:
“A carta é expressão de pessoas desajustadas ao se manifestarem. Qualquer manifestação somente irá prejudicar a situação, uma vez que o governador pretende estender o reajuste também às categorias mais baixas das Policias Civil e Militar”.
O enterro do cabo Glendyson atrasa por causa da demora da liberação do corpo e da chegada de oficiais. A viúva, mãe de duas crianças protesta:
“Não entendo esta demora. Se fosse um oficial, já teria havido o enterro. Informaram-nos que o corpo chegaria às 9 horas, depois mudaram para o meio-dia”.
Ela conta detalhes da vida do marido:
“Ele tinha um soldo de R$ 340,00 e para complementar esta renda trabalhava como segurança de uma cantina. Todo soldado e cabo da PM têm que fazer bico, senão a família morre de fome”.
Um PM à paisana comenta:
“Somos os PMs mais mal pagos do Brasil e não podemos falar porque o regimento interno proíbe qualquer manifestação”.
O comandante-geral não está presente ao enterro. O clima é de tensão e hostilidade contra os oficiais.
Durante o enterro, quinze praças presentes anunciam à imprensa que iria acontecer uma revolta porque a morte do companheiro é a gota d’água na insatisfação dos policiais com os baixos salários.
“A revolta é iminente. Não podemos nos expor muito porque há muitos oficiais aqui, inclusive à paisana”.
Os praças dizem que o comandante-geral é diretamente responsável pela negociação dos salários com o Governo e se consideram traídos pelo aumento exclusivo. Eles falam em greve, mas ainda com receio de punição.
Colegas do cabo Glendyson dão entrevistas aos jornalistas depois do enterro, sem dar nomes. Eles reclamam dos salários baixos, do não pagamento da gratificação de risco de vida e comparam os salários dos praças da PM de Minas Gerais aos de outros estados, como o Distrito Federal e o Espírito Santo, onde o salário inicial de soldado é de R$ 1.000,00, segundo os praças.
Outras reclamações: os salários já baixos têm muitos descontos dos empréstimos feitos por eles, os equipamentos de trabalho estão ultrapassados. Um deles afirma:
“Enquanto os marginais usam pistolas semi-automáticas, como o assassino do cabo Glendyson, nós temos que trabalhar com armas calibre 38, com mais de dez anos de uso. Temos sorte quando elas funcionam”.
O CPC, Coronel José Guilherme do Couto, é pressionado pelos jornalistas a comentar a insatisfação e a possibilidade de um movimento de praças na PM e responde:
“Apoiamos qualquer luta pelos direitos dos policiais, desde que ocorra dentro dos regulamentos e seja mantida com disciplina. Também acho que um soldado deveria ganhar R$ 1.000,00, mas o estado não tem como pagar”.
O coronel comenta ainda a questão do armamento:
“É praxe que a Polícia de todo o País só use arma calibre 38 que possibilita maior pontaria, mas os bandidos realmente têm armas mais poderosas”.

Começa a greve

Na hora do almoço, o clima é de revolta no Batalhão de Choque, o batalhão de elite, que tem como efetivo de mil policiais e um salário médio de R$ 320,00. Os policiais consideram que o aumento salarial dos oficiais significa que os praças e suboficiais foram abandonados pelos próprios comandantes. Na chamada de 13hs, os policiais não entram em forma, ficam parados no pátio do quartel, de braços cruzados, e se recusam a se deslocarem nas viaturas para o centro da cidade, onde formariam o reforço do policiamento da região. A imprensa começa a chegar, por causa dos telefonemas dos praças alertando sobre o movimento. Alguns policiais falam em voz baixa para os jornalistas que eles decidiram entrar em greve por causa dos salários baixos.
O comandante da 3ª companhia de Polícia de Choque, capitão Carlos, anuncia ao subcomandante do Batalhão de Choque, major Renato Vieira, que a tropa se nega a entrar em forma. O subcomandante reclama com o capitão Carlos e designa um outro oficial, o capitão Valdeir, para deslocar-se até o pátio e colocar a tropa em forma. O capitão Valdeir segue para o pátio e após várias tentativas retorna de cabeça baixa e informa ao major que também não havia conseguido.
“Achei que estava acontecendo algo estranho, surpreendente, e continuei trabalhando, passando a observar a situação, mas ainda sem participar. Via o nervosismo dos oficiais, que nunca tinham enfrentado uma situação semelhante. O medo estava estampado nos rostos deles. Aqueles oficiais mais temidos pela tropa, os chamados carrascos, eram os que tinham mais medo. Escondiam-se em seus gabinetes, evitando sair ao pátio do batalhão. Fui conversar com outros PMs, que diziam Nós não vamos descer para as ruas. Chega de salário de fome”, declara Cabo Júlio.
O SubComt Major Renato Vieira, que era considerado truculento e lixo (termo militar para atribuir alguém que é desumano) se trancou em seu gabinete.

Fogo
Dentro do alojamento dos cabos e soldados, começa sair uma densa fumaça, que chama a atenção de todos. O nervosismo entre os oficiais aumenta. Alguns colchões são queimados no interior do alojamento. O major e alguns capitães correm para todos os lados demonstrando desespero, o fogo aumenta, começa o corre-corre. Todos os oficiais se mobilizam com baldes na mão para apagar o fogo. Os colchões são arrastados para fora do alojamento. Os oficiais percebem que a tropa não está brincando e que pode surgir uma revolta.
Em uma tentativa de pressionar a tropa, em tom de desespero, o major Renato diz para os oficiais.
“Não coloquem a mão em nada, vamos acionar a perícia para tirar as impressões digitais e descobrir que fez isso”. (Ele se esqueceu que está no Brasil, e que isso só acontece nos filmes de TV).
Os PMs não se intimidam e afirmam:
“Essa ameaça não nos assusta. Já rompemos o elo principal: acabamos de rasgar o RDPM”.
Do cemitério, os repórteres avistam a fumaça e correm para a porta do Batalhão de Choque. A tropa, numa tentativa de demonstrar a situação de revolta, cruza os braços no pátio, para alegria dos fotógrafos e cinegrafistas, que já chegavam às dezenas ao Batalhão.
O comandante do Batalhão manda um assessor informar à imprensa que tinha acontecido um curto-circuito na fiação elétrica. Ninguém acredita. Os policiais riem. O comandante resolve fazer uma declaração à imprensa e acaba por admitir um clima de insatisfação generalizada.
“Os baixos salários e a inadimplência com os compromissos financeiros estão realmente deixando os policiais aloprados, mas a situação está sob controle”.
O comandante admite então que a queima de colchões pode ter sido um ato criminoso. “Pode ter sido ação de uma pessoa desajustada, em função dos baixos salários e da morte de um colega”.

Desespero e Vaias
O comandante do CPC, Coronel José Guilherme do Couto, chega instantes depois com a fisionomia preocupada, e não fala com a imprensa. Ele se reúne primeiro com os oficiais e depois chama a tropa para uma reunião no auditório do batalhão. Ninguém vai para o auditório. Ele espera 20 minutos, apenas na presença dos oficiais. O coronel deixa o auditório e segue para a viatura que irá levá-lo de volta ao QCG. No caminho, a viatura passa pelo pátio e cerca de cem praças vaiam. O coronel deixa o prédio e é cercado pelos jornalistas, mas se recusa a dar entrevista. Ele apenas diz: Não tem mais jeito, eu tentei.
A tarde toda permanece o impasse. Os policiais não saem e começam a tomar coragem para declarar aos jornalistas que estão em greve. Alguns vão até esquina do quartel para gravar entrevistas numa rua erma atrás do cemitério. Eles estão com os rostos cobertos por gorros, blusas e cachecóis, emprestados pelos próprios jornalistas. Denunciam desmandos, regalias dos oficiais, falam sobre a revolta com os baixos salários e o aumento exclusivo que foi dado aos oficiais. Uma das denúncias mais graves feitas neste primeiro dia da greve é a de que policiais militares estariam recebendo dinheiro de traficantes para fazerem vista grossa no caso de batidas policiais nos morros. Segundo a denúncia, os policiais que moravam em favelas, vizinhos aos próprios marginais, aceitavam propina e recebiam mais de R$ 3.000,00 por mês de traficantes. Um dos policiais diz que enquanto trabalha o mês inteiro na favela Sumaré, ganha até E$ 150,00 por dia. Diz que a proximidade entre um traficante e um policial é bem curta.
“Quantas foram as vezes que o policial sai de casa deixando o aluguel atrasado, a luz cortada, sem nenhum alimento e no momento da prisão o traficante oferece R$ 500,00? O coração começa a bater forte. Vem logo ao pensamento que com aquele dinheiro pode colocar a vida em ordem, mas o senso de responsabilidade fala mais alto para quem é um profissional honesto e consciente. Infelizmente, nem todos são assim”.
Um policial do BPChoque diz:
“A cabeça de um policial do Batalhão de Choque está valendo R$ 5.000,00 na favela da Pedreira Padre Lopes. Como é que a gente trabalha assim?”.
Quanto mais as horas passam, mais policiais querem falar, denunciar, mas ainda com medo de possíveis represálias. Eles fazem outras denúncias.
“Sabemos de várias maracutaias de oficiais. No 1º BBM, os bombeiros foram obrigados a assinar nota fiscal onde um par de meias estava orçado em R$ 57,00. Em vez da farda anual a que têm direito, os bombeiros só receberam este ano duas camisetas, um calção e dois pares de meia, com preços superfaturados”.
O fardamento é de responsabilidade da empresa Citeral, que funciona dentro do 5º BPM, no bairro da Gameleira, região oeste. O Comando nega as denúncias.
Essa empresa tem exclusivo monopólio para vender fardas para a PM, por isso põe o preço que quer. Dizem que paga comissão para os coronéis para que não permitam que outra empresa também entre nesse mercado. Para se ter idéia, no Distrito Federal o efeito é cinco vezes menor, mas existem 10 empresas que vendem fardamento.

A greve se espalha
Começam a chegar informações de movimentos em outros quartéis. No 22º BPM (bairro Santa Lúcia, região sul), vários colchões são queimados. No 1º BPM (bairro Santa Efigênia, região leste), os policiais fazem um buzinaço nas viaturas na hora de saírem do quartel. No 16º BPM, (bairro Santa Tereza, região leste), o quarto turno atrasa quatro horas o seu lançamento (saída para rua) e os policiais jogam as armas no chão. No 1º BBM (Batalhão de Bombeiros Militares), a rede de rádio transmite o protesto, chamando os policiais para uma mobilização geral. Um dos diálogos ouvidos:
_ O coronel pediu aumento para nós?
_ Não é o coronel que dá aumento. É aquele prechão do governador, que já falou que não tem aumento para nós. (risos) Então põe o coronel na escuta aí. Vamos pedir o aumento pra ele!
Os telefonemas chovem nas redações, policiais dizendo que a greve iria se alastrar por todo o Estado. No BPChoque, os policiais distribuem bilhetes aos jornalistas assumindo a responsabilidade pelo incêndio. Um dos bilhetes diz:
“Estamos passando fome. Moramos em favelas e às vezes chegamos a pensar em suicídio. Não recebemos nenhum apoio do Alto Comando da PM. Queimamos os colchões porque nossa vontade é botar fogo em nossos salários de miséria. Como não podemos, colocamos fogos nos colchões”.
Os policiais tinham receio de que, no caso de alguma unidade parar, o Batalhão de Choque ser chamado para reprimir os próprios policiais, já que era uma tropa especializada na repressão a movimentos grevistas. Com a explosão do movimento no Batalhão de Choque, os policiais das outras unidades se encorajaram e o movimento se espalhou como uma onda. Neste dia, não havia líderes. A situação só não ficou pior porque o comandante do BPChoque era uma pessoa querida e respeitada pelos choqueanos.
Às 19h30minh, chegam ao BPChoque integrantes da Associação de Subtenentes e Sargentos e do Centro Social de Cabos e Soldados que haviam sido convocados pelo comandante-geral para tentarem conversar e convencerem a tropa a retornar às atividades normais. Os representantes destas entidades alertam a tropa para o que poderia ocorrer: possíveis punições e até exclusões. Eles também estão um pouco perdidos, até pelo ineditismo do movimento, tentando responder às inúmeras perguntas e questionamentos dos praças. Esta reunião dura cerca de uma hora, sem a presença de nenhum oficial.

Primeira reunião de negociação
Comissão conversa com o Coronel Hamilton Bunelli. Ele demonstra, durante a conversa, eterno amor pelo militarismo. O coronel usa expressões como: Depois desta, o que será da Polícia Militar?; a PM vai acabar amanhã!; ou isto não poderia acontecer nunca!. Ninguém se intimida. Lá em baixo, começam sonoras vaias. Corremos à janela e vimos o comandante do CPC sendo vaiado pelos manifestantes. O coronel Brunelli se desespera e diz: O que é isto? Agora é que acabou mesmo a Polícia Militar!
Eu respondi: não fomos nós que procuramos isso, coronel. Nossa situação é crítica. Por que concederam aumento só aos oficiais e deixaram os praças em situação de miséria?
O secretário da Casa Civil, Agostinho Patrus, que é capitão médico reformado da Polícia Militar, chega para coordenar a reunião em nome do Governo. Ele demonstra superioridade no trato com os praças. O secretário recebe as reinvidicações e diz que não negocia com a Polícia na rua. A comissão promete tentar tirar a tropa das ruas, mas com a garantia de haver negociação.

Abraço ao Pirulito
Depois da reunião, que dura cerca de uma hora, os líderes se reúnem com os manifestantes e marcam uma assembléia para o dia seguinte, sábado. Eles resolvem deixar a Praça da Liberdade em passeata. Os PMs gritam os jargões e a expressão de cidadania é total. Nos prédios das secretarias, as pessoas ainda aplaudem a passagem dos policiais. Na avenida Afonso Pena, alguns P-2 (policiamento secreto), infiltraram-se na passeata. Um deles tem uma câmara e filma os integrantes do movimento. Aos gritos de traidor, os praças tomam a filmadora, que é quebrada no chão. Ele é expulso a pontapés e sai correndo para não apanhar
A passeata segue em direção à Praça Sete, mas os líderes são chamados para uma reunião no Comando-geral. Os manifestantes já são 2.500 e continuamos o protesto, abraçando o monumento do Pirulito. Quatro seguranças particulares do governador, policiais militares da ativa, de terno e gravata, aderem ao protesto. Um deles diz: Fazemos parte da tropa, apenas temos fardas diferentes.
Todos se sentam no chão. O protesto é encerrado rapidamente porque existe uma preocupação de desimpedir o trânsito e não provocar transtornos para continuar com o apoio da população. Os reportes entrevistam as pessoas na Praça Sete.
A maioria da população apoiava o nosso movimento. Existia uma grande consciência de que a greve era por melhores salários. Muitas pessoas aplaudiam com entusiasmo, como uma dona de casa que manifestou apoio e carinho pelos policiais. Eles merecem ganhar mais e serem valorizados, disse ela.

Conclusão

Através da organização dos militares neste movimento reivindicatório, os atores do processo demonstraram uma grande capacidade de mobilização, caindo nas graças da opinião pública, após o movimento foram excluídos cerca de cento e oitenta policiais militares, mais mil indiciados em inquéritos policiais, dentre os quase cinco mil policiais militares, civis e agentes penitenciários.
Foram punidos aqueles que contestaram a traição do alto comando da PM, que lutou por aumento salarial somente para os oficiais e esqueceram dos praças. Eles se sentiam como uma família que estivesse com fome mas o pai providenciou comida apenas para ele e para a mãe e deixou os filhos com fome.
A disciplina foi quebrada por eles inicialmente. Mostraram a sociedade que o policial que é pago para lhe proteger também precisa de proteção.
O tempo passou e todos deram a volta por cima. Em 1998, quase um ano depois, foi eleito Deputado Federal com 217.088 votos o primeiro e único praça da historia das policias militares de todo o Brasil. Em 1999 a recém criada Corporação do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais reintegra aos seus quadros os cento e oitenta policiais militares excluídos pela participação no movimento.

Referencia Bibliográfica:
GOMES, Julio César. O Dia em que a Policia parou! – A Verdadeira historia da greve da policia mineira que parou o Brasil. 2ed. Belo Horizonte, 2006.

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