O Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo
(NEV/USP), acaba de lançar a “Pesquisa Nacional por Amostragem
Domiciliar sobre Atitudes, Normas Culturais e Valores em Relação à
Violação de Direitos Humanos e Violência – Um Estudo em 11 Capitais de
Estado”.
O
objetivo da pesquisa é examinar as relações entre ser vítima de
violência (quer por testemunhar, quer por ser vítima direta) e atitudes,
normas e valores em relação à violência e aos direitos humanos e às
instituições encarregadas de garantir a segurança dos cidadãos.
Além
de monitorar o impacto que a contínua exposição à violência tem sobre a
percepção, atitudes e valores, a pesquisa pode auxiliar na
identificação e desenvolvimento de programas de prevenção à violência e
de campanhas educativas para minimizar os efeitos/riscos da violência,
sensibilizar os encarregados da aplicação das leis para a percepção que a
população tem do desempenho de suas instituições e o impacto desta
percepção sobre a credibilidade delas, e apontar fatores, até então
subestimados, na reprodução da violência. Os dados coletados podem
também auxiliar na disseminação de temas presentes no Programa Nacional
dos Direitos Humanos e na implementação de programas educacionais
voltados aos direitos humanos.
A
pesquisa foi feita em Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo
Horizonte, Salvador, Recife, Belém, Manaus, Porto Velho e Goiânia. Foram
realizadas em 2010, 4025 entrevistas domiciliares com pessoas
residentes nestas capitais, com 16 anos ou mais, selecionados segundo o
perfil demográfico dos respectivos setores censitários. Para a seleção
destes setores foi utilizada a técnica probabilística.
Veja alguns resultados da pesquisa:
Tolerância à violência:
Em relação à primeira pesquisa, em 1999, diminuiu o percentual daqueles
que tolerariam o uso da violência para compensar uma injustiça
(vingança) ou resolver problemas no bairro, como expulsar alguém que
cause problemas, linchamento ou apoio à ação de justiceiros. Neste
período, surpreende o aumento da aceitação de arbitrariedades por parte da polícia, entre todas as faixas etárias.
Cresceu a aceitação de que a polícia reviste uma pessoa “em função de
sua aparência”, assim como cresceu a concordância com a polícia bater em
um preso que tenha tentado fugir.
Maioria apanhou na infância:
A maioria dos entrevistados, tanto em 2010 (70,5%) como em 1999
(79,6%), revelou ter apanhado quando criança. A punição física regular
(quase todos os dias ou uma vez por semana) atingiu, em 2010, 20,2% dos
entrevistados, ou seja, 1 em cada 5 entrevistados relatou ter apanhado
regularmente quando criança. Apesar deste alto percentual, houve uma
queda em relação a 1999, quando 23,2% dos entrevistados, quase 1 em cada
4 entrevistados, dizia ter sido castigado fisicamente de maneira
regular.
Violência e Escola:
Em relação aos jovens (16 a 19 anos), chama atenção os casos de
violência relacionados à escola. Em 2010, 27% dos entrevistados disseram
ter algum colega ou amigo que já ameaçou algum professor, sendo que
10,7% conhecem alguém que fez tal ameaça com canivete ou faca, número
que é o dobro daquele registrado em 1999 (5,4%). Além disto, é alta a
frequência de jovens que têm, entre seus amigos, jovens vítimas de
violência e jovens perpetradores de violência. Os dados revelam que
cresceu, entre 1999 e 2010, o contato de jovens com colegas vítimas e
vitimadores: a) em 2010, 16,9% dos jovens entrevistados disseram ter
colegas ou amigos que já mataram alguém, percentual que era 12,2% em
1999; b) 37,5% (2010) disseram ter colegas ou amigos que já foram
ameaçados de morte, percentual que, em 1999, fora de 26,5% (1999); c)
65,0% (2010) responderam ter um colega ou amigo que já foi assaltado,
enquanto em 1999 esta resposta correspondia a 47,9% dos entrevistados.
Causas da violência:
Tanto em 1999 como em 2010, a maioria dos entrevistados apontou o
consumo e o tráfico de drogas como as principais causas da violência. A
violência emerge como causada pelo uso e tráfico de drogas, o uso de
bebidas alcoólicas, por pessoas que, intoxicadas, provocam os outros e,
por fim, como produto da maldade de pessoas. Ciúmes, provocar os outros e
não ter uma religião também são percebidos como causas da violência,
mas em menor grau de consenso. O preconceito racial, a falta de
condições para sustentar a família e a perda da esperança de melhorar de
vida são também consideradas, em alguma medida, causas de violência,
mas, novamente, há menor consenso entre os entrevistados sobre este
papel. Isso revela ênfase em fatores individuais enquanto os fatores
estruturais são pouco percebidos como relevantes para explicar a
violência.
Avaliação das polícias:
Há uma significativa melhora na avaliação das instituições da segurança
pública no Brasil – Polícia Militar, Polícia Civil, Guarda Municipal,
Polícia Federal e Bombeiros.
Satisfação em relação aos serviços policiais:
Quanto à satisfação com os serviços policiais, para a maioria dos
entrevistados, 56,1% em 2010, estes serviços melhoraram ou mantiveram‐se
bons nos últimos 12 meses. Porém, para 40,6% os serviços da polícia
“pioraram” ou “estão iguais, eram ruins”. Há grande diferença de
avaliação entre os entrevistados mais jovens e mais idosos, sendo os
mais jovens mais críticos.
Uso da força pelas polícias:
De modo geral, os entrevistados continuam desaprovando o uso de força
pela polícia, porém caiu, no período, os que “discordam totalmente” que a
polícia pode: “invadir uma casa” (de 78,4% para 63,8%), “atirar em um
suspeito” (de 87,9% para 68,6%), “agredir um suspeito” (de 88,7%, para
67,9%) e “atirar em suspeito armado” (de 45,4% para 38%).
Legitimidade em relação às ações de segurança pública:
Melhorou a percepção dos entrevistados sobre a capacidade de as
autoridades tomarem decisões para o bem de todos na área da segurança
pública. Enquanto em 1999 a maioria das pessoas discordava que o governo
tomasse decisões sobre segurança pública para o benefício de todos
(60,4%), em 2010, a maioria (57,3%) revelou concordar que o governo toma
decisões nesse sentido.
Manutenção dos presos:
Apesar de ter ocorrido uma queda no período (de 64,5% para 56,3%), a
maioria dos entrevistados, em todas as cidades pesquisadas, não acha
justo que impostos arrecadados sejam utilizados para manter os presos no
sistema prisional, posição esta relacionada à eficiência que se atribui
às penas de prisão.
Eficiência das prisões:
Para a maioria dos entrevistados, a prisão é percebida como pouco ou
nada eficiente tanto para punir (60,7%) ou reabilitar (65,7%) aqueles
que já infringiram, como também para dissuadir (60,9%) e controlar (63%)
possíveis infratores. Ou seja, a prisão é percebida como menos
eficiente justamente na função de reabilitação.
Penas e delitos: Quais as penas que os entrevistados consideram mais adequadas para aqueles delitos graves, que sempre deveriam ser punidos? Das
penas mais escolhidas pelos entrevistados 50% não estão previstas no
Código Penal, como: prisão perpétua, pena de morte e prisão com
trabalhos forçados. O maior consenso identificado foi sobre o uso da
pena de prisão perpétua para alguém condenado por terrorismo (35,9%), a
pena de prisão com trabalhos forçados para políticos corruptos (28,3%) e
a pena de morte aplicada a estupradores (39,5%). Para sequestradores
(32,6%), maridos que matam a mulher (30,5%), jovens que matam (37,2%) e
traficantes de drogas (28,8%), a primeira opção mencionada é a pena de
prisão e a segunda, em todos esses casos, a prisão perpétua.
Direitos Humanos:
Há uma tendência entre os entrevistados em rejeitar a associação entre a
expressão “direitos de bandidos” e o tema dos direitos humanos: 46,3%
dos entrevistados rejeitam essa associação e esta rejeição é maior entre
os mais jovens. As opiniões dos entrevistados também estão divididas
quanto aos direitos humanos guiarem ou não as ações da polícia: para
45,5% essas ações não são guiadas pelo respeito aos direitos humanos.
Por fim, 48,4% dos entrevistados não consideram que os direitos humanos
representem um empecilho ou prejuízo para o trabalho da polícia. Observa‐se
ainda que a tendência a atribuir conotações negativas à expressão
“direitos humanos” cresce à medida que aumenta a idade do entrevistado.
Meios para obtenção de provas pela polícia: Para a maioria dos entrevistados, a polícia deve “interrogar sem violência”. Contudo,
aproximadamente 1/3 concorda que a polícia, para obter informações
relacionadas a alguns delitos específicos, submeta suspeitos a meios
extralegais como: “ameaçar com palavras”, ”bater”, “dar choques ou
queimar com ponta de cigarro”, “ameaçar membros da família”, e “deixar
sem água ou comida”. O uso de algum tipo de violência é mais aceito para
os suspeitos de delitos como estupro (43,2%), tráfico de drogas
(38,8%), sequestro (36,2%), uso de drogas (32,3%) e roubos (32,1%).
Estes suspeitos poderiam, segundo alguns entrevistados, receber um pior
tratamento durante a investigação policial.
Relações com os vizinhos:
As relações de vizinhança, em todos os grupos etários, ficam restritas a
situações eventuais e são mais raras ainda quando dizem respeito à
discussão sobre problemas que afetam o bairro. Contudo, a maior parte
dos entrevistados acredita que os vizinhos tenderiam a se unir para
evitar contratempos que possam prejudicar a vida no bairro como, por
exemplo, o fechamento de um hospital, escola ou creche.
Exposição à violência: Em 2010, como em 1999, os mais expostos à violência são as pessoas mais jovens‐ com menos de 39 anos (com forte concentração no grupo entre 16 e 29 anos), do sexo masculino, e escolaridade média para alta. Os
dados mostram ainda que ter sofrido punição corporal frequente na
infância, parece estar associada a maior exposição à violência grave. O
contato com a punição corporal na infância também parece aumentar o
risco de jovens terem maior contato com a violência indireta através de
seus pares, quer pela vitimização, quer pela agressão.
Vítima de violência aprova uso da violência:
Quanto maior a exposição à violência grave, maior é a aprovação do uso
da violência, tanto na resolução de conflitos interpessoais quanto em
situações onde a justiça ou a polícia são percebidas como falhas. A avaliação da polícia é pior entre aqueles mais expostos à violência grave,
no que se refere a: qualidade do trabalho e expectativa de desempenho
da polícia em relação ao futuro próximo; eficácia em manter as ruas
seguras; prontidão no atendimento aos chamados ou; educação (cortês) no
trato com a população. A despeito desta pior avaliação, aqueles mais
expostos à violência grave são também os que mais apoiam o uso de
tortura pela polícia para obter informações em casos de delitos de maior
gravidade.
Impactos da exposição à violência:
A exposição continuada à violência parece ter impacto sobre vários
aspectos da vida cotidiana, afetando atitudes, valores e comportamentos.
Esta pesquisa revela ainda que estes efeitos não podem ser estudados
apenas no curto prazo: não basta olhar a violência da perspectiva de
alguns meses ou um ano, mas é necessário focalizar o contato com a
violência desde cedo, incluindo‐se as formas de disciplina e punição utilizadas na família.
Fonte:
Sumário executivo editado da Pesquisa Nacional por Amostragem
Domiciliar sobre Atitudes, Normas Culturais e Valores em Relação à
Violação de Direitos Humanos e Violência – Um Estudo em 11 Capitais de
Estado, do NEV/USP.
http://www.dzai.com.br/robsonsavio/blog/conversandodireito
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