domingo, 15 de julho de 2012

Falta de estrutura dificulta combate ao crime em municípios com 100 mil a 250 mil habitantes

CIDADE MÉDIA, DESAFIO GRANDE » Falta de estrutura dificulta combate ao crime em municípios com 100 mil a 250 mil habitantes. Cidades grandes só nos problemas

Mateus Parreiras
Valquiria Lopes -Estado de Minas
Publicação: 15/07/2012 07:01 Atualização: 15/07/2012 07:09


Operação em Passos, no Sul do estado: tráfico é apontado como responsável por aumento de 
crimes em 2011 (beto magalhães/em/d.a press)
Operação em Passos, no Sul do estado: tráfico é apontado como responsável por aumento de crimes em 2011

Passos e Pouso Alegre - Quando a tarde chega nos arredores da praça da Unidade Básica de Saúde (UBS) Fortunato Borsari, em Passos, no Sul de Minas, quem precisa de atendimento aperta o passo. Mães de mãos dadas com crianças e idosos desconfiados aceleram para entrar no casarão da UBS, que mais se parece uma prisão por causa das grades nas janelas e portas. A praça, antes bem cuidada e com duas quadras esportivas, tornou-se um lugar perigoso. Traficantes negociam livremente com usuários de crack e, muitas vezes, agridem viciados que devem dinheiro. Perto dali, um estudante de 16 anos que já matou, roubou e jurou de morte o diretor, professores e colegas, exibe um revólver na cintura. Por causa das ameaças dele, as aulas na Escola Estadual São José chegaram a ser suspensas por três dias.
O clima de medo em Passos ilustra uma realidade comum à maior parte das cidades médias mineiras. A estrutura de segurança nesses municípios não tem sido capaz de frear a violência, que se assemelha à de grandes centros urbanos, com a ação de traficantes, parte deles sob influência de uma organização criminosa paulista. O problema se traduz em números: no ano passado, 15 das 21 cidades mineiras com população entre 100 mil e 250 mil habitantes listadas nas estatísticas da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) registraram aumento no número de crimes violentos em relação a 2010. Nos municípios onde houve mais crimes, há menos companhias da Polícia Militar (1,9, em média); onde a violência caiu, a média de companhias é maior (2,5).
Em Passos, que tem 107 mil habitantes, o número de homicídios na cidade mais que dobrou em comparação com 2010. Este ano, apesar da queda de 15% no primeiro semestre, o número continua alto. Já foram registrados 18 assassinatos. A falta de policiamento é um dos problemas: há apenas quatro policiais civis na delegacia de homicídios e a PM admite que, com os homens de que dispõe, faz apenas o que é prioritário. A 250 quilômetros dali, em Pouso Alegre, a situação não é muito diferente. O tráfico, segundo a Polícia Civil, é coordenado diretamente por uma organização criminosa paulista que se infiltra em Minas. A Polícia Civil na cidade informou que carece de mais 10 delegados.
Unidades Outro indicativo de falta de estrutura é a quantidade de municípios com unidades de ação especializada contra quadrilhas mais organizadas. Segundo a Seds, apenas cinco das 21 cidades médias listadas em estatísticas de segurança dispõem de unidades táticas móveis e rondas táticas metropolitanas. “A Polícia Civil precisa contratar e a PM deve colocar mais policiais na ativa”, cobra o pesquisador da Fundação João Pinheiro Marcus Vinícius Cruz. Ele critica a burocracia administrativa, que em muitos casos impede que mais homens atuem nas ruas. “As polícias estão sobrecarregadas, mas muito porque não conseguem dividir os serviços com os vários agentes da sociedade”, analisa.
Polícia segue rastro do crime organizado no interior de Minas Em Pouso Alegre, no Sul de Minas, delegado admite que influência maior de facção de São Paulo obriga polícia a adotar ações especializadas e complexas contra quadrilhas

Policiais vistoriam casa usada por traficantes em Pouso Alegre: Polícia Civil  cobra mais delegados ( Beto Magalhães/EM/D.A PRESS)
Policiais vistoriam casa usada por traficantes em Pouso Alegre: Polícia Civil cobra mais delegados
Passos e Pouso Alegre – Na pele dos criminosos presos, em forma de tatuagens, ou nos muros das comunidades dominadas pelo crime, por meio de pichações, as marcas que identificam componentes de facções do crime organizado aparecem com frequência cada vez maior em cidades médias mineiras, de 100 mil a 250 mil habitantes. Antes tidas como pacíficas, essas cidades experimentam há alguns anos as ações das facções no tráfico e em crimes violentos como roubos a mão armada. Desde 2008, as autoridades de Passos, no Sul do estado, acompanham a ação de criminosos de um sindicato do crime paulista que vem ampliando o controle sobre o tráfico de drogas e promovendo ataques a rivais. Em Pouso Alegre, o aumento de 9% dos crimes violentos em 2011 motivou uma operação complexa para desarticular um braço da mesma facção, que seria responsável por movimentar 100 quilos de drogas por mês.

Em abril, a ação desencadeada pela Polícia Civil deteve 33 pessoas dessa organização, sendo seis deles paulistas e dois de Belo Horizonte. Na ação, policiais civis de Pouso Alegre disfarçados de mendigos foram à favela João XXIII, no Butantã, Zona Oeste de São Paulo, onde encontraram “Fabão”, o suposto líder da facção paulista na cidade do Sul de Minas. Ele foi o primeiro a ser detido e trazido de volta a Minas. “A entrada dessa facção já é sentida em grandes cidades do estado e principalmente aqui. Isso se deve à nossa proximidade com o estado de São Paulo e ao crescimento econômico intenso da região”, afirma o delegado regional de Pouso Alegre, Flávio Tadeu Destro.
De acordo com o policial, as ações de inteligência têm sido bem-sucedidas e outra quadrilha, a segunda mais importante com ligação com o crime organizado do estado vizinho, já está sendo monitorada. “O trabalho contra essa organização tem de ser muito meticuloso. Não são bandidos comuns. Têm uma divisão mais metódica de tarefas e obrigações, o que torna difícil que sejam pegos sem um trabalho especializado”, detalha o delegado.
Um dos pontos controlados por essa facção fica no Bairro São Geraldo. Casas abandonadas foram invadidas e servem de pontos para venda e consumo de drogas. Bandidos da facção usam os pontos para esconder armas e coordenar ações em outras áreas da cidade, como roubos a mão armada contra estabelecimentos comerciais e motoristas. “Os criminosos dessa facção são mais organizados e também conquistaram uma certa ‘moral’ entre os bandidos. Expulsaram pequenos traficantes locais e vão ocupando espaços”, alerta o delegado Flávio Destro, que considera que a violência na cidade, de cerca de 150 ocorrências de crimes violentos por mês, esteja dentro de uma média “aceitável”, mas admite que precisaria de pelo menos mais 10 delegados.

Avisos Em Passos, na praça da Unidade Básica de Saúde (UBS) Fortunato Borsari, no Bairro Califórnia, avisos pichados por criminosos nos muros soam como demonstração de poder e desafio às autoridades. Numa das paredes do antigo vestiário, os traficantes deixaram recado com tinta preta: “É a criança defendendo a boca que ele vende droga pra quadrilha rival não invadir. Bobeou, tomou nos peitos”, diz parte da inscrição. A liberdade com que traficantes agem assusta a população. A., de 25 anos, funcionária da unidade de saúde, diz que vive com medo. “É um horror isso daqui. Não adianta pôr grade que eles invadem e roubam qualquer coisa. Até estetoscópio do médico. Os viciados andam até no telhado da UBS para roubar”, conta.
O delegado de Pouso Alegre, Flávio Destro, diz que facção criminosa paulista toma lugar de traficantes locais ( Beto Magalhães/EM/D.A PRESS)
O delegado de Pouso Alegre, Flávio Destro, diz que facção criminosa paulista toma lugar de traficantes locais
Em Sete Lagoas, na Região Central do Estado, onde os homicídios cresceram 53,8% entre 2011 e 2010 (de 39 saltaram para 60) e os crimes violentos passaram de 600 para 790 no mesmo período (alta de 31%), a PM admite conviver com desafios diários. “A competência da segurança é ampla e temos problemas de infraestrutura na saúde, educação e desenvolvimento social, por exemplo, que não estão sendo combatidos e acabam influenciando o trabalho da polícia”, diz o comandante do 25º Batalhão de Sete Lagoas, tenente-coronel Sílvio Carvalho.
Segundo o comandante, outro problema é o aumento do tráfico de drogas e a reincidência. “Cada vez mais os jovens estão envolvidos com a venda de entorpecentes. E por conta da legislação que temos, muitas vezes o policial aborda um cidadão que já tem inúmeras passagens policiais, mas continua solto”, afirma. “Também faltam práticas de ressocialização para evitar que essas pessoas se envolvam novamente com o crime”, acrescentou. Sete Lagoas conta com 500 policiais para atender 12 municípios. Do total, 400 atuam na cidade, de 220 mil habitantes. Cerca de 15% do efetivo do batalhão  está em funções administrativas. “A polícia está trabalhando e as instituições funcionam, mas não somos uma cidade tranquila”, reconhece o comandante.
Efetivo policial é a maior do governo para combater criminalidade no interior

Os problemas de estrutura de segurança em cidades de médio porte são reconhecidos pelo secretário de Estado de Defesa Social, Rômulo de Carvalho Ferraz, que afirma ser esta uma das principais preocupações do governo. Segundo ele, ações estão sendo adotadas no quadro de pessoal, no incremento de companhias especializadas e em medidas estratégicas para melhorar o policiamento ostensivo.
O secretário informou que, a partir de novembro, 300 escrivães que estão em treinamento assumem suas funções na Polícia Civil, o que também deve ocorrer com 290 delegados a partir de janeiro. “Eles vão assumir várias delegacias, onde o nosso problema de efetivo é mais agudo”, diz. Ainda este ano, cerca de 2 mil vagas para policiais militares serão abertas por meio de concurso público. Apesar de contar com quadro de aproximadamente 40 mil homens, número bem maior do que o de policiais civis, que somam cerca de 8 mil, o secretário afirma que o governo está tentando ajustar o efetivo das duas corporações e que os militares acabam precisando de mais pessoal por fazerem o policiamento de ponta, na rua.
Sobre cidades de médio porte, ele afirma que o governo está desenvolvendo um plano para reduzir as estatísticas. “Estamos traçando estratégias”, afirmou Ferraz.
O secretário reconhece ainda que o investimento em companhias especializadas é fundamental para inibir a ação criminosa. “O ideal é que essas estruturas sejam disseminadas pelo estado. É um trabalho da secretaria atender essas demandas, bem como expandir o policiamento comunitário em áreas de risco”, disse. Ferraz promete mudanças que vão melhorar o policiamento a partir do segundo semestre. “Estamos viabilizando formas para gerar um efetivo maior da PM e da Civil nos horários de maior prática de crimes na Grande BH e nas cidades que apresentam crescimento maior de crimes violentos”, afirmou.
ESFORÇO DE INVESTIGAÇÃO
Depois de enfrentar um crescimento alto dos índices de criminalidade, como o aumento de 164,2% no número de homicídios (de 14 para 37) entre 2010 e o ano passado, as polícias, a prefeitura de Passos, o estado, a Justiça e o Ministério Público se uniram para tentar reduzir os índices. Várias ações entraram em prática e chegaram a reduzir os assassinatos na cidade em 15% neste primeiro semestre, caindo de 24 para 18 em comparação com o mesmo período do ano passado.
Um dos principais problemas, mesmo com a resolução dos casos, é a falta de centros de internação para menores de 18 anos na região. A  previsão é começar em breve construção de um centro de cumprimento de medidas sócio-educativas para menores na região.

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