Tortura, assédio moral, corrupção: é o que mostra a maior pesquisa já feita nas polícias do país
BLOG NO QAP - Por Nelito Fernandes, da Revista Época
A vida de policial no Brasil não é
fácil. E raramente dá motivos para se orgulhar. Os salários são baixos,
o treinamento é falho, as armas e os equipamentos são insuficientes
para enfrentar o crime. Isso, todos sabem.
Mas, até agora, pouca gente havia
se preocupado em saber o seguinte: O que pensam os profissionais de
segurança pública no Brasil. Esse é o nome de uma pesquisa inédita feita
com 64 mil policiais em todo o país pelo Ministério da Justiça em
parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
Com 115 páginas, o estudo, cuja íntegra foi obtida em primeira mão por
ÉPOCA, mostra, em números, não só quanto o policial brasileiro é
despreparado, mas também como ele é humilhado por seus superiores,
torturado nas corporações e discriminado na sociedade. O levantamento
revela quem são e o que pensam os policiais – e quais suas sugestões
para melhorar a segurança no país. Se o diagnóstico feito pelos próprios
agentes é confiável, a situação que eles vivem é desalentadora: um em
cada três policiais afirma que não entraria para a polícia caso pudesse
voltar no tempo. Para muitos deles, a vida de policial traz mais
lembranças ruins do que histórias de glória e heroísmo. O PM aposentado
Wanderley Ribeiro, de 60 anos, hoje presidente da Associação de Cabos e
Soldados da Polícia Militar do Rio de Janeiro, faz parte de um dado
sombrio das estatísticas que a pesquisa revela. Como ele, 20% dos
agentes de segurança afirmam ter sido torturados durante o treinamento.
Trata-se de um índice altíssimo – um em cada cinco. Segundo Ribeiro, em
seu curso de formação ele foi levado a uma sala escura com outros
recrutas. Os oficiais jogaram bombas de gás lacrimogêneo e trancaram a
porta. Do lado de dentro, os recrutas gritavam desesperados implorando
para sair. Muitos desmaiaram. “Quando eles abriram a porta, nós já
saímos levando socos e chutes e sendo xingados”, afirma Ribeiro. “Tive
de fazer tratamento médico porque fiquei com problemas respiratórios.” E
qual é a razão desse tipo de Especialistas acreditam que a polícia
unificada ajudaria a melhorar o índice de resolução dos crimes no país.
Enquanto no Brasil apenas 5% dos homicídios são esclarecidos, em países
desenvolvidos esse número chega a 60%. Polícias integradas evitariam,
ainda, a tensão permanente entre as forças e conflitos como os que
aconteceram em 2008 em São Paulo, quando civis e militares se
enfrentaram, armados, durante a greve.
“O resultado mostra que há uma
disparidade enorme entre o que dizem os comandos, algumas associações de
policiais, os governos e o que quer a massa dos policiais. Os policiais
querem a unificação. Se ficarmos ouvindo apenas as lideranças,
estaremos manipulados por alguns grupos e lobbies que querem manter o
estado atual porque se beneficiam dele”, diz o ex-secretário nacional de
Segurança Luiz Eduardo Soares, coautor do estudo e também de livros
como Elite da tropa e Espírito Santo. A maior resistência à unificação
vem dos oficiais da PM. Apenas 15,8% deles defendem o novo modelo de
polícia. “Não só temos duas polícias, como também temos duas polícias
dentro de cada polícia. A situação dos praças e dos agentes de polícia
civil é muito diferente da dos delegados e dos oficiais”, diz Luiz
Eduardo. Hoje, um praça da PM que quiser ser oficial precisa fazer
concurso. Ao passar, recomeça a carreira do zero. Quem chega a sargento
não vira oficial, a menos que concorra também com os civis, fazendo
provas. Na Polícia Civil acontece o mesmo. Um detetive que queira ser
delegado, hoje, tem de fazer um concurso e concorrer com qualquer
advogado que não seja policial. “Esse advogado recém-formado chega às
delegacias mandando em agentes que têm 30 anos de polícia e é boicotado.
Temos milhares de detetives que são formados em Direito, mas não viram
delegados”, diz Soares. A baixa produtividade da polícia vem, ainda, da
falta de treinamento. Pouco mais de 3% dos agentes de segurança tiveram
mais de um ano de aprendizagem em cursos. A formação dos policiais tem
muito mais ênfase no confronto do que na investigação: 92% deles têm
aulas de condicionamento físico, 85,6% aprendem a atirar e apenas 33%
fazem técnicas de investigação, enquanto só 39% estudam mediação de
conflito. Não se sabe o que é mais espantoso: que 15% de nossos
policiais estejam nas ruas armados sem ter feito curso de tiro ou se
apenas um em cada três deles saiba investigar.
“A formação é completamente
deformada. Sabemos que 95% dos casos que precisam de PM não são de
confrontos, mas a polícia continua a ser tratada como se fosse um
Exército que precisa estar preparado para a pronta resposta”, diz
Soares. Rolim chama a atenção para outro detalhe que mostra a
preocupação dos administradores com os músculos, em vez da inteligência.
“Na Suécia, um dos critérios para ser policial é ter feito algum
trabalho de liderança comunitária. Aqui, ainda usamos pré-requisitos
como altura mínima. Na base disso está a ideia de que o policial tem de
ser alto e forte.” O levantamento realizado por Soares, Rolim e pela
socióloga Silvia Ramos foi feito com cerca de 10% de todos os agentes
policiais do país, incluindo guardas municipais e agentes
penitenciários. A pesquisa teve o apoio do Ministério da Justiça e da
ONU. Segundo Soares, foram respeitadas as proporções de agentes em cada
função e nos Estados, para ter um retrato mais fiel da situação da
polícia. Uma situação que Ribeiro define muito bem: “A polícia hoje está
doente e coloca a sociedade em risco. Esse modelo já demonstrou que não
dá ao cidadão a resposta adequada, e a prova disso está nas ruas todos
os dias. É preciso fazer alguma coisa já”.
WWW.ROLIM.COM.BR
Nenhum comentário:
Postar um comentário