segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Blogueiros são o principal alvo dos chamados 'haters' da internet. Mal-humorados da rede destilam veneno na web.

Ilustração: Google Images

Shirley Pacelli - Estado de Minas




Bastou um post criticando a expansão da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) para Janaúba e Unaí, justamente cidades que não pertencem ao vale, para o Blog do Jequi (blogdojequi.blogspot.com) receber uma enxurrada de comentários ofensivos, como: “Vale da pobreza”; “Não tem nem escola, como vai ter universidade?”. Os haters, famosos odiadores da internet, disseminaram seu veneno com ataques. “É uma ira que eu não entendo”, desabafa o blogueiro responsável pela página, Bernardo Vieira Silva, oficial judiciário do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), de 26 anos.
Criado em junho de 2011, o Blog do Jequi tem média de 2,5 mil acessos diários. No espaço são publicadas, diariamente, notícias da região. “Cerca de 90% do filtro de spam são ofensas anônimas”, detalha Silva. Como a função de comentar é restrita, com pré-aprovação, ele prefere não publicar as ofensas. Bernardo Silva conta que certa vez chegou a imprimir a tela e mostrou a um promotor pensando em processar o autor por calúnia. “Mas teria que buscar o endereço IP, e é difícil, porque normalmente eles postam de lan houses. Senti que não ia dar em nada e não prossegui”, ressalva Silva.
Camila Gomes é vítima de ofensas por denunciar em seu blog maus atendimentos (Divulgação)Camila Gomes é vítima de ofensas por denunciar em seu blog maus atendimentos
Se os atletas durante as Olimpíadas de Londres e até a popstar Madonna viraram alvo de desacatos na web, os blogs de moda também não escapam da ironia dos haters de plantão. No Sim, senhorita (srtasenhorita.com), a artista plástica Camila Gomes, de 29 anos, diz atrair o ódio da massa com a coluna “Cliente oculto”. Nela, a blogueira visita uma loja anonimamente e avalia o atendimento. O nome do estabelecimento é divulgado, mas os funcionários nunca são identificados. Mesmo assim, o conteúdo é o campeão de ofensas.

 No caso mais grave, ela percebeu que, apesar dos codinomes diferentes, a mesma pessoa persistia em postar desacatos. “Encaminhei as postagens para a loja e falei que poderia ser um funcionário e que estava incomodando. Eles deram um retorno e os comentários pararam”, relembra. Camila explica que desistiu de responder aos xingamentos, porque acabaria alimentando a discussão. Mesmo quando recebe observações do tipo “Você está ridícula com essa roupa”, ela publica os textos, porque “a pessoa gastou tempo naquilo”, explica.

Em outra ocasião, a blogueira descobriu que uma pessoa utilizava o horário do trabalho para encher sua caixa com mensagens negativas. “Há um recurso no Wordpress que determina o IP do usuário”, detalha. Depois de revelada, o hater desistiu de trollar (ridicularizar) o blog. “Se você não gosta, é só fechar o navegador. Mas os haters não conseguem deixar de acessar o conteúdo que dizem odiar. Hoje lido melhor com isso. Sei que eles estão contribuindo com os meus números (postagens)”, ironiza.

Pimenta pode ser refresco
“Detonadora master de blogueiras no Brasil”. Foi com essa indicação que descobri a Titia Shame, do blog Shame on you, blogueira (blogueirashame.blogspot.com), que chega a ter cerca de 150 mil visualizações por dia e média de 70 comentários por post. Defendendo-se com o lema “Quem não pode atacar o argumento ataca o argumentador”, ela denuncia falcatruas publicitárias dos blogs de moda, aponta erros grosseiros de português, além de ridicularizar alguns looks postados. Tudo isso gerou a receita perfeita para alimentar o ódio de uma legião de mulheres, afinal, páginas pessoais sobre moda viraram febre na blogosfera.

Até o mês passado, eram muitas as especulações sobre quem seria a Titia Shame, que permanecia anônima. Um pequeno deslize de sincronização de contas do Twitter e do Instagram acabou associando a personagem à farmacêutica Priscilla Rezende, de 37, de Carmo do Paraíba, interior de Minas. No dia da revelação, a hashtag #Shame chegou a ficar no trending topic do microblog. Priscilla foi alvo de uma enxurrada de ironias.

O blog foi criado em setembro do ano passado. Priscilla não se considera uma hater, porque diz não odiar ninguém. “Percebia que as blogueiras mentiam para as leitoras e achava desonesto e injusto”, explica. A maioria do conteúdo de denúncias são colaborações dos internautas. Quando o assunto é mais sério, ela investiga a veracidade antes de publicar. “Tenho minhas fontes secretas”, afirma.

Shame diz não se incomodar com o ódio alheio, mas procura não ler o que escrevem sobre ela para não se aborrecer. “Eu acho que deviam gastar essa energia para melhorar o trabalho delas em vez de se preocuparem comigo. Quem faz um bom trabalho não aparece no meu blog”, provoca. Normalmente, ela recebe muitas críticas e ofensas em sua página, por isso todos os comentários passam por moderação. Priscilla brinca que as blogueiras têm muitas “talifãs” (mistura de talibã com fã) que a xingam de variados nomes ao ver as postagens. Ameaça de processo ela recebe sempre, mas, segundo ela, todas sem embasamento jurídico. 
 (Reprodução www.oesquema.com.br)
Cultura do ódio
Segundo Marco Antônio Alvarenga, de 36 anos, professor de psicologia e doutor em Psicologia do Desenvolvimento Humano (tema diferenças individuais do bullying), os haters são pessoas geralmente mais fechadas à diferentes experiências, ideias ou valores, portanto, apresentam pouca abertura em sua personalidade. Mas ele ressalva que não é só isso.
A combinação se torna problemática, pois eles são também pouco cordiais, amáveis e receptivos a outras pessoas. “São emocionalmente cegos a experiências diferentes daquilo que acreditam. Esse mesmo tipo de pensamento ou cognição está presente nos neonazista, nos intolerantes religiosos e em autoridades políticas”, afirma.
A ilusão de anomimato da rede serve para agredir sem sofrer as consequências. Mas Alvarenga acredita que os haters usam a rede mais como um sistema de manipulação para propagar suas ideias do que necessariamente direcioná-las a alguém, o que é ainda mais perigoso. “Uma vez tendo o aval de muitas pessoas, fica mais fácil as ideias de ódio serem aceitas e incorporadas pelas outras pessoas”, justifica.

O professor explica que há, em certo sentido, a relação dos haters com a dissonância cognitiva (conflito entre as próprias ideias). Segundo o professor, essas pessoas pregam que alguns tipos de condutas são incompatíveis com a humanidade, mas a forma como eles se comportam é incompatível com a coexistência pacífica entre as pessoas.
Os haters tem maior chance de desenvolver doenças físicas e mentais, porque seu sucesso na vida é limitado, por sempre se preocuparem mais com o seu ódio do que o mundo ao seu redor. São pessoas, que segundo Alvarenga, podem sair dessa condição desde que encontrem a origem de tanto ódio e se submetam a um tratamento multidisplinar e especialmente psicoterápico. 

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