terça-feira, 21 de agosto de 2012

O secretário de Estado de Defesa Social, Rômulo de Carvalho Ferraz, encaminhou os BOs divulgados na reportagem de domingo ao Comando Geral da PM, para que sejam apuradas as informações repassadas por policiais que alegam sofrer pressões para alterar a natureza dos crimes.

Ilustração: Blog da renata
TRIBUNA DE MINAS - As denúncias publicadas pela Tribuna a respeito da possível maquiagem dos boletins de ocorrência (BOs) da Polícia Militar repercutiram em Belo Horizonte. O secretário de Estado de Defesa Social, Rômulo de Carvalho Ferraz, encaminhou os BOs divulgados na reportagem de domingo ao Comando Geral da PM, para que sejam apuradas as informações repassadas por policiais que alegam sofrer pressões para alterar a natureza dos crimes. "No caso da conclusão de qualquer ação que denote má-fé ou intencionalidade, as providências cabíveis serão tomadas." A Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) reiterou que não existe qualquer determinação da pasta ou do comando da PM para que as classificações das ocorrências sejam alteradas. "No Estado, são registrados, em média, cinco mil Reds por dia, o que indica a possibilidade de erros, como em qualquer atividade humana e passível de interpretação. Este número de divergências de interpretação, entretanto, não pode ser algo que tenha impacto nas estatísticas de criminalidade, uma vez que esta reincidência mostraria a intencionalidade das ações."
A secretaria informou ainda que o preenchimento do Reds leva em conta a impressão do policial no momento da ocorrência, podendo ser modificado depois, durante análise ou inquérito investigativo da Polícia Civil. "Este número é o final, fechado pelo Centro Integrado de Informações do Sistema de Defesa Social (Cinds) e divulgado como oficial pelo Estado de Minas Gerais. É este número que também conta para o pagamento do prêmio de produtividade do Acordo de Resultados."
Houve repercussão ainda na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Membro da Comissão de Segurança Pública da ALMG, o deputado estadual Sargento Rodrigues (PDT) informou que, após analisar as denúncias publicadas pela Tribuna, poderá requerer uma audiência pública para cobrar explicações do comando local. "A maquiagem do boletim de ocorrência constitui um crime, tanto para quem está fazendo quanto para quem está mandando, porque trata-se de alterar documento público." O parlamentar já havia recebido vários relatos de colegas reclamando da pressão pela maquiagem de BOs em várias partes do estado, o que resultou em uma audiência pública em fevereiro. "Além de ser crime, manipular estatísticas faz com que as políticas públicas não sejam planejadas com eficiência."
Denúncias
A reportagem de domingo mostrou que casos de homicídios, tentativas de homicídios e assaltos a mão armada, que são crimes constantes no Índice de Criminalidade Violenta (ICV), foram registrados como encontros de cadáver, lesões corporais e extorsões, respectivamente. Os policiais militares que fizeram a denúncia de que há pressão dos superiores para a manipulação de BOs detalham como isso é feito: antes de encerrar ocorrências graves, por exemplo, os PMs seriam obrigados a se reportar ao oficial superior, informando qual classificação pretendem dar à natureza do crime, o que permitiria receber ordem para a manipulação. "(A orientação) parte de reuniões de comandantes de batalhões, que 'arrocham' os comandantes de companhia quanto aos índices, que 'arrocham' a sua tropa", explica um dos policiais (ver entrevista abaixo).
Em nota enviada na semana passada, a 4ª Região da PM informou que "foram redigidos memorandos para orientar a tropa sobre a necessidade de, sempre que possível, relacionar a natureza do Reds à natureza criminal determinada nos procedimentos de prisão em flagrante realizados pela Autoridade da Polícia Civil e em obediência à doutrina vigente na instituição."

Comando da Polícia Militar reage

O comando local da PM reagiu à publicação das denúncias. Segundo a 4ª RPM, a reportagem tentaria criar "um clima de insegurança que, na realidade, não existe e que é prejudicial ao bom convívio dos cidadãos da nossa cidade, fruto de uma denúncia de supostos policiais militares que não representam a grande maioria de policiais comprometidos e isentos e que tem no profissionalismo a marca de seu trabalho".
Ainda conforme o comando, "ao contrário do que foi publicado na reportagem, o prêmio de produtividade não é oferecido pelo Governo estadual apenas com base nos índices de criminalidade, mas também em relação ao cumprimento das metas referentes aos indicadores administrativos, somado aos indicadores de todos os demais órgãos do Sistema de Defesa Social do Estado, como Corpo de Bombeiros, Polícia Civil e Sistema Penitenciário."
A 4ª RPM também argumenta que "existem normas internas que regulam o assunto e que sempre são objeto de treinamento à toda tropa e nenhum tipo de orientação é dada sem que exista fundamentação legal para execução e cumprimento de ordens. Todos os fatos apontados anteriormente foram apurados e não se chegou a confirmação de alteração da natureza dos boletins de ocorrência."
Também em nota, a PM alega que os quatro exemplos de BOs supostamente maquiados, citados pela reportagem, suscitam dúvidas quanto à classificação, do ponto de vista jurídico. O comando local destaca que as estratégias institucionais para a diminuição da criminalidade passam por programas de prevenção social e situacional do crime, como Proerd, Jovens Construindo a Cidadania, Ambiente de Paz, Patrulha de Prevenção a Violência Doméstica, Patrulha de Prevenção a Homicídios, entre outros. "Soma-se às medidas de reação qualificada com operações pontuais e direcionadas, as quais resultaram no aumento de apreensão de armas, drogas e do número de prisões efetuadas. O conjunto de ações adotadas, ao contrário do que foi citado na reportagem como 'maquiagem de BOs', é o que impacta diretamente na redução do índice de criminalidade violenta."
Ao final do comunicado, a PM enviou dados estatísticos sobre a "evolução dos crimes violentos em Juiz de Fora" que apontam quedas sucessivas da criminalidade na cidade desde 2006, ano em que o município teria registrado 2.438 crimes graves. Para este ano, por projeção, a PM espera fechar este índice em 931 casos, diante dos 1.095 ocorridos em 2011.

'A ameaça existe de forma velada'

Na rotina de parte dos policiais militares de Juiz de Fora, as orientações passadas por seus superiores vão além da forma como combater a criminalidade. Segundo um PM, os praças são alertados a registrar os roubos à mão armada com a natureza correta somente "nos casos mais graves ou que gerem repercussão". Caso contrário, a recomendação é classificar o crime como extorsão, tipo que não entra nas estatísticas do Índice de Criminalidade Violenta (ICV). O policial, que não teve sua identidade revelada por motivos de segurança, relata que já presenciou comandantes ordenarem que um BO de tentativa de homicídio fosse encerrado antes de a vítima morrer.
- Tribuna: Existe ordem para que o policial que atua na rua manipule a natureza das ocorrências, de forma que o crime seja interpretado com menor gravidade?
- Policial: Não existe ordem expressa em papel para mascarar, mas sim uma ordem subentendida.
- Em que tipo de ocorrência essa prática é mais frequente?
- Nos roubos. Você vai encontrar companhia com índices de roubo baixíssimos, longe da realidade. É o que a gente discute na tropa: não adianta mascarar, porque a população está sentindo a violência aumentando. Para a vítima, não importa se foi furto, extorsão ou roubo. Ela se sentiu amedrontada do mesmo jeito. A prática também ocorre muito nos casos de homicídios tentados, que podem ser registrados como lesão corporal em muitas ocasiões. Além disso, já vi casos gritantes, como os comandantes de companhia e de setor pedirem que a ocorrência de um homicídio tentado fosse encerrada antes de a vítima morrer.
- Geralmente, de quem parte essa recomendação?
- Vem de cima. Parte de reuniões de comandantes de batalhões, que 'arrocham' os comandantes de companhia quanto aos índices, que 'arrocham' a sua tropa.
- Há alguma ameaça de retaliação aos policiais que discordam dessa prática?
- A ameaça existe de forma velada. A gente ouve que tem muita gente querendo trabalhar em Juiz de Fora, que você pode ser transferido se não estiver satisfeito... Recentemente, o meu batalhão publicou um memorando que determina que toda ocorrência de crime violento não pode ser encerrada antes de ser comunicada ao CPU (Coordenação de Policiamento da Unidade) ou ao oficial de serviço na hora. Se você encerrar sem comunicar, você é punido disciplinarmente, o que pode prejudicar sua promoção.
Leia na íntegra nota enviada pela 4ª RPM
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