domingo, 9 de setembro de 2012

Brasil ainda é campeão na inflação Com o custo de vida subindo perto de 6% ao ano mesmo com a economia estagnada, país não consegue se livrar de uma praga que prejudica, sobretudo, os mais pobres

Victor Martins - Correio Braziliense
Paulo Henrique Lobato - Encontro
Publicação: 09/09/2012 07:11 Atualização: 09/09/2012 07:29
Ilustração: Google Images 
Assombrado pelo passado de instabilidade econômica, baixos níveis de poupança e de investimento, o Brasil amarga ainda hoje uma das inflações mais pesadas do mundo. E pior: ao mesmo tempo em que os preços persistem em elevação, o país cresce a taxas minguadas. Nem mesmo o advento do Plano Real, responsável por transformações sociais poderosas, tem sido capaz de parar determinados preços – alguns chegaram a ser reajustados em aproximadamente 1.000% nesses 18 anos de estabilidade econômica, algo impensável em nações civilizadas. Técnicos do governo apontam a indexação da economia, o crescimento da carga tributária e o apertado mercado de trabalho como os principais culpados pelo Brasil ainda ser o país da carestia.
Para quem olha de fora, parece um absurdo o brasileiro ter visto o preço da carne de boi e de frango subir 340,83% em 18 anos. Nesse mesmo período, os pescados dispararam 520,53%; os serviços, 534,94%, a conta de telefone, de TV a cabo e internet, 724,47%; os combustíveis domésticos, 835,98%. Na média do país, o custo de vida aumentou 309,7% no período, ou seja, mais que triplicou. Nesse mesmo espaço de tempo, os preços no Japão caíram 1%; nos Estados Unidos subiram 64%; na Alemanha, que viveu a pior inflação da história da humanidade, aumentaram 35%.
Na avaliação de integrantes da equipe econômica, não há descontrole inflacionário. O Brasil, segundo eles, reúne condições diferentes das observadas no período pré-Plano Real. Parte desses ajustes estratoféricos, admite um deles, é culpa da crescente carga tributária. Nas contas de energia ou do segmento de comunicação, por exemplo, os encargos podem chegar a 30% do valor total das faturas, dependendo da região do país. O mesmo técnico pondera que alguns desses itens estavam com preços defasados quando o real passou a vigorar e foram corrigidos ao longo do tempo. Outros, na transição de moeda e também na privatização de empresas públicas, tiveram os reajustes atrelados à variação do dólar ou aos Índices Gerais de Preços (IGPs).
Os técnicos do governo associam ainda a carestia à memória inflacionária do consumidor, sobretudo daquele que viveu os piores anos de instabilidade econômica. O ressentimento do brasileiro com o descontrole dos preços, avaliam especialistas, parece pior do que o do alemão, que, no período pós-guerra, enfrentou a maior inflação da história. Com esse medo e vigília permanente, o Brasil não conseguiu se livrar de mecanismos inventados para conviver com a hiperinflação e deixou parte da economia indexada. Todos os anos, os trabalhadores olham para o passado e pedem recomposição salarial. Em outros países, esse cálculo é feito com base no futuro. Contratos de aluguel, reajustes de condomínio, tarifas públicas seguem essa lógica e também realimentam a inflação ano após ano.
“Suponha que a inflação fechou o ano em 5,2%. Pela indexação, no ano que vem, se nenhum outro preço mudar, se pudesse congelar todos, à exceção dos contratos com correção monetária, já teríamos automaticamente 1,5% de carestia”, calcula Simão Silber, professor de economia da Universidade de São Paulo (USP). No governo, algumas iniciativas tentam minimizar esse efeito. Na última campanha salarial do funcionalismo público, por exemplo, a proposta do Palácio do Planalto foi de correções com base no futuro, um aumento salarial de 15,8% dividido pelos próximos três anos. “Isso pode criar parâmetros para a iniciativa privada. Indexação não se mata por decreto, ela morre de morte morrida”, brincou um integrante da equipe econômica.
CÂMBIO Outro fator que pesa sobre o custo de vida deste ano é o câmbio. O próprio governo admite, internamente, que o patamar de R$ 2 pode até ser confortável para a indústria exportadora, mas atrapalha a política monetária. Não à toa, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) está acima de 5% neste ano e pode chegar aos 6% em 2013.
Diante dessa dificuldade de ampliar o ritmo de produção, os ganhos dos trabalhadores, que em algumas categorias beiram os 10% nos últimos anos, têm se transformado em inflação. Se o setor produtivo não consegue compensar os aumentos de salários com maior produtividade, os reajustes salariais vão bater diretamente no bolso do consumidor. “Estamos na faixa superior das taxas de inflação. Não me lembro de nenhum país que se possa chamar de civilizado que tenha mais de 2,5% ou 3% de inflação ao ano”, pondera José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator. “E pior: ainda há países não civilizados com inflação mais baixa que a nossa”, critica.
Carlos Kawall, economista-chefe do Banco J. Safra, argumenta que, para vencer a inflação e conseguir crescer a taxas robustas, o Brasil precisa de agenda mais agressiva que amplie a competitividade do setor produtivo. “Necessitamos de reformas mais amplas na parte tributária e trabalhista”, afirma. Ele lembra que, no curto prazo, o Banco Central, que vem cortando juros há um ano – a taxa básica (Selic) está em 7,5% ao ano e pode cair a 7,25% em outubro –, precisa ficar atento aos movimentos do Federal Reserve (Fed), o BC dos Estados Unidos.
Quando o governo atende ao lobby de determinados setores, segundo especialistas, alimenta a carestia. A inclusão da batata-inglesa, por exemplo, na lista de produtos que terão imposto de importação aumentado deve elevar o custo do produto no Brasil. O tubérculo, no ano, já acumula alta de 24% e é um dos responsáveis pelo IPCA em ritmo mais forte que o ideal. O governo retruca, porém, que, se houver aumento de preço depois da nova alíquota, vai reduzi-la para compensar. “Esses benefícios pontuais não ajudam. Eles, inclusive, atrapalham o setor privado a calcular a taxa de retorno da produção e deixam em dúvida se amplia a produção ou não, porque nunca se sabe até quando vai durar”, reclama o economista Simão Silber.
Bem acima do índice
Paulo Henrique Lobato
Considerado a inflação oficial, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), em Belo Horizonte, fechou o acumulado dos últimos 12 meses encerrados em agosto em 5,66%, acima do centro da meta estipulado pelo governo federal para o país em 2012: 4,5%. Na prática, porém, algumas mercadorias e serviços encareceram bem mais do que o percentual apurado na capital mineira. Houve produtos cujos preços saltaram quase 70% no intervalo.
É o caso do botijão de gás de cinco quilos usado pelos amigos Felipe Lopes, de 20 anos, e Ricardo Mendes, de 32, para encher os coloridos balões que vendem aos fins de semana na Praça Floriano Peixoto, no Bairro Santa Efigênia. “Paguei R$ 200 por esse aqui. Desembolsava, há um ano, R$ 120 (aumento de 66,6%). Por outro lado, o preço de minha mercadoria passou de R$ 7 para R$ 10 (alta de 42,8%). Ou seja: não acompanhou o preço do gás”, comparou o mais velho.
“Garanto que boa parte do preço que a gente paga é imposto”, lamentou o vendedor mais novo enquanto observava, do outro lado da praça, o carreteiro Luiz Armaneli Filho, de 71. O ramo em que ele trabalha é um dos grandes prejudicados pela inflação. “O diesel, hoje, está custando até R$ 2,20. Há um ano, R$ 1,70. Olhe como aumentou. Já o preço do frete não subiu isso tudo. Está cada vez mais defasado e não posso repassar para os clientes. Do contrário, perco a corrida.”
Luiz, que na época do lançamento do Plano Real tinha 53 anos, recebe R$ 700 de aposentadoria. “Mas ela não dá para nada. Preciso continuar trabalhando. Os dias de hoje, sem dúvidas, são melhores do que os da época da inflação (galopante), mas os preços, nos últimos meses, também estão subindo muito”, avaliou o homem, amigo do caminhoneiro João de Souza Ferraz, de 62, que ontem reclamava também do preço das operadoras de telefone. “Minha conta veio cara: R$ 214. O preço do serviço é absurdo”, criticou o homem, que comprou seu telefone fixo logo depois da privatização do sistema, em 1998. Ele acredita que a desestatização do serviço beneficiou a população, mas cobra maior empenho do governo na redução dos tributos do setor. “O preço das ligações não para de subir.”

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