domingo, 23 de setembro de 2012

Mineiros enfrentam rotina de tensão ao passar pelas BRs 381 e 040

VIAJO PORQUE PRECISO »  Trabalhadores, estudantes e pacientes que encaram por obrigação as BRs 381 e 040 vivem entre o medo de acidentes e a impaciência por atrasos em trechos violentos das rodovias

Arnaldo Viana- Estado de Minas
Publicação: 23/09/2012 06:59 Atualização: 23/09/2012 07:34

O motorista Humberto da Silva faz duas viagens por dia na BR-381: 'O que mais vejo é abuso' (Leandro Couri/EM/DA Press)
O motorista Humberto da Silva faz duas viagens por dia na BR-381: "O que mais vejo é abuso"

Há situações de perigo nas quais até o medo precisa ser desafiado. Viajar com frequência por dois dos mais violentos trechos de rodovias federais em Minas é uma delas. Pode até parecer trocadilho, mas é o caso de quem precisa enfrentá-los por necessidade, mesmo sabendo que a fatalidade está à espreita em cada armadilha e em cada curva do caminho. Os trechos são os 311 quilômetros da BR-381 entre Belo Horizonte e Governador Valadares e os 285 quilômetros da BR-040, do Viaduto do Mutuca à divisa com o Rio. De janeiro a junho, 126 pessoas morreram nas duas estradas – 72 e 54, respectivamente – e 433 ficaram gravemente feridas (173 e 260).
Esses números, evidentemente, não estão na cabeça do vigilante Everson Luiz Procópio Santos, morador de Caeté, na Grande BH, que precisa percorrer de ônibus quase 40 quilômetros da 381, a Rodovia da Morte, a cada dois dias, para trabalhar na capital. Muito menos na mente da psicóloga Cláudia Regina Queiroga, de 34, que todas as semanas, também de ônibus, encara 96 quilômetros da 040 até Conselheiro Lafaiete, Região Central, para assumir seu posto em um centro de assistência social da prefeitura. Everson e Cláudia sabem dos riscos por experiência. Mas fazem parte do grupo numeroso de trabalhadores, empresários, estudantes e pacientes que não podem se dar ao luxo de evitar as rodovias.
Morador de Caeté, Everson Santos já perdeu dois empregos em BH por atrasos (Leandro Couri/EM/DA Press)
Morador de Caeté, Everson Santos já perdeu dois empregos em BH por atrasos

"A gente se acostuma a freadas, solavancos..."
Everson, de 27 anos, casado, dois filhos – Vitória, de 3, e Ícaro, de 9 meses –, tem motivos para odiar e temer a 381. Quando o tráfego está normal, leva cinco horas entre Caeté e o local de trabalho, na Região Centro-Sul de BH. Acorda às 6h para pegar o ônibus às 9h. A viagem dura uma hora e meia e ele gasta mais meia hora para chegar ao serviço.
Já perdeu dois empregos, por causa de engarrafamentos, e dois amigos, Heloísa e Eduardo, no acidente com uma van que matou cinco estudantes de Caeté e o motorista em 2009. Mas não é com esses pensamentos que ele embarca no executivo, às 11h45, na rodoviária, depois de uma jornada de 12 horas de trabalho, que ele cumpre a cada dois dias.
Ele está com Vitória, que buscou na casa da sogra, em BH. Paga os R$ 7,80 da passagem e senta-se depois da roleta. A menina, ainda não afetada por essa história de carnificina na Rodovia da Morte, logo adormece no colo do pai. “Já peguei este ônibus às 7h em Caeté e cheguei a BH às 14h. Perdi dois empregos em ocasiões assim. Cheguei a propor eu mesmo pagar a passagem, para continuar trabalhando.”
Everson presenciou três tragédias na estrada, mas procura não pensar nelas. Nem nos assaltos. “Já estive entre as vítimas de assalto ao ônibus duas vezes”, conta. “Infelizmente, a gente se acostuma com a violência, os solavancos, as freadas, as retenções…” Acostuma-se tanto que nem percebe o Santana descendo a BR em alta velocidade, em sentido contrário, numa ultrapassagem irregular no sopé da Serra da Piedade.
O motorista do ônibus, atento, se antecipa e poucos percebem a manobra que ele faz para evitar uma tragédia. É um dos pedaços mais perigosos da estrada, depois das curvas de Ravena (distrito de Sabará). Ao volante do ônibus está Humberto da Silva, de 46. Das 11h15 às 20h, ele faz duas viagens por dia. “Para sobreviver nessa estrada o motorista não pode ter pressa nem fazer ultrapassagem indevida. Mas, o que mais vejo nesse trajeto é abuso.”
Renato Herbert critica mau estado da pista e radares mal localizados na BR-381 (Leandro Couri/EM/DA Press)
Renato Herbert critica mau estado da pista e radares mal localizados na BR-381
"Qualquer dia desses vou tapar os buracos"
Renato Herbert, de 26 anos, casado, morador de Ipatinga, no Vale do Aço, percorre frequentemente a BR-381, entre BH e Governador Valadares, para atender a clientela de sua empresa de impermeabilização de estofados. Ao volante de um Ford Fiesta, conhece as cercas de 200 curvas e as armadilhas da rodovia. “É muito caminhão e buraco. Qualquer dia desses, vou tapar os buracos.”
Se já tinha motivos para temer a estrada, agora tem muito mais: é pai de quadrigêmeos. Os bebês, com quase dois meses, ainda estão na maternidade em BH. “Não há uma viagem em que não me depare com um acidente ou uma tragédia”, diz Renato, que já perdeu um amigo na estrada.
Como usuário frequente da Rodovia da Morte, ele opina que os radares estão mal colocados, não priorizam os trechos mais perigosos. “O governo devia duplicar e depois instalar radar.” Renato não acredita que a rodovia seja revitalizada tão cedo. “Como preciso da estrada para viver, deixo minha vida nas mãos de Deus.”
Do lado contrário, na BR-040, alguém que teme a rodovia, mas confia na habilidade ao volante. É Sônia Izle, de 66 anos. Na direção de um Ford Ka está sempre entre BH e o Rio. É distribuidora de livros. “Há caminhões demais e tenho pavor deles. Me acho maravilhosa ao volante, mas dirijo sempre a 80 quilômetros por hora. Faço essa viagem umas 10 vezes por mês e só tenho uma recomendação: andem devagar.”
A psicóloga Cláudia Regina Queiroga, de 34, também enfrenta a BR-040. Ela mora no Bairro Santa Efigênia, em BH, e percorre três vezes por semana o trecho mais crítico da rodovia, entre o trevo de Ouro Preto e Ressaquinha. Cláudia presta serviço à Prefeitura de Conselheiro Lafaiete. A cada viagem, ela perde pelo menos duas horas e meia no trajeto. “Vou tensa. Quando ocorre acidente não há como chegar a tempo. Em uma das viagens, saí de lá às 15h e cheguei a BH às 20h.” Para driblar o medo, só se distraindo. O truque é viajar com um livro nas mãos ou aproveitar o trajeto para repassar planilhas de trabalho. Anúncios Google

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