quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Inglês é uma língua de outro mundo na capital mineira

Estrangeiros terão muita dificuldade para circular em Belo Horizonte se dependerem da capacidade de taxistas, policiais e atendentes em geral de fornecer informações em inglês

Tiago de Holanda
Felipe Canêdo - Estado de Minas
Publicação: 25/10/2012 06:00 Atualização: 25/10/2012 07:10

Gerente de cafeteria na Savassi, Devanir Rodrigues admite que nenhum funcionário é bilíngue (Beto Magalhaes/EM/D.A Press)
Gerente de cafeteria na Savassi, Devanir Rodrigues admite que nenhum funcionário é bilíngue
Turistas de outros países não teriam vida fácil se quisessem passear por Belo Horizonte. Foi o que constataram, na tarde de ontem, os repórteres do Estado de Minas, que andaram na Savassi e no Centro. Antes de se identificarem, eles se passaram por estrangeiros e conversaram em inglês com taxistas, policiais militares, guardas municipais, atendentes de museu, de café e de uma loja de artesanato.
NA SAVASSI
“Good afternoon! Do you speak english?” (“Boa tarde! Você fala inglês?”), eu disse a um taxista estacionado perto da Praça da Savassi. Assustado, ele me olhou como se eu fosse um ET. Repeti a pergunta e ele começou a sorrir. Fez que não com a cabeça, balbuciou algo e apontou para o táxi de trás. No outro carro, a mesma abordagem e o mesmo espanto. Prossegui: “Do you know how can I get go the Central Market?” (“Você sabe como eu chego ao Mercado Central?”). Após mais alguns segundos de silêncio, o taxista arriscou: “Você sabe o nome da rua?”. Desistiu, pegou o rádio e pediu por um taxista bilíngue, mas não havia nenhum à disposição. E o estrangeiro de mentira continuou à deriva.
Ironicamente, o segundo taxista tem nome estrangeiro. Roosevelt Pereira, de 21 anos, admitiu que, em inglês, sabe pouco mais do que se apresentar: “My name is Roosevelt”. “Falo muito pouco. Só o básico. Fiz aula no colégio, mas esqueci tudo”, explicou. Sempre que alguém chega engrolando a língua, ele apela ao rádio, mas quase nunca há colegas para socorrê-lo. “É muito difícil achar taxista bilíngue. E os que existem, é um inglês esquisito”, constata. Ele diz que está à procura de uma escola de inglês, principalmente por causa da proximidade da Copa de 2014. “Estou preocupado, o pessoal vai ficar meio perdido”, reconhece.
Em um café a poucos metros dali a garçonete Fátima Pereira disse “no” quando perguntei se ela falava inglês. Pegou o cardápio e começou a apontar com o dedo as opções de bebida. Expliquei: “I want something to eat” (“Quero alguma coisa para comer”). Ela arrastou o dedo sobre a página, muda. Depois de me identificar como repórter, Fátima disse que quando o cliente fala língua estranha, o jeito é se virar com gestos.  O gerente do café, Devanir Rodrigues, diz que nenhum dos atendentes é bilíngue. “Eles vão fazer um curso de inglês em breve”, informou.
Uma dupla de guardas municipais passava ali perto. “Do you speak english?”, perguntei. “Aí complicou”, disse um, sorrindo. Não desanimei: “How can I go to the Central Market?”. Eles me olhavam e se encaravam sem saber o que fazer. Tentei ajudar: “That’s the place where you buy food, cheese, pets” (“É o lugar onde se compra comida, queijo, animais”). “Deve ser o shopping”, deduziu um, que disse em voz alta: “Pá-tio Sa-vas-si”. Encarei-o, confuso. Ele me deu as coordenadas e acabei no shopping. Lá, por sorte, encontrei um casal de namorados que falava inglês. “Take a bus down there” (“Pegue um ônibus ali embaixo”), orientou a musicista Gabriela Mello. E disse o número do ônibus. O estrangeiro, enfim, chegaria a seu destino — se alguém soubesse dizer em que ponto desceria. (TH)
NO CENTRO
“I wanna go to this place” (“Quero ir para este lugar”), apontei o papel em que havia escrito “Praça da Estação”. Desconfiado, o taxista Wallison Francisco Cruz, de 30 anos, me levou até lá, no Centro de BH. Na chegada, garantiu: “Não consigo falar inglês, mas não dei nenhuma volta até a praça”. Durante o percurso, Wallison esbanjou boa vontade, disse que tinha começado a estudar inglês, mas não conseguiu pronunciar uma só palavra na língua estrangeira.
Na entrada do Museu de Artes e Ofícios, abordei uma recepcionista simpática, que me disse saber falar inglês mais ou menos. “So, so”, afirmou, gesticulando com a mão direita. Entregou-me um guia em inglês das instalações e me descreveu, com mímica, que bolsas e mochilas deveriam ser deixadas em um guarda-volumes. Ato contínuo, falou pausadamente em alto e claro português, várias vezes, na esperança de que o estrangeiro compreendesse a regra. O segurança que vigiava o detetor de metal da entrada tampouco falava inglês. e, apontando para o bolso da minha calça, advertiu que telefones celulares não eram bem-vindos.
Do lado de fora do prédio de arquitetura rebuscada, dois policiais militares que conversavam ao lado de uma van da corporação se esforçaram para me explicar o caminho até o Palácio das Artes. “Esqueci como fala ‘segue direto’”, disse um deles. “Acho que é ‘turn right’ (vire à direita)”, emendou. Constrangido, o outro tentou ajudar: “Fala que é para seguir as grades do Parque Municipal e virar à direita”. O primeiro lançou: “Across the central park. Then turn right” (“Através do parque central. Então, vire à direita”).
No Palácio das Artes, os atendentes da loja de artesanato não eram bilíngues e confessaram que costumam se virar com gestos quando se deparam com estrangeiros. No balcão de venda de ingressos do Palácio das Artes, perguntei: “Do you speak english? (“Você fala inglês?”)”. A resposta foi sucinta: “Não”. A funcionária olhou para o lado em busca de ajuda, mas o semblante de outra moça era pouco alentador. Pedi um guia do Palácio das Artes em inglês, mas me disseram que não havia e que as “duas funcionárias que falam inglês fluentemente” tinham viajado. Na volta para a redação, outro taxista afirmou: “Até 2014, dá tempo de os gringos aprenderem português”. (FC)

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