Eles cobram caro para, usando apenas as mãos, levar gente desconhecida ao orgasmo
Há dez anos, o capixaba Alexsandro Barcellos Silva era um jovem
psicólogo com um sogro esquisitão. Deva Nishok, pai de sua então
namorada, adotara o tantra, uma filosofia oriental que usa experiências
sensoriais – como massagens – para atingir a libertação física e
espiritual. Por massagem, entenda-se a estimulação de todas as partes do
corpo, inclusive zonas erógenas e órgãos sexuais. Mesmo “assustado”,
Silva participou de algumas sessões promovidas pelo ex-sogro. “Meses
depois, percebi que a experiência tinha mexido comigo”, diz ele. Silva
deixou seu consultório particular de psicologia e resolveu estudar a
filosofia tântrica.
Hoje, aos 33 anos, Silva atende pelo nome de Pashupati. Num sobrado da Vila Mariana, em São Paulo,
faz mulheres gemer, chorar e rir quando chegam ao orgasmo durante as
sessões de massagem tântrica. Ele diz que sua família e seus colegas de
Vitória, no Espírito Santo,
onde nasceu, não aceitam muito bem a reviravolta em sua vida. Os
vizinhos especulam se ele virou garoto de programa. Os pais, chocados,
perguntaram se a tal massagem era “lá” onde estavam pensando. Ele
confirmou. Sua mãe, Xanderly, uma dona de casa de 53 anos, demonstrou
preocupação: “E se o marido dessas moças descobre?”.
Dona Xanderly não tem com o que se preocupar, diz Silva. Ele, assim
como os outros 63 terapeutas do Metamorfose, o maior centro tântrico do
país, é um novo tipo de profissional do prazer. Em salas com iluminação
baixa, aroma de incensos e música relaxante, eles aplicam a massagem da
maneira mais asséptica possível, em delicadas circunstâncias. Depois de
uma breve conversa com o cliente, para entender as motivações que o
levaram até lá, convidam-no a se deitar nu num futon, vestem luvas
descartáveis besuntadas em óleo corporal e começam o trabalho. Não é
permitido que o massagista fique nu ou seja tocado durante a sessão.
Silva, como os outros terapeutas, diz seguir o protocolo rigorosamente.
Por quase uma hora, ele executa movimentos suaves com as pontas dos
dedos pelo corpo do cliente, “acordando” os músculos e o sistema
nervoso. Na meia hora seguinte, dedica-se aos genitais. A sessão pode ou
não terminar em orgasmo, mas é certo que não haverá sexo entre o
massagista e seu cliente. “Encaro meu trabalho como se fosse um
ginecologista”, afirma Silva. Mesmo assim, ele não é muito discreto ao
revelar os elogios que escuta das clientes. “Algumas me consideram uma
espécie de deus.” Silva chama algumas das sessões de massagem de
“exorcismo”, por causa dos gritos e das crises de riso ou de choro: “Só
aperto os botões certos para despertar algo que já está na pessoa”.
Os novos profissionais do prazer não são médicos. Eles ganham para
levar os clientes ao êxtase sexual. Não gostam de falar sobre isso, mas
se equilibram numa linha tênue que separa seu trabalho da prostituição. O
site do Metamorfose destaca que o centro não oferece nenhum tipo de
relação sexual, mas mesmo ali se destaca a boa aparência dos
funcionários, sejam moças ou rapazes. Na página em que o cliente escolhe
por quem quer ser atendido, muitas terapeutas chamam a atenção pela
beleza e fotogenia. Nesse ramo, também não se fala em números. Os
terapeutas dizem fazer no mínimo 30 atendimentos por mês. Como cada
sessão custa cerca de R$ 300, chega-se a um ganho mensal de R$ 9 mil.
Mesmo considerando que se paguem 50% de comissão à empresa, o massagista
fica com um salário de R$ 4.500, por poucas horas de trabalho.
Para quem olha de fora, parece uma atividade motivada por dinheiro ou
desejo. Os massagistas dizem que é basicamente altruísmo. Querem ajudar
pessoas com problemas sexuais. As mulheres que procuram o serviço
costumam reclamar de falta de libido. Algumas foram vítimas de abuso
sexual. Outras têm vaginismo (contração involuntária dos músculos
vaginais) e anorgasmia (ausência de orgasmos). Os homens relatam
disfunções sexuais como ejaculação precoce ou impotência, causadas por
problemas emocionais. Disfunções por motivos fisiológicos, como uma
doença, não podem ser resolvidas pelo tantra. Se as causas são
emocionais, como ansiedade ou cobrança por desempenho, ele talvez possa
ajudar. “Para algumas pessoas, pode ser mais fácil encarar uma sessão de
massagem do que um psicanalista”, diz a psiquiatra Carmita Abdo,
coordenadora do Projeto Sexualidade (Prosex), da Universidade de São
Paulo (USP).
Na teoria, a massagem tântrica é capaz de proporcionar orgasmos
poderosos porque a pessoa está ao mesmo tempo relaxada e totalmente
concentrada em receber prazer. Não existe a tensão de uma relação
sexual, em que as duas partes estão preocupadas com os sentimentos e o
julgamento do outro. Ao mesmo tempo, é possível acompanhar, por meio do
trabalho do massagista, como cada parte do corpo reage ao toque. As
pessoas estão acostumadas a concentrar seu erotismo em áreas
predeterminadas e podem ter surpresas agradáveis. E instrutivas. O
administrador de empresas M., de 43 anos, procurou uma das cinco
unidades do Spaço Tantra na cidade de São Paulo para ter novas
experiências sensoriais. Ele conta que a namorada logo notou as
mudanças, mesmo sem saber de seus encontros semanais com a terapeuta
Dhara Prem, de 38 anos.“Hoje, capricho nas preliminares, a ereção dura
mais e não preciso ejacular para ter prazer”, diz ele. Dhara, que não
informa seu nome verdadeiro, afirma que essa é a maior recompensa de seu
trabalho. “Meu prazer é perceber que a pessoa se entregou e deixou os
problemas lá fora”, diz ela. Seus clientes são advogados, engenheiros ou
executivos estressados. Eles precisam relaxar e têm como pagar pelo
serviço.
Às vezes, a terapia indiana funciona como forma de salvação pessoal
para o massagista. A terapeuta paulistana Samvara conta que foi abusada
até os 12 anos pelo pai alcoólatra, violência que resultou numa grave
depressão. Até os 25 anos, seus namoros eram só “beijo, abraço e aperto
de mão”. Sem sexo, ela demorou a ter relacionamentos sérios e não formou
a própria família. O primeiro orgasmo foi aos 40 anos, numa sessão
tântrica. Ao notar a transformação em sua própria vida, decidiu
abandonar a carreira de advogada trabalhista e dedicar-se ao tantra.
Hoje, com 50 anos, diz que é “emocionante poder retribuir” o bem que
fizeram a ela.
Essa disposição generosa parece um sentimento comum a todos os
envolvidos na nova indústria do prazer. “Minha satisfação pessoal é ver a
evolução dos clientes”, afirma Ivy Fasanella, a Yamini, ex-dentista que
atende no centro Metamorfose. “Adoro saber que o sexo
deles em casa melhorou. Quando isso acontece, a vida toda muda para
melhor.” Ivy é loira de olhos azuis, tem 38 anos e um sorriso largo e
bonito. Alguns dos homens atendidos por ela preferem não revelar às
parceiras as horas passadas no futon. O professor de ioga Pedro Salgado,
namorado de Ivy, não se importa. Ele diz que ajudar no desenvolvimento
sexual das pessoas é “um objetivo nobre”. Não é incomum que Ivy receba
ligações inconvenientes de quem confunde a terapia tântrica com sexo.
Pacientemente, ela explica o engano. A confusão frequente fez com que
tivesse medo, em suas primeiras sessões, de ficar sozinha com um
desconhecido nu. Mesmo assim, ela diz que nunca passou por situação que
não pudesse contornar. “Alguns jogam verde, brincam que vão se
apaixonar”, diz. “Mostro que não existe possibilidade de algo a mais.
Postura séria e tom de voz firme inibem os mal-intencionados.”
A terapeuta Edna Pereira, batizada de Hyanna, já recebeu ofertas em
dinheiro para jantar ou transar com clientes. Nas primeiras vezes em que
isso aconteceu, ficou desolada e chorou. “Eu me senti uma prostituta”,
diz. Ela concilia o trabalho como massagista tântrica com o cargo de
fisioterapeuta na UTI cardiorrespiratória de um prestigiado hospital.
Diz que hoje tem um discurso pronto para os abusados: “Você encontra
isso que deseja em outros lugares, por um preço menor e sem restrições”.
Edna passou um bom tempo sob olhares tortos de colegas do hospital, e
um relacionamento terminou quando o rapaz soube de sua atividade. Um
dia, se ofereceu para lhe fazer uma massagem tântrica. Ele adorou a
surpresa, e ela revelou que fazia aquilo profissionalmente. A expressão
dele mudou na hora: “Você pega no pênis de desconhecidos?”. O romance
não foi para a frente, e Edna continua solteira. “É difícil para um
homem entender meu trabalho”, diz. “Na cama, eles também não acompanham
meu ritmo.” Por causa do conhecimento sobre o corpo proporcionado pelo
tantra, Edna diz prolongar o orgasmo por tanto tempo, que uma relação
sexual para ela pode durar horas.
O mercado para serviços de prazer parece estar em crescimento. Só o
Metaformose tem dez unidades espalhadas por várias cidades do país, e
seus terapeutas viajam para fazer atendimentos em lugares onde não há
filiais. Além das pessoas com problemas na cama que querem alguma
espécie de ajuda, há multidões interessadas em aumentar o próprio prazer
– e o do companheiro. “As pessoas querem sempre mais diversão, mais
intensidade, mais prazer”, afirma o sexólogo Amaury Mendes Junior. Isso
faz parte da cultura de nosso tempo, da mesma forma como a busca pelo
corpo perfeito e pelo sucesso profissional. O psiquiatra Alexandre
Saadeh, do Hospital das Clínicas da USP, diz que nunca fomos tão
exigentes em relação ao sexo. “É quase uma obrigação ter orgasmos
intensos e uma transa sempre fenomenal”, afirma.
A busca pelo prazer constante de alta qualidade pode ser apenas uma
ilusão, mas ela mobiliza gente. Assim como compramos carros e telefones
celulares, que melhoram a cada ano, gostamos de acreditar que é possível
melhorar tudo a nosso respeito: a aparência, os sentimentos e, por que
não?, a capacidade de dar e receber prazer sexual. Pagando por isso. Em
seu novo livro, Como pensar mais sobre sexo, o filósofo suíço
Alain de Botton sugere que essas expectativas talvez sejam irrealistas. O
sexo, diz ele, é misterioso e irremediavelmente complicado. As
massagens tântricas podem ser prazerosas e estimulantes. Mas é
improvável que nos abram as portas do paraíso de uma vez por todas – a
despeito da boa vontade e do talento dos novos profissionais do prazer.
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