domingo, 25 de novembro de 2012

As armadilhas do cheque pré-datado

Sem regulação pelo Banco Central, cheque com data futura exige atenção para documento não provocar dor de cabeça

Simone Caldas
Ana Carolina Dinardo -Estado de Minas
Carolina Mansur
Publicação: 25/11/2012 06:00 Atualização: 25/11/2012 07:19
Imagens meramente ilustrativas 
Pensou em pagar suas compras com cheque pré-datado? É bom ter cuidado. São muitos os riscos que envolvem essa transação, que não é regulada pelo Banco Central ou pelo Conselho Monetário Nacional, apesar de culturalmente ter se constituído no Brasil como forma de crédito direto e não só como meio de pagamento à vista, como é denominado legalmente. Ao assinar o cheque, o correntista precisa ficar atento, pois nem sempre os produtos comprados são entregues pelo vendedor ou as datas combinadas para compensações bancárias são respeitadas. Existe ainda o risco de o cheque ser passado para terceiros e percorrer um caminho na maioria das vezes desconhecido do consumidor.
Para tentar driblar as armadilhas do cheque como forma de pagamento, é preciso tomar alguns cuidados. O primeiro passo é verificar nos órgãos de defesa do consumidor a confiabilidade do estabelecimento comercial em que se pretende fechar o negócio. Feito isso, é importante ficar atento às cláusulas estabelecidas nos contratos e em todos os tipos de documentos que necessitam de assinatura do cliente. Outra dica dos especialistas é especificar no contrato e na nota fiscal os números das folhas dos cheques e as datas de apresentação acordadas. É aconselhável também que o cheque seja nominal, cruzado e que tenha escrita a data de sua compensação – o já conhecido “bom para”. No caso de uma apresentação antecipada, essas serão as provas que o consumidor terá em mãos para exigir na Justiça os seus direitos.
Mesmo seguindo parte das recomendações para o preenchimento do cheque, o funcionário público Francisco Olímpio Brochado acabou surpreendido pela prática da Aluvitec Esquadrias. Em maio do ano passado, ele pagou com um cheque à vista e dois pré-datados as janelas que seriam instaladas durante a reforma de sua casa. Porém, o serviço contratado em 2010 ainda não foi entregue. “Ele entrou com os cheques nas datas certas, mas eu atrasei a obra e ele se aproveitou disso para não entregar o serviço e não devolver o meu dinheiro. Fiquei com o prejuízo de R$ 3 mil porque ele já tinha passado o cheque para a frente”, lamenta. Ainda de acordo com Francisco, diante do problema, ele teve de pagar outra empresa para conseguir finalizar a reforma. “Paguei duas vezes pelo mesmo serviço”, diz. A empresa foi procurada pelo Estado de Minas nos telefones de contato informados na internet, mas ninguém atendeu as ligações.

Sem sustar

O alerta feito pelo coordenador do Procon Assembleia, Marcelo Barbosa, é para que diante de situações como a encarada por Francisco o consumidor não suste os cheques para evitar que o seu nome seja protestado. Isso porque, segundo ele, na maioria das vezes não é o lojista quem fica com a folha, e sim os seus fornecedores ou as factorings, que trocam os cheques cobrando juros mais baixos. “Se a pessoa susta o cheque e ele está nas mãos de um terceiro de boa-fé, certamente ele poderá protestar aquele consumidor e o seu nome ir para o Sistema de Proteção ao Crédito ou Serasa”, explica.
Ainda para casos como o de Francisco, Barbosa lembra que o Código de Defesa do Consumidor é claro. “Os clientes devem ser ressarcidos pelas empresas diante de serviços acordados que não foram realizados”, afirma. Barbosa reforça ainda que é responsabilidade da empresa arcar com todas as perdas financeiras obtidas pelo consumidor diante da compensação de um cheque antes do prazo combinado. Para o coordenador do Procon Assembleia, embora não seja regulada por lei, a flexibilização de pagamento via cheque pré-datado continua existindo e exige cuidados redobrados por parte do consumidor. “Desde que haja lealdade e confiabilidade dos dois lados, esse é um trato comercial interessante para uma compra de móveis ou uma reforma que fica mais cara, mas é preciso que o consumidor se atente ao preencher os cheques e busque referências da loja onde deseja deixá-los”, aconselha.

Direito é reconhecido

Quando o caso é a apresentação do cheque antes da data combinada, o correntista já tem direito líquido e certo na Justiça. A grande quantidade de recursos que chegavam ao órgão todos os anos fez com que os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) editassem a Súmula 370, reconhecendo o cheque pré-datado como um contrato comercial firmado entre quem o emite e quem o recebe. Cumprir a data combinada é uma obrigação e não uma promessa. Seu descumprimento configura dano moral e gera indenização que pode chegar ao dobro do valor dos cheques.
A súmula é um instrumento jurídico que pacifica o entendimento sobre determinados assuntos. Assim, todas as vezes que surgir no STJ um processo questionando a apresentação do cheque pré-datado antes do dia combinado, os ministros decidem a favor do correntista. A súmula costuma também ser respeitada pelos juízes de primeira instância. Mas é preciso que o correntista apresente prova da data combinada. Por isso, sempre anote no cheque a data em que ele poderá ser descontado, e no contrato de compra e venda os números dos cheques e as datas em que eles poderão ser compensados.

Embora haja punição para a cobrança antecipada de cheque pré-datado, o advogado Gilberto Dias de Souza ficou com prejuízo de R$ 3,2 mil depois de comprar um rack e um painel para TV, ver seus cheques pré-datados serem compensados antes do combinado e a loja Spazio Decorações, onde comprou os móveis, decretar falência e fechar as portas. “Eu não imaginava porque era uma loja que ficava no shopping de móveis BH Decor. Imagino que o proprietário estava predisposto a fechar as portas, entrou com o cheque, que tinha fundos e foi compensado. Quando vi não tive nem tempo de sustar os cheques e ainda fiquei sem os móveis”, conta. Ainda de acordo com Souza, dezenas de outras pessoas foram lesadas e mesmo com a sentença de um juiz o caso não foi resolvido, já que o proprietário da loja alegou não ter bens em seu nome. “A partir de então eu não comprei mais com cheque pré-datado. Prefiro comprar à vista, não existe mais o pré-datado para mim”, finalizou.

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