segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Retratos falados mais precisos ajudam polícia a desvendar crimes

Investigações
Assassinato da atriz Cecília Bizzotto é um dos crimes esclarecidos por meio da técnica
Publicado no Jornal OTEMPO

NATÁLIA OLIVEIRA
FOTO: FOTOS ANGELO PETTINATI
Perfil. Alexandre Dietzen, desenhista da Polícia Civil, é investigador há 20 anos, e há 18 trabalha com a elaboração de retratos falados. O profissional optou pela atividade porque sempre gostou de desenhar. Atualmente, ele estuda artes plásticas
Lápis, borracha, folha de papel, prancheta e em frente a uma vítima abalada. É geralmente nessas circunstâncias que o desenhista Alexandre Dietzen inicia seu trabalho. Investigador da Polícia Civil, ele transforma as descrições de um criminoso em imagem. Muitas vezes, é a partir desse retrato falado que a polícia consegue desvendar um crime. Não se sabe quando a técnica surgiu, mas atualmente ela é um dos alicerces das investigações de crimes hediondos, principalmente homicídios, estupros, latrocínios, crimes contra crianças e tráfico.
Sem rastros dos criminosos e sem nenhuma ligação deles com a vítima, o retrato falado se torna uma das únicas artimanhas para se desvendar o crime. "Com o desenho, podemos recorrer ao banco de dados de criminosos da polícia e fazer o trabalho de campo com segurança", disse o chefe da Divisão de Crimes Contra a Vida (DCCV), delegado Wagner Pinto. Mesmo sem números precisos sobre a ferramenta, a Polícia Civil estima que cada um dos quatro desenhistas da corporação faça cerca de cinco deles por mês.
Um destes crimes resolvidos pela Polícia Civil com a ajuda do retrato falado foi o latrocínio da atriz Cecília Bizzotto, 32, morta durante um assalto em um imóvel da família, no último dia 7 de outubro. A polícia só conseguiu encontrar os dois criminosos depois que testemunhas deram a característica dos suspeitos. "Não tínhamos nenhuma outra informação complementar. Se não fosse o desenho, provavelmente não teríamos encontrado os suspeitos", disse o delegado Wagner Pinto.
Outro crime desvendado por meio do retrato falado foi o do e estuprador e assassino em série Marcos Trigueiro, 32, que ficou conhecido como o maníaco de Contagem depois de abusar de três mulheres e as matar, em 2010. O desenho foi feito por outras duas vítimas do maníaco, que também foram estupradas por ele, porém sobreviveram.

Passo a passo. O esboço do retrato começa com um contorno do rosto e distâncias aproximadas entre os órgãos da face padrão para todos os seres humanos. Em seguida, o desenhista começa a ouvir as testemunhas e com a descrição delas, olhos, orelhas, boca e nariz vão ganhando características específicas. "São as lembranças da pessoa que vão ditar um bom retrato e não os traços em si", diz o desenhista e investigador da Polícia Civil Alexandre Dietzen.
Os retratos podem ser feitos tanto à mão livre quanto por meio de um programa de computador. As duas técnicas, segundo ele, também podem ser misturadas. O perito em imagens do Instituto Nacional de Identificação (INI) da Polícia Federal Carlos Eduardo Campos explica que no computador o trabalho é feito por meio de um programa, desenvolvido pela Polícia Federal, que tem um banco de imagens com vários tipos de boca, nariz, olhos, sobrancelhas, orelha e cor de pele, que são escolhidos conforme a descrição das vítimas.
"Nós vamos mostrando os olhos e a boca para a testemunha e fazemos a montagem. Depois, levamos o desenho para um programa de edição, que pode ser pelo Adobe Photoshop, por exemplo", explica. As condições psicológicas das testemunhas, que muitas vezes podem ser também vítimas, é que vão ditar o tempo de duração da confecção de cada retrato, de acordo com os dois desenhistas. O desenho é mostrado o tempo todo para a vítima e é finalizado também na presença da testemunha.
A técnica utilizada pelas duas polícias é a mesma, sendo que os desenhos são feitos tanto pelo computador quanto à mão livre, ou até mesmo com as duas formas. A diferença é que na Polícia Civil, os retratistas podem ser peritos ou investigadores. Já na Polícia Federal, apenas peritos em impressão de imagens fazem o trabalho.
Especialistas em segurança pública elogiam a técnica. "Muitas vezes, pode ser muito mais fácil encontrar um suspeito por meio de uma foto do que somente com informações", disse o sociólogo Robson Sávio.



Contradição
"O mais difícil é ter que lembrar da imagem que queremos esquecer"
Os ouvidos dos investigadores que fazem o retrato falado ficam atentos aos detalhes sobre boca, nariz, olhos, roupas e trejeitos. O mais importante é deixar a vítima à vontade para que ela traga o maior número possível de detalhes do suspeito. "O trabalho é muito mais psicológico do que artístico", conta o investigador da Polícia Civil e desenhistas de retrato falado Alexandre Dietzen.
Um homem de 29 anos, que preferiu não ter o nome divulgado, teve que fazer o retrato falado dos suspeitos de assassinar sua irmã. Segundo ele, a situação é bem desconfortável, porém o policial o tranquilizou bastante durante a realização do desenho, que foi essencial para a prisão dos ladrões. "O mais difícil é ter que lembrar da imagem que queremos esquecer", conta.
Segundo Dietzen, o ideal é que o retrato seja feito logo após o crime, mas isso raramente é possível, já que as vítimas ficam extremamente abaladas e os retratos começam a ser desenhados uma semana ou até mesmo dez dias após o crime.
O desenhista afirma que, para tranquilizar a testemunha, costuma explicar a ela a importância da confecção do retrato falado e tentar transmitir segurança à pessoa. Dietzen conta que já foi até à casa de testemunhas e hospitais para realizar os desenhos.
"Quando a testemunha está hospitalizada, o trabalho deve ser ainda mais cuidadoso", disse. Muitas vezes, ele também é deslocado para cidades do interior que não têm desenhistas.

Crianças. Segundo o retratista, que faz o desenho tanto à mão livre quanto no computador, os desenhos mais difíceis são os feitos com mulheres que foram estupradas e crianças menores de 10 anos, que fantasiam muito e não conseguem dar informações precisas sobre os criminosos. Segundo o delegado Wagner Pinto, às vezes, é necessário chamar um psicólogo da polícia para acompanhar o trabalho dos desenhistas.
"Como a mente das crianças é muito imaginativa, elas não conseguem focar em uma única informação, e elas confundem as várias imagens do que presenciaram", explica a psicóloga e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Cristiane Martins.
Um exemplo disso foi retratado no seriado policial norte-americano "Dexter". Em um episódio, um "serial killer" é morto por um outro assassino em série, e uma criança que seria vítima do criminoso morto testemunha o crime. Levada para fazer um retrato falado, ela descreve o assassino como Jesus Cristo, já que ele evitou que ela fosse morta. (NO)

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