segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Segredo para trânsito melhor é tolerância zero com o descumprimento da lei


Valquiria Lopes -Estado de Minas
Publicação: 05/11/2012 06:44 Atualização: 05/11/2012 06:52

A única forma de mudar essa cultura de falta de educação é ter uma fiscalização que não tolere as imprudências no trânsito, dizem especialistas ((Fotos: Maria Tereza Correia/EM/D.A Press))
A única forma de mudar essa cultura de falta de educação é ter uma fiscalização que não tolere as imprudências no trânsito, dizem especialistas
A parada na porta da escola é só por um minuto. O tempo é o mesmo que o motorista espera ganhar ao avançar com o carro e fechar o cruzamento. A pressa também faz muitos ignorarem limites de velocidade ou avançarem o sinal vermelho. Os que agem assim, e não são poucos, fazem mal ao trânsito de Belo Horizonte. Além de aumentar o risco de acidentes e mortes, eles contribuem para congestionar ainda mais as vias. O preço é alto: com o aumento da frota, a falta de educação, admite a própria BHTrans, é um dos componentes que podem ampliar o totalde vias saturadas em horários de pico de 8,8% – dado de 2008, o último disponível – para 19% em 2020, caso medidas de impacto no transporte e circulação forem tomadas. Especialistas ouvidos pelo Estado de Minas afirmam ser possível tornar as ruas e avenidas lugares com mais paz e obediência. O segredo, eles dizem, é tolerância zero com o descumprimento da lei. É preciso reforçar a educação desde cedo, promovendo mais campanhas, garantir uma fiscalização mais eficiente e rigorosa e reduzir a sensação de impunidade.
Severidade é a palavra de ordem para que a tarefa de frear as infrações de trânsito seja posta em prática em Belo Horizonte. Somente com fiscalização mais intensa, avaliam especialistas, a capital pode se ver livre de abusos que deixam a cidade congestionada e motoristas cada vez mais irritados. Concretamente, as medidas incluem maior rigor na atuação, aumento do número de fiscais, equipamentos e viaturas e, para alguns especialistas, até mesmo por uma questão que tramita na Justiça e causa polêmica na capital: o retorno do poder de multa dos agentes da BHTrans, proibidos de usar bloco e caneta para punir desde 2009.
“A única forma de mudar essa cultura de falta de educação é ter uma fiscalização que não tolere as imprudências no trânsito, notadamente uso de bebida, excessos de velocidade e os ‘jeitinhos’ para levar vantagem”, defende o chefe do Departamento de Transportes da Faculdade de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Ronaldo Guimarães Gouvêa. O caminho para esse novo cenário, no entanto, esbarra no contigente de equipamentos e fiscais. Segundo o especialista em tráfego urbano, os 97 radares espalhados pela cidade não dão conta de impor limites a tantos deslizes dos motoristas, bem como os atuais 836 fiscais de trânsito. Do efetivo, 413 são agentes da BHTrans, 261 guardas municipais e 162 policiais do Batalhão de Trânsito.
Severidade é a palavra de ordem para que a tarefa de frear as infrações de trânsito seja posta em prática em Belo Horizonte ((Fotos: Maria Tereza Correia/EM/D.A Press))
Severidade é a palavra de ordem para que a tarefa de frear as infrações de trânsito seja posta em prática em Belo Horizonte
Para o consultor em transporte e trânsito Osias Batista, o aumento no quadro de pessoal é questão urgente, já que a presença do agente de trânsito inibe a ação dos infratores. Ele comenta que os cerca de 800 fiscais estão muito distantes dos aproximadamente 1,2 mil agentes fiscalizadores da década de 1990, quando a cidade tinha cerca de 400 mil veículos. Problema mais grave ainda, segundo ele, é que metade do efetivo não tem como multar e, por isso, não teria autoridade. Tanto Batista, quantdo Gouvêa aprovam o retorno do poder de multa aos mais de 400 agentes da empresa que gerencia o trânsito na capital.
“São eles que entendem de operação de trânsito. Formaram-se para isso, mas estão nas ruas com conhecimento e sem autoridade para cobrar o cumprimento das regras”, opina Batista. Ele não descarta, no entanto, que a presença do agente contribui para orientar o trânsito, especialmente para evitar fechamento de cruzamento e congestionamentos.
Os números indicam o tamanho da falta de educação no trânsito da cidade, onde as infrações de trânsito não param de crescer. Entre 2010 e 2011, o salto foi de 7,4%, quando as multas aplicadas passaram de 963.799 autuações para 1.035.661 multas. Este ano, até agosto, houve aumento de 52% em relação a 2011: as infrações pularam para 1.576.769. As estatísticas também mostram as consequências dos abusos nas vias da capital. Embora o número seja menor que em 2010, no ano passado, 217 pessoas perderam a vida e 16.294 ficaram feridas em 20.110 acidentes ocorridos na cidade. No ano anterior foram 262 mortos, 16.822 pessoas feridas e 20.875 acidentes.
Câmeras Receita para diminuir esses números seria, na avaliação de Batista, investir pesado em sistemas de monitoramento e fiscalização eletrônica, com mais radares e câmeras, sendo que estas inclusive pudessem auxiliar na aplicação de multas. “O órgão público não pode ter vergonha de ser severo e deve usar de todos os recursos disponíveis para coibir irregularidades”, cobra.
Show de irregularidades: no Centro de BH, motoristas param em local proibido e em fila dupla; na Getúlio Vargas, fecham cruzamentos frequentemente ((Fotos: Maria Tereza Correia/EM/D.A Press))
Show de irregularidades: no Centro de BH, motoristas param em local proibido e em fila dupla; na Getúlio Vargas, fecham cruzamentos frequentemente
Especialistas acreditam ainda que a cidade precisa passar por uma reestruturação de transporte e sinalização que possa privilegiar o pedestre, considerado por eles vítima do trânsito, que dá preferência aos carros. “É preciso priorizar os deslocamentos com modos não motorizados, que são aqueles feitos a pé e com bicicleta”. Ele afirma que as calçadas devem ser tratadas dentro de uma política permanente de requalificação proposta pela prefeitura e que nos cruzamentos e travessias semáforos para pedestres devem estar instalados e as faixas em boas condições de visibilidade. Ao mesmo tempo, o transporte de massa, como metrô, deve ser melhorado. “O motorista reclama que o pedestre atravessa fora da faixa, mas a cidade não está preparada para ele. Os tempos semafóricos são longos para carros e exíguos para quem está a pé. Por outro lado, condutores não respeitam as travessias na faixa”, alerta Gouvêa, referindo-se à cultura do automóvel que prevalece na cidade.

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