SÃO
PAULO - Um tanque de guerra M3-A1 Stuart, equipado com um canhão de 37
mm capaz de matar vários soldados e destruir paredes, estradas e até
blindados, está estacionado em um sítio à beira da Represa Billings, em
São Bernardo do Campo, dentro de um galpão. Seu dono, o médico Nelson
Machado, liga os motores e o pilota até o lado de fora. Passa uma água
na esteira de locomoção, toda suja de lama, e depois coloca o traje
camuflado. "Se é para fazer foto, vamos fazer direito." E sobe no tanque
para fazer a pose de militar, com o queixo para cima e os braços na
cintura.
Nelson Machado é um dos
maiores colecionadores de veículos militares da 2.ª Guerra Mundial do
País. Além do tanque, tem outros cinco veículos militares em pleno
funcionamento, cujos modelos foram usados pelo Brasil ou pelos Aliados
durante a guerra. Nesta quinta-feira, 30, exatos 70 anos depois do dia
em que o ex-presidente Getúlio Vargas assinou o decreto declarando
guerra aos países do Eixo, o colecionador exalta a memória da
participação brasileira no maior conflito bélico do século passado. "Nós
fomos para a Europa e lutamos, mas isso é pouco lembrado hoje em dia.
Não podemos esquecer nosso passado", afirma.
Ele diz que seu
interesse por veículos militares começou quando ainda era adolescente e
foi herdado do pai, que é oficial aposentado da Polícia Militar. Nascido
em São Paulo, se mudou para o Rio para cursar Medicina. E lá ingressou
no Exército, onde serviu por quase uma década. "O que eu queria mesmo
era poder dirigir os veículos, estar perto deles", conta. Mas o baixo
soldo o fez largar a carreira militar para passar a atender em
consultório. "Não tem ninguém que goste mais do Exército do que eu. Mas,
se ainda estivesse lá, jamais teria a coleção que tenho hoje", diz.
Sua
maior preciosidade é o M3-A1 Stuart, que foi doado pelos Estados Unidos
para o Brasil em uma leva com outros 450 tanques, entre 1941 e 1946.
Machado conta que encontrou o tanque, em péssimo estado de conservação,
em uma loja de maquinário agrícola em Araraquara. Comprou por R$ 7 mil
e, depois de quatro anos, um motor novo e algumas dezenas de milhares de
reais, o Stuart virou um dos principais xodós dos militares paulistas.
"Sempre me convidam para participar das comemorações da Força
Expedicionária Brasileira (FEB)", conta.
Preciosidades. Apaixonado
por carros e também pela história da 2.ª Guerra, João Barone, baterista
da banda Paralamas do Sucesso, se define, em tom de brincadeira, "um
popstar excêntrico". Em 1998, ele comprou o jipe Willys MB 1944 para
restaurar. Hoje, o músico tem outros dois jipes, além de objetos que
pertenceram a seu pai que, aos 25 anos, embarcou para a Itália para
lutar pelo Brasil. "Colecionar os objetos é uma maneira de manter aquela
época viva", diz.
O que começou como hobby se transformou em uma
espécie de militância. Barone escreveu dois livros sobre a guerra - o
último tem lançamento previsto para outubro -, fez dois documentários e
ajudou a criar o Grupo Histórico FEB e o Clube de Veículos Militares do
Rio de Janeiro. Os integrantes do clube que, juntos, têm 30 veículos
raros, entraram com uma petição para que a Polícia Federal permita que
peças de veículos antigos sejam importadas. "Hoje, a polícia pode
apreender o colecionador que vier, por exemplo, com uma lanterna na
mala", diz Barone.
O primeiro item da coleção de mais de 3 mil
objetos do engenheiro Marcos Renault foi comprado na Argentina, em
meados de 1970. "Era a réplica de uma medalhinha. Há 35 anos não existia
internet nem leilões virtuais, por isso viajava atrás dos objetos." No
acervo pessoal, catalogado por tipo e nacionalidade, há até uma foto
autografada pelo ex-primeiro ministro do Reino Unido Winston Churchill. O
que falta na coleção? "Muitas coisas. Isso é insaciável."