Delegado pede a prorrogação das prisões de envolvidos no caso e vai apurar a denúncia de que empresa contratada para elaborar o plano de combate a incêndio da boate Kiss pertence a um servidor da corporação
Brasília e Santa Maria (RS) — Deve ser prorrogada a prisão dos quatro
detidos por suspeita de envolvimento no incêndio da boate Kiss, que
deixou 235 mortos e mais de 100 feridos em Santa Maria. O delegado
Marcelo Arigony, que cuida das investigações, pedirá à Justiça a
manutenção da detenção dos dois sócios da casa noturna e dos dois
músicos da banda Gurizada Fandangueira. Ele informou
também que investigará se um bombeiro do município gaúcho é dono da
empresa Hidramix Prestação de Serviço, contratada pela Kiss no ano
passado para atualizar o plano de combate a incêndio.
Além de um flagrante conflito de interesses — já que o estabelecimento
depende do Corpo de Bombeiros para obter alvará —, policiais militares
da ativa são proibidos, por lei estadual, a terem outra atividade, mesmo
que em outro ramo. No Rio
Grande do Sul, todos os bombeiros são PMs. Eles se reportam à Brigada
Militar. O bombeiro suspeito de ser dono da Hidramix é o sargento
Roberto Flávio da Silveira e Souza. O Correio confirmou que ele dá
expediente no Corpo de Bombeiros de Santa Maria. A empresa tem ainda
como sócios Jairo Bittecourt da Silva, outro PM, e a esposa de Souza,
segundo informações levantadas pelo jornal Zero Hora.
Corregedor da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, o tenente coronel
Gilberto Fritz afirmou ao Correio que a situação é completamente
irregular e que vai ser apurada em um inquérito policial militar (IPM)
aberto na segunda-feira. "Eu desconheço tal informação, mas, se ela
existe, será alvo do IPM. Posso garantir que nosso estado proíbe que um
policial militar estadual da ativa tenha comércio, sociedade ou empresa.
Ainda que não fosse na mesma atividade
que a realizada na função pública, não pode", destaca. A proibição, de
acordo com Fritz, está na Lei 10.990/97, que dispõe sobre o Estatuto dos
Servidores Militares da Brigada Militar do Rio Grande do Sul.
O IPM instaurado na segunda-feira tem como objetivo apurar tudo que se
relaciona às atitudes do Corpo de Bombeiros no incêndio — se houve
omissão ou negligência na liberação da casa noturna, por exemplo. É um
inquérito tocado por um oficial da Brigada Militar, que tem 40 dias para
finalizá-lo. Ele pode pedir prorrogação de mais 20 dias, caso seja
necessário realizar novos depoimentos ou novas colhida de provas. "A
formação da prova é muito importante para nós. Vamos fazer tudo de forma
isenta e transparente para verificar se há irregularidades no episódio
do plano de prevenção e combate a incêndios", afirmou o tenente Fritz.
Ao ser informado pela imprensa da suspeita de que um bombeiro de Santa
Maria teria trabalhado, de forma particular, para a Kiss na revisão do
plano de incêndio, o delegado Arigony se mostrou surpreso. E confirmou
que vai investigar. Na tarde de ontem, uma reconstituição com cinco
testemunhas foi realizada pela equipe policial no que restou da boate.
Todos foram unânimes em afirmar que a origem do fogo foi no teto do
palco. Suspeita-se que um sinalizador utilizado pela banda Gurizada
Fandangueira provocou o incêndio ao entrar em contato com a espuma que revestia o teto. O material é vetado por lei municipal para ser usado em casas noturnas.
Extintores
Outros depoimentos obtidos pela Polícia Civil revelam que um dos donos,
Elissandro Spohr, também conhecido como Kiko, teria rebaixado o teto
depois de um abaixo-assinado de vizinhos contra o barulho. Ontem, uma
ex-funcionária da casa, Vanessa Vasconcelos, 31 anos, afirmou que Kiko
pedia aos funcionários que retirassem das paredes os extintores por
questão de decoração, mas a informação não foi comentada por autoridades
que investigam o caso. Estão presos, além de Kiko, o outro sócio da
boate, Mauro Hoffman; o vocalista da banda que se apresentava, Marcelo
de Jesus dos Santos; e Luciano Bonila, montador do palco.
Por Renata Mariz / Amanda Almeida / João Valadares Enviado especial
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