VENDA DE ARMAS JÁ SUPERA NÍVEL PRÉ-ESTATUTO
Registros da Polícia Federal mostram crescimento de 378% desde 2007
Fonte: http://www.facebook.com/groups/armasdefogo/permalink/581031168603176/
SÃO PAULO - Ao chegar em casa, num condomínio fechado no interior de
Minas Gerais, em janeiro deste ano, F. e a mulher foram surpreendidos na
porta por três assaltantes. Amordaçados, com armas apontadas para a
cabeça e depois trancados no banheiro, eles viram a casa passar por um
arrastão. Menos de dois meses depois, F. acorda durante a madrugada com o
telefonema do irmão que está hospedado em sua casa na suíte ao lado da
dele. Ladrões estavam tentando entrar na residência, desta vez pela
janela do banheiro. Naquele dia, F. decidiu que teria uma arma dentro de
casa. Desde o mês passado, ele dorme com uma pistola no quarto comprada
legalmente e registrada na Polícia Federal. A história do casal mineiro
não é um caso isolado. Em 2012, o número de registro de armas de fogo
concedido a cidadãos comuns foi o maior no país desde o Estatuto do
Desarmamento.
Levantamento inédito da Polícia Federal feito a
pedido do GLOBO mostra que o Brasil vem registrando desde 2007 um
crescimento na compra por civis de armas novas legalizadas - não entra
nessa conta o comércio de armas usadas. Se logo depois da aprovação do
estatuto o número de autorizações dadas pela PF para a compra de uma
arma nova foi, em média, de 7 mil por ano, em 2012 isso mais que
quadruplicou. Foram 31.500 registros expedidos, sendo a maioria deles,
18.627 (60%), destinados a cidadãos comuns. Os demais foram para
empresas de segurança privada e órgãos governamentais, exceto Polícia
Militar e as Forças Armadas.
Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e
Santa Catarina aparecem, respectivamente, como os estados com o maior
volume de armas registradas por pessoas físicas nos últimos 11 anos
(2002 a 2012), período do levantamento. Trata-se de um raio-x da entrada
de armas legalizadas no país. Existem hoje cerca de 8 milhões de armas
legais em circulação no Brasil. A estimativa é de que um outro arsenal
de mesma proporção segue na clandestinidade, segundo o Movimento Viva
Rio. Parte dele está nas mãos dos criminosos.
LEGISLAÇÃO ESTÁ MAIS RIGOROSA
A escalada chama a atenção por ocorrer sob a vigência de uma legislação
mais rigorosa para a concessão de posse de armas por qualquer cidadão. O
Estatuto do Desarmamento, aprovado em dezembro de 2003, aumentou de 21
para 25 anos a idade mínima para se ter uma arma e passou a exigir laudo
psicológico e realização de um teste prático de tiro. Antes as
autorizações eram dadas pela Polícia Civil. Agora, é competência da
Polícia Federal.
Em outros estados preocupa o ritmo de
crescimento de autorizações num período recente (2008 a 2012). Na Bahia,
o aumento foi de mais de 400% nesses cinco anos. Em 2008, foram 224
armas novas autorizadas para civis pela Polícia Federal e, no ano
passado, 1.237. No Espírito Santo, o ritmo foi parecido: saltou de 237
em 2008 para 1.015 em 2012. No Mato Grosso, a diferença foi ainda maior:
os registros para civis subiram de 30 para 1.403.
Não há um
padrão nos índices de homicídio nesses estados. Na Bahia e Espírito
Santo, por exemplo, as taxas de morte violenta aumentaram na última
década, segundo o Mapa da Violência 2013, enquanto no Mato Grosso,
reduziram. No caso do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Rio de
Janeiro, os dois primeiros tiveram aumento dos homicídios entre 2000 e
2010, enquanto no Rio, o índice caiu.
Ter uma arma legalizada
custa caro. Não se gasta menos do que R$ 1 mil com todo o processo de
registro na Polícia Federal, que exige certidões em cartório, declaração
de necessidade do interessado, exames psicológico e prático e curso de
tiro. Isso sem contar o gasto com a compra da arma. As regras mais
rígidas buscam restringir o acesso. O Brasil é o país onde mais se mata
com arma de fogo no mundo. Mas, como mostram os dados do Sistema
Nacional de Registro de Armas (Sinarm) da Polícia Federal, apesar do
rigor, tem crescido a procura por armas.
O público é
predominantemente masculino, segundo a psicóloga credenciada na PF para a
realização do laudo psicológico Ana Carolina Silva.
- Em quase
quatro anos, nunca atendi uma mulher. São homens das mais diversas
idades. A maioria está buscando uma arma para autodefesa. Mas também tem
muitas pessoas que procuram o registro porque praticam o esporte de
tiro - disse Ana Carolina.
O exame é rigoroso. Empresário em
Rio Claro, no interior paulista, H., de 35 anos, conta que ficou cerca
de quatro horas no consultório. Ele quer comprar uma pistola para deixar
na empresa dele. H. diz que a região onde a empresa está instalada tem
sido alvo de frequentes assaltos.
- O posto da Polícia Militar
que atende a minha cidade fica em Piracicaba, mais ou menos a 30
quilômetros daqui. Na região, já sei que houve casos de assalto. Espero
nunca precisar, mas, se precisar, sei usar - justificou H., que pratica
tiro esportivo há cerca de três anos e tem uma arma em sua residência.
O estatuto permite que um civil tenha, no máximo, seis armas
registradas na Polícia Federal, e exige que elas sejam recadastradas a
cada três anos, caso contrário, caem na ilegalidade e o proprietário, se
flagrado, pode pegar de 1 a 3 anos de detenção.
Em Ribeirão
Preto, também no interior de São Paulo, o advogado Rogério Sommerhalder,
de 43 anos, é colecionador de armas. Mas ele decidiu no ano passado
comprar uma pistola específica para se defender dentro de casa. O
arsenal da coleção precisa ficar desmuniciado e guardado em um cofre -
uma exigência do Exército no caso de colecionadores.
- Comprei um cofre de banco para isso - contou.
O cuidado não impediu que parte da coleção fosse roubada há cerca de
sete anos. Ele conta que teve a casa, onde vive sozinho, invadida e seis
armas levadas.
- Uma pessoa que trabalhava na minha casa deu a
dica para os bandidos. Ainda bem que todas foram recuperadas dias
depois. São armas que não têm muito mercado e também não servem para a
atividade criminosa.
A CPI das Armas mostrou em 2005 que a maioria das armas usadas pelos criminosos provém de desvios do mercado legal.
A relação entre homicídios e armas é uma discussão polêmica. De um
lado, os defensores do desarmamento defendem que, num país onde 70% dos
homicídios são praticados por arma de fogo, quanto maior a circulação
delas, maior a ameaça. Os defensores do direito à autodefesa dizem que o
crescimento de assassinatos se deve à impunidade e ao despreparo das
polícias e não à posse de armas por civis.
Nem o Ministério da Justiça nem a Polícia Federal se manifestaram sobre os números.
Se de um lado está crescendo o volume de armas legalizadas que entram
no país, de outro, tem havido uma redução da quantidade entregue nas
campanhas de desarmamento. A indenização é de R$ 150 a R$ 450. Na
primeira campanha, em 2004, foram 450 mil armas recolhidas. Em 2011
foram 37 mil e, no ano passado, 10 mil a menos.
O Exército
informou que destruiu 230 mil armas em 2012 oriundas da Justiça
(apreendidas pelas polícias) e da campanha do desarmamento.
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