Resumo do texto de Túlio Vianna, professor da UFMG, publicado originalmente na Revista Fórum:
Ilustração: Blog da Renata |
Uma das heranças mais malditas que a ditadura militar nos deixou é a
dificuldade que os brasileiros têm de distinguir entre as funções das
nossas Forças de Segurança (polícias) e as das nossas Forças Armadas
(exército, marinha, aeronáutica). A diferença é muito simples – as
Forças de Segurança garantem a segurança interna do Estado, enquanto as
Forças Armadas garantem a segurança externa. Polícias reprimem
criminosos e forças armadas combatem exércitos estrangeiros nos casos de
guerra.
Diante das desmensuradas diferenças de funções existentes entre as
Forças de Segurança e as Forças Armadas, é natural que seus membros
recebam treinamento completamente diferente. Os integrantes das Forças
Armadas são treinados para enfrentar um inimigo externo em casos de
guerra. Nessas circunstâncias, tudo que se espera dos militares é que
matem os inimigos e protejam o território nacional. Na guerra, os
prisioneiros são uma exceção e a morte é a regra (…..) Em suma, enquanto
os exércitos são treinados para matar o inimigo, polícias são treinadas
para prender cidadãos.
O foco do treinamento militar é centrado na obediência e na submissão,
pois só com estas se convence 1 ser humano a enfrentar 1 exército
inimigo, mesmo em circunstâncias adversas, sem abandonar o campo de
batalha. Os recrutas são submetidos a constrangimentos e humilhações que
acabam por destituí-los de seus próprios direitos fundamentais. E se o
treinamento militar é capaz de convencer 1 soldado a se deixar tratar
como um objeto na mão de seu comandante, é natural também que esse
soldado trate seus inimigos como objetos cujas vidas podem ser
sacrificadas impunemente em nome da sua bandeira.
O treinamento militarizado da polícia brasileira se reflete em seu
número de homicídios. A Polícia Militar de São Paulo mata quase 9 vezes
mais do que todas as polícias dos EUA, que são formadas exclusivamente
por civis (…..)
Nossa Polícia Militar é uma distorção dos principais modelos de polícia
do mundo. Muitos países europeus possuem gendarmarias, que são forças
militares com funções de polícia no âmbito da população civil, como a
Gendarmerie Nationale na França, os Carabinieri na Itália, a Guardia
Civil na Espanha e a Guarda Nacional Republicana em Portugal. As
gendarmarias, porém, são bem diferentes da nossa Polícia Militar, a
começar pelo fato de serem nacionais, e não estaduais (…..)
No Brasil, a Constituição da República estabeleceu no seu artigo 144 uma
excêntrica divisão de tarefas, na qual cabe à Polícia Militar realizar o
policiamento ostensivo, enquanto resta à Polícia Civil a investigação
policial. Esta existência de duas polícias, por óbvio, nao só aumenta em
muito os custos para os cofres públicos que precisam manter uma dupla
infraestrutura policial (…..)
Por outro lado, os policiais civis que realizam o trabalho de
investigação atualmente são recrutados por meio de concursos públicos e
começam a exercer suas atividades investigativas sem nunca terem tido
experiência policial nas ruas. Com a unificação da polícia, o ingresso
se daria sempre para o cargo de policiamento ostensivo, no qual o
policial ganharia experiência e só então poderia ascender na carreira
para os cargos de investigação (como nos EUA). Um modelo que privilegia a
experiência prática, e não o conhecimento técnico normalmente exigido
em provas de concursos.
Desmilitarizar e unificar as polícias estaduais brasileiras é uma
necessidade urgente para que haja avanços reais na nossa política de
segurança pública.
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