sexta-feira, 28 de junho de 2013

Desmilitarizar e unificar a polícia

Resumo do texto de Túlio Vianna, professor da UFMG, publicado originalmente na Revista Fórum:

Ilustração: Blog da Renata
Uma das heranças mais malditas que a ditadura militar nos deixou é a dificuldade que os brasileiros têm de distinguir entre as funções das nossas Forças de Segurança (polícias) e as das nossas Forças Armadas (exército, marinha, aeronáutica). A diferença é muito simples – as Forças de Segurança garantem a segurança interna do Estado, enquanto as Forças Armadas garantem a segurança externa. Polícias reprimem criminosos e forças armadas combatem exércitos estrangeiros nos casos de guerra. Diante das desmensuradas diferenças de funções existentes entre as Forças de Segurança e as Forças Armadas, é natural que seus membros recebam treinamento completamente diferente. Os integrantes das Forças Armadas são treinados para enfrentar um inimigo externo em casos de guerra. Nessas circunstâncias, tudo que se espera dos militares é que matem os inimigos e protejam o território nacional. Na guerra, os prisioneiros são uma exceção e a morte é a regra (…..) Em suma, enquanto os exércitos são treinados para matar o inimigo, polícias são treinadas para prender cidadãos. O foco do treinamento militar é centrado na obediência e na submissão, pois só com estas se convence 1 ser humano a enfrentar 1 exército inimigo, mesmo em circunstâncias adversas, sem abandonar o campo de batalha. Os recrutas são submetidos a constrangimentos e humilhações que acabam por destituí-los de seus próprios direitos fundamentais. E se o treinamento militar é capaz de convencer 1 soldado a se deixar tratar como um objeto na mão de seu comandante, é natural também que esse soldado trate seus inimigos como objetos cujas vidas podem ser sacrificadas impunemente em nome da sua bandeira. O treinamento militarizado da polícia brasileira se reflete em seu número de homicídios. A Polícia Militar de São Paulo mata quase 9 vezes mais do que todas as polícias dos EUA, que são formadas exclusivamente por civis (…..) Nossa Polícia Militar é uma distorção dos principais modelos de polícia do mundo. Muitos países europeus possuem gendarmarias, que são forças militares com funções de polícia no âmbito da população civil, como a Gendarmerie Nationale na França, os Carabinieri na Itália, a Guardia Civil na Espanha e a Guarda Nacional Republicana em Portugal. As gendarmarias, porém, são bem diferentes da nossa Polícia Militar, a começar pelo fato de serem nacionais, e não estaduais (…..) No Brasil, a Constituição da República estabeleceu no seu artigo 144 uma excêntrica divisão de tarefas, na qual cabe à Polícia Militar realizar o policiamento ostensivo, enquanto resta à Polícia Civil a investigação policial. Esta existência de duas polícias, por óbvio, nao só aumenta em muito os custos para os cofres públicos que precisam manter uma dupla infraestrutura policial (…..) Por outro lado, os policiais civis que realizam o trabalho de investigação atualmente são recrutados por meio de concursos públicos e começam a exercer suas atividades investigativas sem nunca terem tido experiência policial nas ruas. Com a unificação da polícia, o ingresso se daria sempre para o cargo de policiamento ostensivo, no qual o policial ganharia experiência e só então poderia ascender na carreira para os cargos de investigação (como nos EUA). Um modelo que privilegia a experiência prática, e não o conhecimento técnico normalmente exigido em provas de concursos. Desmilitarizar e unificar as polícias estaduais brasileiras é uma necessidade urgente para que haja avanços reais na nossa política de segurança pública.

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