quinta-feira, 27 de junho de 2013

Dia de protesto em BH teve horas de terror

Impedidos de passar por bloqueio, baderneiros mancham protesto fora do Mineirão e arrasam a Avenida Antônio carlos. Lojas foram inteiramente depredadas e saqueadas. manifestante morreu depois de cair de viaduto

Publicação: 27/06/2013 06:00 Atualização: 27/06/2013 07:35
Alice Maciel, Daniel Camargos, Leonardo Augusto, Mateus Parreiras e Paulo Henrique Lobato
Estado de Minas


 ( Euler Junior/EM/D.A Press)

Vinte e seis de junho de 2013: dentro do Mineirão, quase 58 mil pessoas para assistir a Brasil x Uruguai; marchando por uma das principais avenidas de Belo Horizonte, cerca de 50 mil manifestantes, parte deles com rostos escondidos e disposição para guerra; entre uma multidão e outra, uma barreira de grades guardada por um batalhão de policiais, integrantes de uma força de 5,5 mil agentes mantida em alerta máximo desde terça-feira. Quando esse dois últimos grupos se encontraram, o conflito desenhado desde que a Seleção se classificou para disputar a semifinal da Copa das Confederações na capital mineira explodiu em uma guerra de pedras, fogo, bombas de efeito moral e balas de borracha. O resultado foi a Avenida Antônio Carlos – que liga o Centro à Pampulha – arrasada: incêndio, saque e destruição em concessionárias, bancos, lojas e postos de combustíveis, um prejuízo de proporções ainda desconhecidas e uma tarde que BH jamais vai esquecer. No balanço de manifestações na cidade, 28 pessoas foram detidas e pelo menos 15 ficaram feridas. Um manifestante que caiu do viaduto José Alencar morreu.

AVENIDA ARRASADA
Uma bomba caseira atirada no cruzamento da Antônio Carlos com a Avenida Antônio Abrahão Caram, que dá acesso ao Mineirão, às 15h20, foi o estopim para transformar a manifestação que vinha do Centro de BH em campo de guerra. Parte dos manifestantes que deixaram a Praça Sete, em ato pacífico, romperam o acordo feito com a Polícia Militar e tentaram invadir a área de segurança Fifa. A maior parte das pessoas repudiou a iniciativa: de mãos dadas, formaram uma barreira para impedir que o grupo subisse a Abrahão Caram. A violência, entretanto, venceu a paz. Foi o momento em que a tensão cresceu ainda mais nos limites da área de exclusão em torno do estádio.

Com palavras de ordem como “Não vai ter Copa. Não vai ter Copa!” e ofensas das mais variadas formas, manifestantes mais exaltados iniciaram o confronto com policiais e passaram a atirar pedras. A maioria das pessoas que engrossavam a manifestação optou, nesta hora, por seguir em direção à Avenida Santa Rosa, cumprindo o trajeto definido em assembleia mais cedo, na Praça Sete. Os cerca de 300 policiais que formavam a barreira humana se mantiveram em formação, até que a bomba caseira foi lançada, sem que os atingisse.
Nesse momento, os manifestantes avançaram também para retirar a contenção física formada por grades de metal. A reação da PM veio às 16h10, com o lançamento de bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral. O contra-ataque policial dispersou apenas parte da multidão. Decidido a enfrentar a força policial, um grupo resistiu por pelo menos mais 10 minutos, atirando mais pedras e explosivos caseiros.
CONFRONTO
Manifestantes da linha de frente passaram a receber apoio de outra parte do grupo, devido à da resposta força policial. Estilhaços dos artefatos atingiam e feriam integrantes dos protestos. Da Leopoldino dos Passos, rua lateral à Avenida Abrahão Caram, começaram a disparar contra os manifestantes. Essa atitude atraiu a fúria de quem estava no protesto. Uma chuva de pedras e foguetes foi dirigida contra a PM. Em poucos minutos as janelas dos edifícios próximos estavam todas esburacadas.
Daí em diante, os atos de violência se estenderam por toda a Avenida Antônio Carlos, onde a Concessionária Kia Motors foi invadida e tornou-se a primeira a ser incendiada. O ambiente de guerra urbana ficou mais evidente diante de vários outros pontos de incêndio. Vândalos infiltrados entre os manifestantes retiraram tapumes que protegiam concessionárias na região e usaram como escudo para se proteger das balas e bombas dos policiais. Esse grupo, que demonstrou grande resistência à ofensiva dos militares, é conhecido pelas tendências anarquistas. No início da noite, o grupo invadiu e saqueou a Distribuidora Telha Norte, em frente à UFMG. Latas de tinta foram jogadas na porta. Um carro foi incendiado em frente à entrada principal.
CONCESSIONÁRIAS SÃO O MAIOR ALVO
Durante a onda de depredação que varreu a Avenida Antônio Carlos, pelo menos três motos, um carro e um caminhão foram consumidos por labaredas. A cena assustou quem foi ao local com o objetivo de participar de uma manifestação pacífica. E as cenas de selvageria poderiam ter dado origem a uma tragédia. Um homem não identificado tentou colocar fogo em uma bomba de combustível no posto na Avenida Antônio Carlos com Rua Noraldino de Lima, onde uma multidão protestava. “Graças a Deus algumas pessoas, sensatas, tiraram o homem de lá e apagaram o fogo no início”, contou um funcionário, que preferiu o anonimato. O posto, porém, não escapou do saque. “Havia cerca de 300 engradados de cerveja aqui”, completou outro funcionário. Centenas de garrafas foram arremessadas contra lojas.
Algumas ajudaram a destruir os vidros da Concessionária Milla, na Avenida Professor Magalhães Penido, do outro lado do posto, onde manifestantes relataram que um segurança deu tiros para cima. A 150 metros de lá, criminosos arrombaram as portas da Concessionária Kia, retiraram um carro e um caminhão e incendiaram o veículo de carga. Os militares demoraram a agir. A revendedora vizinha, da Hyundai, na esquina da Antônio Carlos com a Abrahão Caram, também foi invadida.
O mesmo ocorreu com a Concessionária Osaka BH Toyota, ao lado do viaduto da Abrahão Caram sobre a Antônio Carlos. Quando atacavam essa agência, os vândalos foram reprimidos pela polícia, que recebeu reforço da cavalaria e de dois helicópteros para dispersar o grupo. A estratégia policial, reforçada por mais bombas e balas de borracha, fez com que o grupo se dividisse em dois. Uma parte fugiu pela própria avenida, em direção ao Centro da capital e a outra se refugiu no Bairro Liberdade, onde, por duas vezes, houve interrupção do fornecimento de energia elétrica.
 (Ramon Lisboa/EM/D.A Press)

Em um quarteirão próximo, outro grupo de criminosos invadiu a Loja Polimarcas, especializada em rodas de carros e acessórios, e levou grande quantidade de mercadorias. Na concessionária ao lado, uma Honda, motos foram retiradas. Três foram jogadas e incendiadas na Antônio Carlos, criando uma espécie de barreira contra o avanço de policiais. Naquele horário, por volta das 19h, o desespero havia migrado para ruas e avenidas vizinhas. “Vem pra casa, meu filho. Isto aqui está um horror”, gritou um pai, morador de um prédio na Rua Noraldino de Lima, onde militares precisaram disparar bombas de efeito moral para dispersar um grupo de vândalos.
Heróis da resistência
O calor da fogueira feita por manifestantes era tanto que as janelas do Bar Real, na esquina da Rua Leopoldino dos Passos com a Avenida Antônio Carlos, começaram a estourar. O metal do letreiro ficou escuro com a fuligem e depois foi ficando retorcido. Enquanto os depredadores alimentavam o fogo com tapumes arrancados de janelas de concessionárias, um grupo começou a chutar as portas do estabelecimento, sem ouvir que o proprietário, Mário da Real, de 36 anos, e dois funcionários estavam acuados dentro do imóvel. Os vândalos chegaram a jogar a lenha e a atear fogo em parte dela, quando algumas pessoas avistaram o rosto do proprietário na janela do segundo andar, suplicando para ser poupado.
“Vimos a fumaça entrando na nossa loja e escutamos as pedradas e foguetes. Gritei para o povo que a gente ainda estava lá dentro e então pararam de botar fogo no bar”, disse Mário. O medo deles era de que achassem que não tinha ninguém lá dentro e que queimassem o prédio. “A chapa ficou quente. Não tínhamos para onde correr se o fogo pegasse com força mesmo. Falei com eles para não botarem fogo aqui, que é como a nossa família sobrevive. Por isso desistiram”, disse Mário.
Uma estamparia que é vizinha da concessionária incendiada também chegou a ser invadida, mas a proprietária, Ana Lúcia Lázaro, de 34, e sua família conseguiram contornar a situação conversando com os manifestantes. “Disse para eles que aquele era nosso ganha-pão. Aí, quem tinha entrado resolveu desistir de saquear ou de botar fogo”, lembra. O marido dela, Ronaldo Lázaro, de 34, conta que um outro grupo tentou novamente invadir e ele fingiu que a polícia estava vindo. “Ficaram com medo e saíram correndo. Isso aqui foi um inferno hoje. Liguei para os bombeiros e disseram que não viriam, porque os manifestantes estavam armados. A PM também não quis vir”, conta.

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