segunda-feira, 17 de junho de 2013

O que você quer fazer antes de morrer?

Maneira como encaramos a morte está intimamente ligada à forma como levamos a vida. Conheça histórias de quem virou o jogo. E de quem não esperou para virar


Letícia Orlandi - Saúde Plena Publicação:17/06/2013 
A arquiteta Candy Chang instalou, em uma casa abandonada de seu bairro, um painel gigantesco com a frase: 'Antes de morrer, eu quero...'. De uma maneira de enfrentar a morte, o painel passou a uma catarse internacional e hoje já existe em 30 países (Trevor Coe / Before I Die / Divulgação)
A arquiteta Candy Chang instalou, em uma casa abandonada de seu bairro, um painel gigantesco com a frase: 'Antes de morrer, eu quero...'. De uma maneira de enfrentar a morte, o painel passou a uma catarse internacional e hoje já existe em 30 países
“Por que motivo a doença e a morte devem ser vistas como males intoleráveis que precisamos erradicar? Não será possível olhar para eles como bens necessários? Certo, certo: ninguém ama a doença e, tirando casos extremos, ninguém deseja morrer. Só que esse não é o ponto. O ponto é que, sem a doença e a morte, a vida não teria qualquer valor em si mesma. Os projetos que fazemos; as viagens com que sonhamos; os amores que temos, perdemos, procuramos; e até a descendência que deixamos – tudo isso parte da mesma premissa: o fato singelo de não termos todo o tempo do mundo. Vivemos, escolhemos, amamos – porque temos urgência em viver, escolher e amar. Se retirarmos a urgência da equação, podemos ainda viver eternamente. Mas viveremos uma eternidade de tédio em que nada tem sentido porque nada precisa ter sentido. Sem a importância do efêmero, nada se torna importante. (…) Viver até os cem? Agradeço. Cento e vinte também servem. Mas se me dissessem hoje mesmo que o meu futuro duraria uma eternidade, eu seria o primeiro a pular da janela sem hesitar.”
Em artigo recente, o escritor e doutor em ciência política português João Pereira Coutinho manifesta uma posição sobre a morte que contraria parte do pensamento mais corrente na nossa sociedade ocidental – a morte como mal intolerável – e, ao mesmo tempo, se aproxima da atitude mais encontrada entre os povos orientais. De acordo com a psiquiatra e psicoterapeuta Mariel Paturle, fundadora e ex-presidente da Sociedade de Tanatologia e Cuidados Paliativos de Minas Gerais (Sotamig) e do Grupo de Atendimento a Enlutados (GAL), nossa cultura não prepara as pessoas para lidar com a perda e com a morte. “Não queremos vivenciar o processo; e quem está passando por isso muitas vezes não tem onde procurar ajuda. São poucos profissionais que lidam diretamente com o tema”, define a psiquiatra.
A médica explica que alguns acabam se isolando durante o período de enfrentamento do luto – que, em média, pode durar de um a dois anos –, até mesmo porque as pessoas mais próximas acabam se cansando da conversa 'repetitiva' de quem passa pelo sofrimento.
Mas outros buscam ajuda – seja numa rede ampliada de amigos, redes sociais e blogs; seja apoio profissional. A lista de espera do grupo criado com apoio da Associação Médica em 2008 – com dezenas de pessoas - comprova essa situação.
Mesmo que motivo do luto varie – a perda de alguém próximo, o diagnóstico de uma doença grave, a perda de um emprego , a morte de um bichinho de estimação – e que cada caso seja um caso, é possível estimar algumas fases do processo:

 (Letícia Orlandi / ESP. EM / DA Press)
1ª: negação – algo está fora do lugar
2ª: barganhar para que a situação mude – é o momento em que se fazem promessas, se recorre ao lado espiritual
3ª: raiva – raiva pela perda ou de ter adquirido uma doença, por exemplo
4ª: não adianta mais negar – é geralmente quando se cai em depressão
5ª: aceitação

Essas cinco fases podem ser acompanhadas por outras, dependendo do caso, e não necessariamente seguem essa ordem, de acordo com Mariel Paturle. “O luto ou a perda são cercados de características individuais. Cada um age de acordo com seus recursos psicológicos e materiais. Há casos de mães, principalmente, que perdem os filhos, e dizem nunca superar essas fases. De qualquer forma, uma característica quase sempre está presente: não aceitamos bem a mudança”, explica a médica.
Mas, ainda que envoltas por essa cultura, algumas pessoas escolhem outros caminhos. É o caso da arquiteta Candy Chang, do jovem músico Zach Sobiech e da blogueira Cris Guerra. E há ainda as pessoas que não esperam um momento drástico para sentirem que a vida é curta, como Paula Abreu, que não só deu uma guinada na carreira, como resolveu ajudar outras pessoas a não perderem mais tempo.
Antes de morrer, eu quero...
Pessoas mais bem estruturadas, que contam com uma rede social forte e que reúnem condições financeiras estáveis podem ter mais chance de uma recuperação menos difícil. “Isso porque elas conseguem se dedicar a atividades como cinema, esportes, viagens; e também fazer terapia, ter acompanhamento médico, entre outras medidas”, explica a médica.
Quando perdemos alguém próximo, a experiência nos remete imediatamente à nossa própria morte. Posso morrer amanhã, será que estou conduzindo a minha vida da maneira como gostaria? “A morte traz o que é mais importante. Se alguém é diagnosticado com uma doença terminal, ela vai pensar em estar com a família e com os amigos e deixa de se preocupar com carros do ano e roupas, por exemplo. A grande lição da morte é deixar claro que precisamos viver todos os dias intensamente. Recebo, no meu consultório, pessoas que estava esperando a aposentadoria para viajar, fazer cursos, se dedicarem ao que gostam. Antes do tão sonhado dia, descobrem que têm uma doença grave e se arrependem de tudo que não fizeram”, diz Mariel Paturle.

Candy Chang (Before I Die / Divulgação)
Candy Chang
Motivada por uma experiência de perda, a arquiteta e planejadora urbana Candy Chang instalou, em uma casa abandonada de seu bairro em Nova Orleans (EUA), um painel gigantesco com a frase: Antes de morrer, eu quero... (Before I Die I want to…). De uma maneira de enfrentar a morte, o painel passou a uma catarse internacional e hoje já existe em mais de 150 cidades, 10 idiomas e 30 países. Clique para saber mais


Cris Guerra (Hoje vou assim / Divulgação)
Cris Guerra
Para Francisco

Há seis anos, a publicitária Cris Guerra estava grávida de Francisco. O pai dele, Guilherme Fraga Moreira dos Santos, teve um mal súbito aos 38 anos e não resistiu. “Logo que o pai do Francisco faleceu, algumas pessoas me sugeriram escrever um blog, mas eu não via sentido nisso. Quando a morte do Gui completou 6 meses, eu quis escrever uma carta para os amigos e usei uma figura de linguagem, como se eu escrevesse para o Francisco a respeito do pai. Neste momento, veio o insight: era para meu filho que eu precisava escrever, pois construindo para ele a memória do pai e registrando um pouco da minha história com o pai dele, eu me veria livre da angústia de um não conhecer o outro”, explica Cris. Clique para saber mais

Zach Sobiech e Sammy Brown ( J. Dunn Photography)
Zach Sobiech e Sammy Brown
Zach

E quando o luto chega antes de a pessoa ter tempo para qualquer arrependimento? Quando os médicos disseram ao estudante norte-americano Zach Sobiech, de 17 anos, que ele tinha apenas um ano de vida, ele resolveu se voltar para a música. Chegou ao coração de milhões de pessoas. Sua canção de despedida, "Clouds" (Nuvens) entrou no YouTube em dezembro de 2012 e havia tido, até a última sexta-feira (14), mais de 7 milhões e 200 mil visualizações. Com a melhor amiga, Sammy Brown, ele conseguiu completar um álbum, “Fix Me Up” e fazer algumas apresentações, mas ele mesmo chegou a dizer que nunca teve a pretensão de ficar famoso. Clique para saber mais


Paula Abreu (Paula Abreu / Divulgação)
Paula Abreu
Por que esperar?

A consultora Paula Abreu é da opinião de que não devemos ficar esperando pelo pior. Ela tinha a vida ‘perfeita’ - aos olhos dos outros - , mas não era feliz. “Já havia um bom tempo que eu acordava muito desestimulada todos os dias, às vezes chegava a chorar no carro a caminho do trabalho. Meu momento ‘aháááááá’ aconteceu um dia na praia, quando me dei conta de que preferia morrer a não fazer o trabalho que tinha nascido pra fazer. E uma indenização do meu último empregador foi o que viabilizou financeiramente a minha mudança de vida”, explica Paula, de 35 anos. Clique para saber mais


Você sabe quem você é?

O 'Livro Tibetano do Viver e Morrer', do lama Sogyal Rinpoche, tenta tornar acessível a outras culturas a visão da vida e da morte presente no 'Livro Tibetano dos Mortos'. “Todas as noite, antes de dormir, os monges deixam seus poucos pertences arrumados e até lavam seu copo de água antes de se deitar. Isso acontece porque eles não sabem se vão acordar para um novo dia ou uma nova vida, e tudo tem que estar pronto para o próximo que for ocupar aquele espaço”, conta Mariel Paturle.
A psiquiatra explica que o grande problema em relação ao luto pode ser, na verdade, que nós não sabemos quem somos. “Em outras culturas, a noção de que somos seres espirituais e de que há continuidade faz com que a morte não seja encarada de forma negativa. Já no ocidente, a espiritualidade aparece na forma de fé, religião. De qualquer forma, pela minha experiência, só o fato de ter alguma crença já ajuda no enfrentamento do luto. As pessoas mais materialistas ficam mais angustiadas”, afirma a médica.

Mariel ensina: pergunte a si mesmo pelo que vale a pena viver. “Faça uma listinha e jogue seu foco sobre ela, todos os dias. Faça essa lista acontecer”, explica.

Associação Médica de Minas Gerais
Grupo gratuito de apoio aos enlutados
Recomenda-se que a pessoa procure o grupo dois meses após a perda
Os encontros acontecem na segunda-feira à noite. No total, são realizados oito encontros.
Contato: 31 3247-1616

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