Relatório inédito indica ‘dano injustificado’ na
compra pela Petrobras
por Vinicius
Sassine
30/06/2014
6:00
Refinaria de Pasadena, nos EUA: a Secretaria de
Controle Externo (Secex) de Estatais do TCU elaborou um parecer técnico de 17
páginas com apontamentos de indícios de irregularidades na negociação da
Petrobras - Terceiro / Agência Petrobras
BRASÍLIA
— Um relatório inédito da área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU)
indica que os gestores da Petrobras causaram um dano de pelo menos US$ 126
milhões aos cofres da estatal por terem desconsiderado um laudo de avaliação da
refinaria de Pasadena, elaborado por uma consultoria contratada pela própria
companhia e com apontamento de um preço do empreendimento inferior ao que
acabou sendo pago. O documento do TCU, obtido pelo GLOBO, cita ainda que a
estatal declarou ter pago US$ 170 milhões pela metade de um estoque que não
valeria US$ 66,7 milhões.
Os
auditores do TCU consideram que, no caso dos estoques, há indício de
irregularidade na maneira como a Petrobras tratou do assunto. A estatal
informou ao mercado que pagou os US$ 170 milhões por estoques de produtos que
estavam na refinaria na época da compra. Mas, ao analisar os detalhes do contrato,
os auditores dizem que essa cifra efetivamente paga e declarada ao mercado não
tinha relação com os estoques. Era de outra natureza, fazia parte de ajuste de
preço na transação comercial.
Os
indícios de irregularidades são citados no primeiro parecer técnico elaborado
pela Secretaria de Controle Externo (Secex) de Estatais do TCU, responsável
pelo amplo pente-fino realizado no processo de compra da refinaria de Pasadena,
no Texas. O procedimento foi instaurado em fevereiro de 2013, sob a relatoria
do ministro José Jorge. Em 27 de novembro, o diretor da Secex Bruno Lima
Caldeira, supervisor da fiscalização, concluiu um documento de 17 páginas com
apontamentos de indícios de irregularidades na aquisição de Pasadena.
GESTORES
‘CONHECIAM’ PARECERES
Trata-se
de um “exame técnico” preliminar, a partir das primeiras descobertas das
equipes de auditoria. As investigações prosseguem até a conclusão do relatório
final, que será submetido ao gabinete do ministro para, então, ser apreciado em
plenário. A Petrobras continua fornecendo diversos documentos para tentar
derrubar os indícios de irregularidades.
No
documento, é possível saber pela primeira vez — todo o processo é sigiloso —
quem são os gestores listados no rol de supostos responsáveis pelo negócio. Os
integrantes do Conselho de Administração e da Diretoria Executiva da Petrobras
na ocasião da aprovação da compra, em 2006, são listados como responsáveis a
serem investigados. Entre eles, estão a presidente Dilma Rousseff, que presidia
o conselho quando era ministra da Casa Civil; o ex-presidente da Petrobras José
Sergio Gabrielli; e os ex-diretores Nestor Cerveró, da Área Internacional, e
Paulo Roberto Costa, de Abastecimento, este último preso no Paraná por conta de
supostos desvios e lavagem de dinheiro de obras da estatal.
O nível
de responsabilidade dos conselheiros na compra da refinaria é um dos pontos
analisados pelas auditorias. O relatório da Secex Estatais cita, na página 5,
que conselheiros e diretores “tinham conhecimento” dos pareceres da Área Internacional
sobre a compra da refinaria. Um desses pareceres foi “um dos principais
instrumentos técnicos de persuasão que levaram tanto a Diretoria Executiva
quanto o Conselho de Administração a aprovarem a primeira oferta para a compra
de 70% das ações da refinaria”.
O parecer
da Área Internacional mencionava a consultoria Muse Stancil, que avaliou
Pasadena por um preço inferior ao valor efetivamente pago. Anexado a esse
parecer estava o documento da área jurídica da Petrobras que analisou a compra
da refinaria. No documento, é citada a existência da cláusula contratual de put
option, que obrigava a aquisição integral do empreendimento em caso de litígio.
A versão
da presidente Dilma é de que o aval à compra de 50% da refinaria ocorreu por
conta de um “parecer falho” elaborado por Cerveró. Ele omitiu do sumário
executivo levado à reunião do conselho a existência da put option e de outra
cláusula contratual, a marlim, que garantiria dividendos mínimos à Astra em
caso de prejuízos. Dilma alegou não ter tomado conhecimento de nenhuma das duas
cláusulas.
A
auditoria do TCU sustenta que os conselheiros decidiram pela compra da primeira
metade da refinaria com base em estudo de viabilidade técnica e econômica
elaborado pela Petrobras, que apontou um valor de US$ 745 milhões a Pasadena.
Mas, ressalta o primeiro exame técnico do TCU, eles também tinham conhecimento
do parecer da Área Internacional com a citação à consultoria Muse Stancil. O
valor a ser pago por 100% da refinaria, no estado em que se encontrava em janeiro
de 2006, era de US$ 126 milhões, conforme o laudo de avaliação da Muse citado
na auditoria.
“Fica
constatado indício de irregularidade grave na prática de gestão de ato
antieconômico por parte dos gestores da Petrobras que, ao desconsiderarem laudo
elaborado pela Muse, compraram 50% da refinaria por US$ 189 milhões, resultando
injustificado dano aos cofres da companhia no montante de US$ 126 milhões”,
cita o parecer técnico. Com os estoques, o valor desembolsado na primeira
metade de Pasadena foi de US$ 360 milhões. Após uma longa disputa arbitral e
judicial, os outros 50% do empreendimento foram adquiridos pela Petrobras, que
desembolsou ao todo US$ 1,249 bilhão.
O “erro
de estratégia” na compra da primeira metade foi admitido em relatório da área
técnica da estatal, conforme o documento do TCU. Os técnicos reavaliaram em
2010 o estudo de viabilidade econômica e concluíram que deveriam ter sido
consideradas “possíveis diferenças de pontos de vista entre comprador e
vendedor”.
O
relatório do TCU considera “inadmissível” a concessão da Petrobras à Astra de
uma receita bruta de comercialização dos estoques de US$ 170,2 milhões. “O
pagamento dessa alocação especial foi garantido mesmo que as receitas brutas da
trading fossem insuficientes”, cita o documento.
Cláusulas
contratuais, ainda segundo o parecer, corroboram que o valor pago não
correspondia aos estoques da época. "O valor encontrado pela Astra para o
inventário líquido a ser pago pela Petrobras seria de US$ 66,7 milhões. Em
nenhuma situação haveria pressuposto para um pagamento de US$ 170 milhões por
conta da aquisição dos estoques."
O parecer
faz duras críticas às condições em que foi estabelecida a cláusula contratual
de put option, que teriam sido favoráveis apenas à Astra. Os pagamentos por
estoque da refinaria, decorrente da aplicação da cláusula, teriam levado a um
prejuízo de US$ 150,2 milhões. Pagou-se por um bem que não existia, segundo a
Secex. Ainda conforme o relatório, o valor pago na entrada do negócio chegou a
US$ 644 milhões, superior aos US$ 360 milhões informados pela estatal.
O
entendimento técnico do TCU é de que a Petrobras deveria ter “partido
diretamente para a arbitragem” na compra da segunda metade da refinaria. Uma
carta de intenções elaborada por Cerveró fez a proposta de US$ 700 milhões
pelos 50% restantes. “O laudo arbitral fixou o valor referente ao put option da
refinaria em US$ 300 milhões, menos da metade do que o senhor Nestor Cerveró
aceitava pagar pela via negocial.” A segunda metade da refinaria, depois de uma
longa disputa judicial, saiu por US$ 820,5 milhões.
TCU QUER
MAIS ESCLARECIMENTOS
O
relatório conclui que o “elevado grau de complexidade” demanda maiores
esclarecimentos por parte da Petrobras, antes de um pronunciamento definitivo
da unidade técnica sobre os indícios de irregularidades. Somente depois dessas
explicações é que a unidade deliberaria sobre pedido de audiência dos
responsáveis ou abertura de tomadas de contas especiais para pedido de
ressarcimento aos cofres públicos.
A decisão
de realizar uma audiência — o que pode ocorrer com a presidente Dilma — é do
ministro relator do processo, José Jorge. A opção pela audiência indica que o
responsável não tem culpa por danos financeiros, mas por má gestão ou por uma
determinada irregularidade, o que acarretaria a aplicação de multa. A
necessidade de ressarcimento, por sua vez, leva à citação dos investigados.
José
Jorge tem mantido o silêncio sobre o processo. Não há previsão de quando ele
receberá o relatório final, elaborará o voto e levará o processo a plenário. O
ministro se aposenta em novembro. Ele é ex-senador pelo PFL (hoje DEM) de
Pernambuco, foi candidato a vice-presidente na chapa de Geraldo Alckmin (PSDB)
em 2006 e ministro de Minas e Energia no fim do segundo mandato de Fernando
Henrique Cardoso (PSDB), ocasião em que presidiu o Conselho de Administração da
Petrobras.
Por conta
do processo que conduz no TCU, José Jorge entrou no foco dos governistas da
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) mista da Petrobras. Eles querem
convocá-lo para um depoimento sobre supostas irregularidades cometidas no
período em que esteve à frente do conselho da estatal.
O GLOBO
procurou a assessoria de imprensa da Petrobras no início da tarde de ontem, mas
não houve resposta aos questionamentos até o fechamento desta edição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário