Cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, IPCC
na sigla em inglês, divulgaram na noite deste domingo (30) o segundo
capítulo de um relatório sobre o clima global e concluíram que são
"altamente confiáveis" as previsões de que danos residuais ocorram em
diferentes partes do planeta na segunda metade deste século.
E isso deve acontecer mesmo se houver corte substancial de emissões de gases de efeito estufa nos próximos anos.
Chamado de "Sumário para os Formuladores de Políticas, o texto, que
analisou o impacto, adaptação e vulnerabilidade do planeta mediante às
mudanças climáticas, aponta ainda que a população pobre, principalmente
de países tropicais, como o Brasil, será a mais afetada por situações de
seca e inundação, com risco de insegurança alimentar, caso não haja
planejamento para adaptar culturas agrícolas às possíveis realidades.
O documento é o segundo volume do quinto Relatório de Avaliação elaborado pelo painel da Organização das Nações Unidas (
ONU)
e as informações são complementares ao primeiro capítulo do relatório,
divulgado em setembro passado, que abordava A Base das Ciências Físicas.
Nele há afirmações sobre o estado climático atual e previsões de como
será a mudança global até 2100 (leia mais sobre o primeiro capítulo no
fim deste texto).
Elaborado após uma semana de calorosas negociações em Yokohama, o
capítulo vai ajudar a trilhar negociações entre governos para criar uma
política internacional que reduza as emissões de gases e, com isso,
frear o aquecimento global. Uma terceira parte do relatório deve ser
divulgada ainda este ano.
Vulneráveis ao clima
O segundo capítulo do relatório aponta que populações pobres que vivem
em regiões costeiras podem sofrer com mortes e interrupções dos meios de
subsistência devido ao aumento do nível do mar e que altas temperaturas
em regiões semi-áridas poderão causar grandes perdas para agricultores
com poucos recursos, o que aumentaria o risco de insegurança alimentar.
Regiões tropicais da África, América do Sul e da Ásia devem sofrer com
mais inundações, devido ao aumento de tempestades. Regiões já
vulneráveis, que registram constantemente enchentes e deslizamentos de
terra, como o Sudeste do Brasil, podem sofrer graves consequências com o
acréscimo do volume de chuvas.
Sistema Cantareira: falta de água abriu crise entre
SP e RJ (Foto: Reprodução/EPTV)
Sobre os recursos hídricos, o texto afirma que há fortes evidências de
uma redução da oferta de água potável em regiões subtropicais secas, o
que aumentaria disputas entre regiões pelo uso de bacias hidrográficas –
algo semelhante ao que acontece atualmente entre os estados de São
Paulo e Rio de Janeiro, com a disputa pelo uso da água do Rio Paraíba do
Sul para abastecer o Sistema Cantareira.
O texto estima também uma elevada perda de espécies de plantas e
animais pela pressão humana, como a poluição e o desmatamento de
florestas, além de redução dos recifes de corais no Caribe e costa de
países tropicais, como o Brasil, por conta da acidificação, fenômeno
causado pelo excesso de CO2 na atmosfera.
Impactos no Brasil
José Marengo, pesquisador do Centro de Ciência do Sistema Terrestre,
ligado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), é um dos
autores do novo capítulo elaborado pelo IPCC. Ele conversou com o
G1 direto de Yokohama, onde aconteceu a conferência, e detalhou o impacto da mudança climática sobre o Brasil.
Veja os principais destaques:
- Recursos hídricos: possível redução da oferta de água potável em regiões subtropicais secas e aumento de disputas por água;
- Biodiversidade: projeções sugerem uma elevação do
risco de extinção de espécies no século 21 por pressões como a poluição e
o aumento de espécies invasoras;
- Ecossistema marinho: há risco de queda de
populações em áreas tropicais devido ao aumento da temperatura e à
acidificação. Rendimentos de pesca devem cair;
- Produção de alimentos: sem adaptação e com elevação
da temperatura 1ºC, cultivo de arroz, trigo e milho em regiões
tropicais, como na América do Sul, podem sofrer impacto negativo.
- Amazônia: foi reduzida a ameaça de savanização pelo aumento da temperatura;
- Inundações: populações de áreas costeiras devem
sofrer com aumento do nível do mar. Nas cidades, maior quantidade de
chuvas deve causar enchentes e deslizamentos de terra.
Segundo Marengo, que cuidou do trecho sobre as Américas Central e do
Sul, foi reduzida a ameaça de savanização da Amazônia pelo aumento da
temperatura entre 2ºC e 4ºC até 2100, conforme diagnóstico divulgado em
2007 pelo próprio IPCC.
Isso, segundo ele, não diminui a preocupação sobre o bioma, que pode
sofrer graves consequências por alterações no regime de chuva,
desmatamento e temperatura maior no leste e sul amazônicos.
“O que se observa agora é que a floresta amazônica deve resistir.
Talvez a situação não seja tão grave, mas a preocupação persiste”.
Ele explica ainda que regiões como o Sudeste do Brasil, a região de
Buenos Aires, na Argentina, e localidades nos Andes devem sofrer com o
excesso de chuvas, principalmente cidades que já são vulneráveis
atualmente, com registros de alagamentos e deslizamentos de terras. “Os
extremos ficarão constantes. No futuro, deverá ocorrer muita chuva
acumulada em poucos dias, além de mais dias secos e de mais calor”,
explica.
Adaptação na agricultura
O texto traz também informações sobre a necessidade dos países
investirem na adaptação de diversas áreas para enfrentar as mudanças no
clima. Um dos pontos principais é sobre a questão agrícola.
O brasileiro Marcos Buckeridge, também autor do texto do IPCC, explica
que a segunda parte do relatório alerta governos sobre possíveis danos à
produção de alimentos que podem ser evitados com investimentos na
biotecnologia e em técnicas que possibilitem um plantio de qualidade em
áreas já degradadas, sem a necessidade de expansão para regiões
preservadas – o que resultaria em desmatamentos.
Ele conta que isto evitaria perdas na produtividade causadas pelo
aumento de CO2. Se por um lado o excesso desse gás contribui no
crescimento de arroz, soja ou milho, por exemplo, as emissões reduzem o
teor de proteína das sementes e podem provocar queda na qualidade do
alimento. Isso afetaria a produção de comida para abastecer a população
mundial, em constante crescimento.
O que se observa agora é que a floresta amazônica deve resistir.
Talvez a situação não seja tão grave, mas a preocupação persiste"
José Marengo, pesquisador do Inpe e um dos autores do IPCC
“Como medida de adaptação sugerimos que lancemos mão de tudo que pudermos para ajudarmos as plantas”, disse o pesquisador.
Previsões científicas
O primeiro capítulo, divulgado em 2013, afirmava que há mais de 95%
(extremamente provável) de chance de que o homem tenha causado mais de
metade da elevação média de temperatura registrada entre 1951 e 2010,
que está na faixa entre 0,5 a 1,3 grau.
O documento apontava ainda que o nível dos oceanos aumentou 19
centímetros entre 1901 e 2010, e que as concentrações atmosféricas de
dióxido de carbono, metano e óxido nitroso aumentaram para "níveis sem
precedentes em pelo menos nos últimos 800 mil anos".
Sobre as previsões, a primeira parte trouxe também a informação de que
há ao menos 66% de chance de a temperatura global aumentar pelo menos
2ºC até 2100 em comparação aos níveis pré-industriais (1850 a 1900),
caso a queima de combustíveis fósseis continue no ritmo atual e não
sejam aplicadas quaisquer políticas climáticas já existentes.
Os 259 pesquisadores-autores de várias partes do mundo, incluindo o
Brasil, estimaram ainda que, no pior cenário possível de emissões, o
nível do mar pode aumentar 82 centímetros, prejudicando regiões
costeiras do planeta, e que o gelo do Ártico pode retroceder até 94%
durante o verão no Hemisfério Norte (
leia mais).