sábado, 31 de janeiro de 2015

O dia em que morri



31/01/2015
No dia em que morri o sol nasceu e se pôs normalmente. 
Em alguns lugares, frio e tímido, 
em outros calientes, comoventes.
 
No dia em que morri,
os jornais estamparam em suas primeiras páginas,
velhos temas recorrentes:
escândalos políticos, agressões ao meio ambiente.
 
Nas páginas nobres,
editoriais impotentes reclamaram. 
do Brasil incompetente, 
Nas colunas de fuxicos,
tudo bem na novela que vem.
 
No dia em que morri,
o aquecimento solar continuou 
esquentando o planetinha,
queimando a alma dela
e não mais a minha.
 
Fogo do inferno? De que demônios?
No dia em que morri,
o casal de namorados continuou namorando
de mãos dadas na Praça da Liberdade,
aquele namoro apaixonado, apaixonado.
 
Comiam pipoca, beijavam
beijos de língua, sorriam sorrisos soltos,
vigiados pelo olhar invejoso
da funcionária pública que abandonara sua
tarefa burocrática para deixar-se divagar, debruçada na
janela da repartição, sobre a iniquidade da
existência humana.
 
Foi um dia qualquer aquele em que morri.
 
Para a meninada do jardim de infância defronte
a minha casa minha morte não incomodou em nada:
os garotos corriam atrás da bola; as meninas
brincavam de roda, enquanto os professores, 
aproveitando o intervalo do recreio, 
tomavam cafezinho com pão de queijo,
queixavam-se dos baixos salários, da carga horária,
falavam mal do diretor.
 
Foi um dia muito chato para os amigos, o dia em que morri.
 
Surpreendidos pelo fato, tristes, mas não muito,
os que foram ao enterro bateram altos papos no velório,
riram das mentiras que contei e criticaram
as bobagens que cometi (inclusive a de morrer daquele jeito)
 
Para a minha família, susto e uma trabalheira
danada o dia em que morri:
chama o médico, prepara atestado de óbito,
negocia com o seguro, garante a cova no cemitério,
engole as exigências da burocracia.
que nem nesse dia leva a gente a sério.
 
No dia em que morri, o escritor continuou escrevendo,
o ladrão roubando, os políticos mentindo (e também roubando), 
polícia matando, 
as putas trabalhando, o dinheiro acabando.
No dia em que morri,
Passou boi, passou boiada
patati, patatá
pato aqui, pato acolá.
 
No dia em que morri,
duas lágrimas rolaram no rosto daquela moça:
uma de quase tristeza; outra de certo alívio.
No dia em que morri, 
A morte me colheu plantando sonhos.

José Eutáquio de Oliveira
redacao@hojeemdia.com.br

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