quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Não, seres humanos nunca viverão fora da Terra


Publicado em 24.11.2015
estacao espacial
Viajar para outras estrelas é um sonho antigo. Os primeiros avanços científicos – chegar na lua em 1969, enviar robôs à Marte em 1976 – pareciam dizer que esse caminho seria fácil.
A ideia se espalhou como fogo no imaginário popular através da cultura mundial, principalmente por meio da ficção científica. A diáspora impressionante da humanidade pela galáxia marcaria a nossa maturidade e sucesso como espécie, e nos permitiria sobreviver à própria Terra, em caso de uma catástrofe natural ou destruição artificial.

No entanto, hoje sabemos muito mais sobre o universo e a verdadeira possibilidade de viagem interestelar do que nunca. Infelizmente, está na hora de admitirmos: não é provável que humanos morem em qualquer outro lugar do vazio imenso lá fora. A Terra é e sempre será a nossa única casa.

Não há plano B

Essa é a opinião de Kim Stanley Robinson, um autor de ficção científica norte-americano conhecido pela Trilogia de Marte. Esse ano, ele lançou uma nova obra, “Aurora”, ainda sem tradução para o português.
Apesar de ter escrito sobre isso inúmeras vezes, Robinson crê que nunca sairemos daqui. Morar fora da Terra é material apenas de ficção, mesmo.
E, enquanto para algumas pessoas essa conclusão é perturbadora e pessimista, não precisa ser. Se finalmente aceitarmos isso, podemos alterar a forma como agimos como indivíduos e civilização.
Essas mudanças são cruciais para os nossos descendentes. Esqueça um plano B! Precisamos tratar a Terra com a dignidade que ela merece, pois, se acabarmos com esse planeta, não há escapatória a não ser a extinção.

Por que não?

Os problemas que nos impedem de nos mudar para outros planetas e sistemas estelares são muitos e de diferentes categorias – físicos, biológicos, ecológicos, sociológicos e psicológicos. Poderíamos ainda adicionar econômicos, mas esses problemas são triviais em comparação com o resto.
Filmes como “Interestelar” nos enganam a pensar que ir para outra estrela é fácil. Mas a realidade é que eles usam milhares de ideias completamente teóricas e fingem que existem simples soluções práticas para elas. Não é verdade. Viagem mais rápida que a luz? Hibernação com total preservação do corpo? Buracos de minhoca os quais podemos percorrer?
São conceitos científicos, sim, mas 100% hipotéticos. Não estamos lá ainda. E precisamos encarar o fato de que talvez nunca estaremos.

Problemas físicos

Fisicamente, o principal problema é que as estrelas estão muito longe.
Esqueça viagem mais rápida do que a luz. Segundo Robinson, isso não vai acontecer. É uma conveniência empregada para fomentar uma grande história, mas qualquer plano realista para chegar às estrelas exigirá viagens mais lentas, no melhor dos cenários, com um décimo da velocidade da luz.
As estrelas mais próximas estão a quatro anos-luz de distância, mas não rola morar lá. Seus planetas não são amigáveis para nós. Tau Ceti, a doze anos-luz de distância, é conhecida por ter planetas em sua zona habitável. Pensando em aceleração e desaceleração mais tempo de percurso, podemos colocar que levaremos 200 anos para chegar lá.

Ou seja, uma travessia até mesmo às estrelas mais próximas exigiria um esforço de múltipla geração. Isto sugere uma nave grande e complicada, carregada de plantas, animais e humanos para popular o novo mundo, que teria de funcionar no meio interestelar por dois séculos ou mais, sem possibilidade de reabastecimento e com chances limitadas de reparação.
Ainda, em termos de problemas puramente físicos, na velocidade com que a nave viajaria, qualquer coisa “leve”, com um par de quilos, que batesse nela, causaria um impacto catastrófico. E sabe como é, o universo não é um caminho limpo.
Por fim, a nave estaria exposta a muito mais radiação do que na Terra. Os efeitos disso não são totalmente conhecidos, mas não parecem bons. Qualquer revestimento contra essa radiação acrescentaria peso à nave, o que apenas levaria a outras dificuldades.

Problemas biológicos

Se até aqui parece ruim, vale lembrar que problemas biológicos são mais difíceis de resolver do que os puramente físicos, por serem muito mais complexos.
A nave seria algo como uma ilha, muito mais isolada do que qualquer uma na Terra. O sucesso reprodutivo e evolutivo das gerações de pessoas, plantas e animais seriam prejudicados com o tempo, pelos limites genéticos, de recursos e por doenças. Que tipo de mutações e adaptações ocorreriam?
Como bactérias tendem a evoluir a taxas mais rápidas do que os mamíferos, o completo isolamento ainda poderia levar ao desenvolvimento de um conjunto de organismos bastante diferente do que a nave começou. Não há como impedir que essas bactérias viajem. Mesmo com a melhor limpeza da nave possível, todos os mamíferos possuem um grande número de bactérias dentro deles.
Essa mudança genética mais rápida na comunidade bacteriana poderia se tornar um grande problema para os animais maiores. 80% do DNA em nossos corpos não é humano. Somos mais do que indivíduos, somos biomas, como pequenas florestas ou pântanos. A maioria das criaturas dentro nós precisa funcionar bem para o sistema como um todo ser saudável. Este é um ato de equilíbrio difícil, que não funciona perfeitamente mesmo na Terra – doenças e condições bizarras estão aí para provar isso. Fora daqui, então, é um mistério.
Por fim, mesmo a maior nave espacial teria cerca de um trilionésimo do tamanho da Terra. Esta miniaturização necessária quase certamente levaria a efeitos desconhecidos em nossos corpos.

Problemas ecológicos

Cada coisa viva é um sistema ecológico em miniatura. Nem sabemos teorizar quais seriam os problemas criados pelo fluxo metabólico de substâncias em um sistema de suporte de vida biológica fechado e isolado por tanto tempo.
Estes fluxos teriam que manter o equilíbrio dentro de parâmetros bastante apertados, evitando quaisquer rupturas ou bloqueios. A Terra experimenta grandes fluxos ecológicos ao longo do tempo, com acúmulos de certos elementos (oxigênio na atmosfera, carbono em rochas sedimentares) que forçam processos evolutivos: o que estiver vivo naquele momento tem de se adaptar às novas condições ou será extinto.
Não seria legal ser extinto no meio da missão, certo? O problema é que quaisquer problemas ecológicos que surgirem provavelmente não poderão ser resolvidos, afinal, não tem como adicionar ou mudar qualquer coisa ao sistema fechado.
Basicamente, as chances de falha são imensas. Um sistema ecológico perfeito é impossível. A Terra não é um, e um sistema isolado um trilhão de vezes menor provavelmente também não vai ser.

Problemas sociológicos e psicológicos

Viver em uma pequena e isolada comunidade pode ter consequências psicológicas terríveis.
Para começar, a nave precisará de uma organização política, seja ela militar ou anárquica, hierárquica ou democrática. A própria situação pode ser chamada de totalitária, no entanto. Isso porque vai exigir determinados comportamentos para garantir a sobrevivência. Os seres humanos viajando para outro planeta ou estrela não terão muita escolha. Não poderão fazer o que quiserem, ou nada. Precisarão desempenhar determinadas funções em nome do sucesso da missão. Alguém vai ter que liderar.
Estar em uma comunidade isolada, seja na nave ou quando chegar ao destino, sabendo que existe uma população humana muito maior na Terra, pode ainda parecer como um exílio. Ou pode ser como nascer e viver uma vida inteira na prisão.
Essa é uma receita para o desastre psicológico. Além do estresse e da pressão, se alguém enlouquecer e ameaçar sua própria vida ou à dos outros, os humanos da missão ainda teriam que conviver com o medo.
Claro que as pessoas são adaptáveis. Pode ser que se acostumem a viver em confinamento. Pode ser que perdoem as pessoas que fizeram essa escolha por eles (os que nascerem depois, já que estamos falando de múltiplas gerações). Mas nós sabemos como a personalidade humana funciona. As coisas podem ficar muito ruins muito rápido.

Mesmo se conseguirmos chegar a um novo mundo…

Mesmo com as melhores das tecnologias, só poderíamos alcançar uma pequena parte da galáxia. 1% da Via Láctea, digamos. Já sabemos que os planetas do nosso sistema solar são todos péssimos para a vida humana, mas 1% da galáxia ainda inclui um monte de estrelas, e pode ser que alguma seja razoavelmente boa para nós.
Mas nenhuma é exatamente como o nosso sol, ou tem um planeta exatamente igual a Terra. Como não temos o luxo de ficar passando de planeta em planeta para ver qual é o mais ideal, teríamos que simplesmente ARRISCAR baseado nas informações precárias que temos. As chances de insucesso são imensas.
Se todos esses milhares de problemas forem contornados, o que é extremamente improvável, o planeta ou lua que será o nosso novo lar vai ainda apresentar seus próprios problemas. Se tiver uma atmosfera mesmo ligeiramente diferente, isso significa que o confinamento vai continuar mesmo após a longa viagem, afinal, não sobreviveríamos respirando o ar fora de ambientes controlados. Será que isso é mesmo vida?

Ainda se o impossível for só questão de opinião e todas as condições forem ideais, restaria uma tarefa enorme: adaptar o novo planeta para a vida terráquea, o que levaria muitos anos, possivelmente séculos, dependendo das condições e recursos. Com uma única nave para alimentar esse esforço, você já pode imaginar que não será fácil. É maravilhoso como diversas comunidades fora da Terra surgem de repente no filme “Interestelar”, mas não é à toa que nada da formação dessas comunidades foi mostrado.
E isso sem considerarmos sequer a possibilidade de existência de vida alienígena. Seria uma surpresa boa chegar em um novo planeta e dar de cara com seres estranhos? Talvez. Ou talvez seria um gigantesco problema.

Se as chances são minúsculas, devemos tentar?

A lição que fica não é desistir, mas sim redefinir.
Quando consideramos como devemos nos comportar agora, devemos ter em mente que a ideia de que se destruirmos a Terra teremos outro lugar para ir é simplesmente falsa.
“Eu não estou dizendo que não devemos ir para o espaço; devemos. Devemos enviar pessoas para a lua, para Marte, para asteroides, e para cada lugar que pudermos no sistema solar”, afirma Robinson.
Segundo o escritor, isso é útil para nos ajudar a projetar um relacionamento de longo prazo com a própria Terra. “A ciência espacial é uma ciência da Terra. O sistema solar é o nosso bairro. Mas as estrelas estão muito longe”, conclui.
Nosso planeta é inacreditavelmente incrível – é singular em todos os sentidos, até onde sabemos. Ao invés de sonhar com ficções impossíveis, precisamos cuidar com todo o carinho do único mundo vivo conhecido possível no universo. [BoingBoing]

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