quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Uns gritam “Fora, Dilma!”; outros gritam “Fora, Cunha!” Ora, os decentes podem e devem gritar “Fora, Dilma e Cunha!”

PSDB fez muito bem em romper com o presidente da Câmara; a política não tem o pudor dos santos, mas tem de ter o limite dos justos

Por: Reinaldo Azevedo
O PSDB rompeu politicamente com Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Fez muito bem! À diferença do que avaliam alguns analistas, incluindo gente que respeito, não acho que o partido se comportou mal na relação com o presidente da Câmara. Ou que fez uma aposta errada. Ou ainda que levou longe demais a tolerância com um deputado enrolado. Sim, a questão é ética, a questão é moral e, sendo essas duas coisas, é política, o que comporta zonas de ambiguidade que não podem se confundir com concessão à bandalheira — não quando se é sério. E não acho que o PSDB tenha feito isso
Vamos lá. Ambiguidade não faltou também ao PT nesses últimos tempos na sua relação com o presidente da Câmara, não é mesmo? Aliás, ela continua. Lula chega a Brasília para tentar selar um pacto com o deputado, enquanto as franjas da legenda vão às ruas gritar “Fora, Cunha”, a exemplo do que farão, de novo, nesta quinta em São Paulo. Durante um bom tempo, ainda que se avolumassem as suspeitas contra o parlamentar, o jogo de bastidores consistia em deixar Cunha de lado, para que o PT fizesse a festa, ou tentar atraí-lo para a possibilidade do impeachment.
E assim era não por causa da biografia de Cunha — e o que dela se conhecia até então. Mas porque ele era e ele é ainda o presidente da Câmara. E o foi, reitero, com virtudes explícitas. Quando Cunha for cassado — e acho que ele será, nesse mandato ou num eventual próximo —, à sua saída, eu o aplaudirei por ter ajudado a enterrar a reforma política aloprada do PT e por ter contribuído para impedir a bolivarianização do Supremo.
Se a política, no entanto, dispensa o pudor dos santos — porque santo ninguém é —, não pode dispensar os limites dos justos e do estado de direito. Cunha não pode mais continuar a presidir a Câmara com o que já se sabe sobre ele. As suas explicações para as contas que ele agora admite esbarram no ridículo. Perdem em qualidade para a malfadada “Operação Uruguai” (pesquisem a respeito), por meio da qual Fernando Collor tentou explicar um dinheiro sem explicação.
 
A “Operação Zaire-Carne Enlatada” de Cunha conferiu ares de bufonaria ao que já não parecia nem era sério. Ficou tudo muito ruim. Reportagem da Folha desta quinta evidencia ser falsa a versão que ele apresentou, segundo a qual nunca havia movimentado dinheiro depositado em uma de suas contas na Suíça por um lobista investigado na Operação Lava Jato. Extratos enviados à Procuradoria-Geral da República mostram que os recursos foram movimentados duas vezes no ano passado. Uma parte foi aplicada em ações da Petrobras e o restante foi transferido para uma conta de uma empresa de Cingapura que tem o próprio Cunha como beneficiário.
Não dá! Não é possível presidir a Câmara assim. Claro, enquanto continuar no cargo, caberá a ele acatar ou não uma denúncia contra a presidente da República. Isso é prerrogativa institucional, não pessoal. Ocorre que ele não pode mais estar naquela cadeira É simples assim.
Mais: resta evidente que o jogo do deputado, até ontem, era acenar com possibilidades para governistas e oposicionistas no intuito de barrar a denúncia contra ele por quebra de decoro ainda no Conselho de Ética. Paulinho da Força (SDD-SP), seu lugar-tenente, ficava fazendo acenos à oposição; Cunha, ele mesmo, conversava com Jaques Wagner e, por intermédio deste, com Lula.
Eventualmente livre, então, do processo no Conselho de Ética ao menos, ele decidiria a favor de um lado ou de outro. Não vou cair na armadilha petralha de indagar se, com essa biografia, ele pode ou não aceitar uma denúncia, Ora, isso me obrigaria a perguntar se Dilma pode continuar com as prerrogativas de presidente da República. Enquanto preservarem seus cargos, são titulares das responsabilidades a eles inerentes.
Mas as responsabilidades de partidos de oposição vão além do “fica ou sai, Dilma”. Cunha fez do “acata não acata a denúncia” a sua tábua de salvação, especialmente depois que passou a ser gerenciado por Lula, sabe-se lá com quais promessas. Mas o horizonte de quem pode governar o país depois das Sete Pragas do lulo-petismo transcendem a permanência ou não de Dilma no poder.
Até porque é maltratar a realidade achar que uma eventual recusa de Cunha, agora, encerra a questão e garante a Dilma o mandato até 2018. Eu já escrevi aqui e reitero: comprar o povo brasileiro vai ser bem mais difícil do que conquistar o apoio de parlamentares com um cargo ou outro. Ademais, outras denúncias podem ser apresentadas à Câmara. E nunca se sabe o que vem por aí.
Com o que já se sabe sobre Cunha e, dadas as suas justificativas, não restou ao PSDB alternativa. De resto, o deputado, que já tem tantas explicações a dar, não pode confundir a sua biografia com a do país, não é mesmo? Não é correto lhe conceder a licença para tratar uma denúncia contra Dilma apenas segundo o seu interesse pessoal.
Caminhar até determinado ponto com Cunha era só matéria de responsabilidade. À medida que ele conseguiu piorar o que já era ruim, matéria de responsabilidade passou a ser romper as relações políticas com ele.
Sim, sim… Rodrigo Janot, procurador-geral da República, executou nesse caso a grande arte. Ao levar o presidente da Câmara para o centro do petrolão e ao manter longe do furação o Executivo, o que é piada, fez o jogo do establishment com habilidades de fino estrategista. O que eu lamento é que o tenha feito aproveitando dados da real biografia de Cunha, não os eventualmente retirados de um livro de ficção.
Alguns podem gritar de um lado: “Fora, Dilma!”.
Outros podem gritar do outro: “Fora, Cunha!”.
Que mal há em que os decentes gritem “Fora, Dilma! Fora, Cunha!”?

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