PSDB fez muito bem em romper com o presidente da Câmara; a política não tem o pudor dos santos, mas tem de ter o limite dos justos
O PSDB
rompeu politicamente com Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Fez muito bem! À
diferença do que avaliam alguns analistas, incluindo gente que respeito,
não acho que o partido se comportou mal na relação com o presidente da
Câmara. Ou que fez uma aposta errada. Ou ainda que levou longe demais a
tolerância com um deputado enrolado. Sim, a questão é ética, a questão é
moral e, sendo essas duas coisas, é política, o que comporta zonas de
ambiguidade que não podem se confundir com concessão à bandalheira — não
quando se é sério. E não acho que o PSDB tenha feito isso
Vamos lá.
Ambiguidade não faltou também ao PT nesses últimos tempos na sua relação
com o presidente da Câmara, não é mesmo? Aliás, ela continua. Lula
chega a Brasília para tentar selar um pacto com o deputado, enquanto as
franjas da legenda vão às ruas gritar “Fora, Cunha”, a exemplo do que
farão, de novo, nesta quinta em São Paulo. Durante um bom tempo, ainda
que se avolumassem as suspeitas contra o parlamentar, o jogo de
bastidores consistia em deixar Cunha de lado, para que o PT fizesse a
festa, ou tentar atraí-lo para a possibilidade do impeachment.
E assim era
não por causa da biografia de Cunha — e o que dela se conhecia até
então. Mas porque ele era e ele é ainda o presidente da Câmara. E o foi,
reitero, com virtudes explícitas. Quando Cunha for cassado — e acho que
ele será, nesse mandato ou num eventual próximo —, à sua saída, eu o
aplaudirei por ter ajudado a enterrar a reforma política aloprada do PT e
por ter contribuído para impedir a bolivarianização do Supremo.
Se a
política, no entanto, dispensa o pudor dos santos — porque santo ninguém
é —, não pode dispensar os limites dos justos e do estado de direito.
Cunha não pode mais continuar a presidir a Câmara com o que já se sabe
sobre ele. As suas explicações para as contas que ele agora admite
esbarram no ridículo. Perdem em qualidade para a malfadada “Operação
Uruguai” (pesquisem a respeito), por meio da qual Fernando Collor tentou
explicar um dinheiro sem explicação.
A “Operação
Zaire-Carne Enlatada” de Cunha conferiu ares de bufonaria ao que já não
parecia nem era sério. Ficou tudo muito ruim. Reportagem da Folha desta
quinta evidencia ser falsa a versão que ele apresentou, segundo a qual
nunca havia movimentado dinheiro depositado em uma de suas contas na
Suíça por um lobista investigado na Operação Lava Jato. Extratos
enviados à Procuradoria-Geral da República mostram que os recursos foram
movimentados duas vezes no ano passado. Uma parte foi aplicada em ações
da Petrobras e o restante foi transferido para uma conta de uma empresa
de Cingapura que tem o próprio Cunha como beneficiário.
Não dá! Não é
possível presidir a Câmara assim. Claro, enquanto continuar no cargo,
caberá a ele acatar ou não uma denúncia contra a presidente da
República. Isso é prerrogativa institucional, não pessoal. Ocorre que
ele não pode mais estar naquela cadeira É simples assim.
Mais: resta
evidente que o jogo do deputado, até ontem, era acenar com
possibilidades para governistas e oposicionistas no intuito de barrar a
denúncia contra ele por quebra de decoro ainda no Conselho de Ética.
Paulinho da Força (SDD-SP), seu lugar-tenente, ficava fazendo acenos à
oposição; Cunha, ele mesmo, conversava com Jaques Wagner e, por
intermédio deste, com Lula.
Eventualmente
livre, então, do processo no Conselho de Ética ao menos, ele decidiria a
favor de um lado ou de outro. Não vou cair na armadilha petralha de
indagar se, com essa biografia, ele pode ou não aceitar uma denúncia,
Ora, isso me obrigaria a perguntar se Dilma pode continuar com as
prerrogativas de presidente da República. Enquanto preservarem seus
cargos, são titulares das responsabilidades a eles inerentes.
Mas as
responsabilidades de partidos de oposição vão além do “fica ou sai,
Dilma”. Cunha fez do “acata não acata a denúncia” a sua tábua de
salvação, especialmente depois que passou a ser gerenciado por Lula,
sabe-se lá com quais promessas. Mas o horizonte de quem pode governar o
país depois das Sete Pragas do lulo-petismo transcendem a permanência ou
não de Dilma no poder.
Até porque é
maltratar a realidade achar que uma eventual recusa de Cunha, agora,
encerra a questão e garante a Dilma o mandato até 2018. Eu já escrevi
aqui e reitero: comprar o povo brasileiro vai ser bem mais difícil do
que conquistar o apoio de parlamentares com um cargo ou outro. Ademais,
outras denúncias podem ser apresentadas à Câmara. E nunca se sabe o que
vem por aí.
Com o que já
se sabe sobre Cunha e, dadas as suas justificativas, não restou ao PSDB
alternativa. De resto, o deputado, que já tem tantas explicações a dar,
não pode confundir a sua biografia com a do país, não é mesmo? Não é
correto lhe conceder a licença para tratar uma denúncia contra Dilma
apenas segundo o seu interesse pessoal.
Caminhar até
determinado ponto com Cunha era só matéria de responsabilidade. À
medida que ele conseguiu piorar o que já era ruim, matéria de
responsabilidade passou a ser romper as relações políticas com ele.
Sim, sim…
Rodrigo Janot, procurador-geral da República, executou nesse caso a
grande arte. Ao levar o presidente da Câmara para o centro do petrolão e
ao manter longe do furação o Executivo, o que é piada, fez o jogo do
establishment com habilidades de fino estrategista. O que eu lamento é
que o tenha feito aproveitando dados da real biografia de Cunha, não os
eventualmente retirados de um livro de ficção.
Alguns podem gritar de um lado: “Fora, Dilma!”.
Outros podem gritar do outro: “Fora, Cunha!”.
Que mal há em que os decentes gritem “Fora, Dilma! Fora, Cunha!”?
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