quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

2015 terminou mais longe do impeachment

Fernando Schüler

Parece não haver dúvidas de que Dilma infringiu a Lei Orçamentária, mas vejo o esfriamento do impeachment como fruto da percepção de que ele é um processo politicamente inviável

FERNANDO SCHÜLER- Época
29/12/2015 - 18h30 - Atualizado 29/12/2015 18h40
Há certo consenso de que o processo de impeachment perdeu força, na reta final do ano. Alguns dizem que foi por conta da intervenção do Supremo no processo, destituindo a Comissão eleita na Câmara, por mais de 470 deputados, e atribuindo ao Senado o poder de arquivar o processo por maioria simples – mesmo que ele venha aprovado, na Câmara, por maioria qualificada.
Há quem explique o fenômeno a partir do resultado relativamente fraco das manifestações de rua do dia 13 de dezembro. Quarenta mil pessoas em um domingo quente de dezembro, na Avenida Paulista, não é pouca coisa, mas está longe de ser um fato capaz de avançar um processo de impeachment. O dia 13 mostrou um pouco do óbvio: o cansaço da classe média, a falta de estrutura dos movimentos de rua e a falta de articulação destes com os partidos de oposição.
Há ainda quem atribua o esfriamento do impeachment à simples falta de clareza quanto a sua fundamentação jurídica. O senador Acir Gurgacz, do PDT, apresentou relatório favorável à aprovação das contas da presidente, referentes ao exercício de 2014, na Comissão Mista de Orçamento. Isto não define nada sobre eventuais delitos fiscais cometidos em 2015, mas traz um indicativo: há um amplo espaço, no Congresso, para uma interpretação política das violações à Lei Orçamentária praticadas pelo governo.
De um ponto de vista jurídico, parece não haver dúvidas de que a presidente infringiu a Lei Orçamentária. O jurista Oscar Villena definiu a questão de maneira bastante simples, fazendo referência tanto às pedaladas fiscais, quando aos decretos de créditos suplementares: “Se tem uma lei orçamentária que autoriza determinadas despesas, e você ultrapassa o limite, você infringiu essa lei orçamentária”.
Infração à Lei Orçamentária constitui crime de responsabilidade. Está lá, no capitulo sexto da Lei 1.079/50, que disciplina o tema. A pergunta óbvia a ser feita é: o país está disposto a levar a lei ao pé da letra. Somos suficientemente rigorosos, do ponto de vista ético e legal, para destituir um chefe de Estado por infração à Lei Orçamentária? Alguém tem dúvidas sobre como responder a esta pergunta?
De minha parte, vejo o esfriamento do impeachment como fruto da percepção generalizada de que ele é o que sempre foi: um processo politicamente inviável. Por muitas razões. A primeira ficou clara quando da votação secreta da finada comissão do impeachment, na Câmara: a oposição não tem votos para tocar o processo adiante. Contabilidade criativa à parte, faltam 70 votos para a oposição atingir os 342 necessários para levar o processo ao Senado. E não passa de uma declaração de vontade dizer que “novos fatos” farão aparecer estes votos, na Quarta-Feira de Cinzas.
Há, por certo, o fator Eduardo Cunha. Não basta dizer que o PT e o governo souberam explorar politicamente a pequena chantagem de Eduardo Cunha, quando da admissão do processo. O fato é que a situação de Eduardo Cunha é ética e politicamente insustentável. E ela contamina o processo do início ao fim. Vale lembrar que, no processo contra Collor, a Câmara dos Deputados era presidida por Ibsen Pinheiro, parlamentar hábil e respeitável.
Há, porém, uma razão mais ampla: o petismo tem mostrado que continua a ser a força dominante no sistema político brasileiro. A esquerda, de um modo geral, pode ter tido sua hegemonia abalada, do debate público. Mas o petismo continua vivo. Com sua plêiade de intelectuais e militantes irredutíveis, sindicatos regiamente financiados pelo imposto sindical, “movimentos sociais” abastecidos pelo erário. Cada um pode ter a opinião que desejar, sobre tudo isto, mas indiscutivelmente se trata de uma força dominante na sociedade. Isto faz o custo de um processo de impeachment brutalmente mais alto do que em 1992, quanto tínhamos um presidente política e socialmente isolado.
A oposição, no plano político, é frágil e destituída de base social. O PSDB é um  partido de atuação parlamentar, incapaz de organizar, durante todo o ano, uma só manifestação pública, uma assembleia que seja, em oposição ao governo. Ainda que formado por bons quadros, trata-se de um partido socialmente inexpressivo e inerte diante da conjuntura.
Por fim, há um elemento cultural, perfeitamente traduzida na tese apresentada pelo jurista petista Dalmo Dallari. Segundo Dallari, não houve crime de responsabilidade visto que a presidente não “tirou proveito pessoal” de suas infrações à contabilidade pública. De um ponto de vista jurídico, a tese de Dallari não tem pé nem cabeça. Crime de responsabilidade não supõe “proveito pessoal”. Mas ela expressa um dado da nossa cultura pública: a sociedade parece não reconhecer o delito politico e/ou administrativo como crime. Apenas o delito de enriquecimento pessoal. Nesta tese, seria preciso um Fiat Elba para que o processo avançasse.
Em resumo, o historiador Boris Fausto acerta quando fala do cansaço do impeachment. Talvez a coisa mude, com as águas de março, caso surjam novas denúncias, mas não é o quadro que hoje se projeta. É possível que, passado este episódio, nossa frágil oposição conclua que tudo isto não passou de uma tremenda precipitação. Uma espécie de blefe que não deu certo. Que o melhor teria sido cozinhar o governo e o petismo em banho-maria, até as eleições de 2018.

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