sábado, 26 de dezembro de 2015

Dilma cometeu crime? Juristas avaliam a possibilidade de impedimento da presidente

Decretos de Dilma Rousseff são investigados em processo - Ueslei Marcelino / Reuters

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RIO - O debate em torno dos pontos que embasam o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff evidencia diferentes interpretações. A questão crucial — se as “pedaladas fiscais” e a autorização para os créditos suplementares sem o aval do Congresso configuram crime de responsabilidade — dá origem a pontos de vista divergentes e suscita de embates apaixonados de botequim a discussões técnicas. (INFOGRÁFICO: As razões alegadas para o impeachment)

Para contribuir com o debate, O GLOBO pediu a juristas que defendem claramente um dos lados que explicassem suas conclusões.
A expressão “pedalada” é usada para explicar a manobra na qual o governo atrasa o repasse a bancos públicos (responsável por pagamentos como benefícios do Bolsa Família) para melhorar artificialmente seu resultado fiscal. No orçamento familiar, seria como, na hora de aperto, adiar uma despesa para fechar as contas do mês. A dívida continuará.
No caso do governo, a discussão gira em torno da legalidade da manobra, que contribuiu para rebaixar o grau de investimento do país.
Em decisão inédita, o TCU concluiu que a manobra configura uma operação ilegal de crédito, o que fere a Lei de Responsabilidade Fiscal, já que o governo é proibido de usar os bancos públicos para fazer empréstimos. Por essa razão, decidiu sugerir a reprovação das contas de Dilma, base para os pedidos de impeachment da presidente.
O governo reconhece as “pedaladas”, promete abolir o mecanismo, mas alega que não há operação de crédito. A polêmica ganhou fôlego esta semana, quando o relator das contas de Dilma no Congresso, senador Acir Gurgacz (PDT-RO), apresentou parecer pela aprovação, repetindo os argumentos oficiais e desconsiderando o entendimento do TCU.
Outro argumento usado para o pedido de impeachment é a edição de seis decretos que liberaram R$ 2,5 bilhões em créditos, sem aval do Congresso, o que também violaria a lei.

Oscar Vilhena

Professor de Direito da FGV Oscar Vilhena - FGV / Divulgação
“A lei de 1950 (que define os crimes de responsabilidade) é muito ampla e traz, entre seus dispositivos, a ofensa à Lei Orçamentária. Evidentemente que aquele que gasta fora da lei e cria um crédito que não estava previsto infringiu a lei. Isso significa que pode ser imputado por ter cometido a infração. Não tenho dúvida, me parece razoavelmente claro. A condição básica é que a infração é passível de ser punida por crime de responsabilidade. Mas o juízo é político. Pontes de Miranda (jurista) fala que natureza do crime de responsabilidade não é penal, é político-administrativa. O julgamento se dá por instância política, no Senado. Se fosse de natureza legal, seria o STF a julgar. Efetivamente, a ‘pedalada’ consiste em uma infração à Lei Orçamentária. É passível de ser punida, mas não sei se será, porque o juízo é político. Assim como os créditos suplementares. Se tem uma lei orçamentária que autoriza determinadas despesas, e você ultrapassa os limites, você infringiu essa lei orçamentária. Pode ser uma questão mais ou menos grave, e a aferição dessa maior ou menor gravidade que é objeto de julgamento pelo Senado. A natureza é predominante política”.
Oscar Vilhena é professor de Direito Constitucional da FGV-SP

Ives Gandra Martins

O jurista Ives Gandra Martins - Gustavo Stephan/Arquivo / Arquivo O Globo
“Dilma foi alertada em 2013 de que as ‘pedaladas’ eram ilegais e ao mesmo tempo poderiam provocar a perda do grau de investimento do Brasil. E a presidente não tomou nenhuma providência. Então, nesse particular, a responsabilidade é direta. A presidente fez os empréstimo e não poderia fazê-los. A unanimidade do TCU de considerar a ilegalidade das ‘pedaladas’, a violação da Lei de Responsabilidade Fiscal, demonstra realmente que ela cometeu crime de responsabilidade. Os decretos (liberando crédito sem aval) são mais um argumento. Mas são tantos argumentos de erros praticados por este governo, e ao mesmo tempo este governo afundou tanto a economia, criando desemprego, com inflação, recessão, juros elevadíssimos, perda do grau de investimento internacional, que o julgamento do impeachment não vai ser jurídico, vai ser um julgamento político. Para saber se o Brasil é ou não é governável. O que a Câmara vai decidir não será mais o argumento jurídico que está nas petições. Serve de embasamento para um julgamento político. O Brasil pode ser governado com esse nível de ingovernabilidade ou não?”
Ives Gandra Martins é jurista, autor de parecer a favor do impeachment

Leandro Mello Frota

“As ‘pedaladas fiscais’ são crime de responsabilidade, sim. O artigo 85 da Constituição trata de crime de responsabilidade, e os incisos V e VI abordam especificamente o tema. O V fala da probidade na administração, o zelo e cuidado com a ética, e o VI fala sobre a Lei Orçamentária. As ‘pedaladas’ ferem o artigo 36 da nossa Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe claramente as operações de crédito entre as instituições financeiras estatais e o ente que as controla. A União não poderia ter feito um empréstimo com a Caixa Econômica Federal. A lei 1.079 de 1950 define o que é crime de responsabilidade: o artigo 4, que trata de probidade na administração, e o 6, que trata da Lei Orçamentária. A presidente feriu a Constituição e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Os decretos dos créditos suplementares ferem o artigo 167 da Constituição, que proíbe a abertura de crédito suplementar sem a autorização legislativa e sem a indicação dos recursos. E isso também configura crime de responsabilidade, como prevê a lei específica. Os atos praticados apontam para o crime.”
Leandro Mello Frota é advogado e especialista do Instituto Millenium

Michael Mohallem

O cientista político Michael Mohallem - Divulgação
“A lei de 1950 define crime de responsabilidade num espectro muito amplo. Há coisas muito claras, como o presidente mandar o Exército fechar o Congresso, por exemplo. Aí não haveria mais dúvida. Há também um artigo sobre o desrespeito à Lei Orçamentária. Do ponto de vista formal, olhando o que está na lei, criou-se espaço para que essa interpretação exista (a de crime de responsabilidade). Violar qualquer aspecto da Lei Orçamentária pode se tornar crime de responsabilidade. Mas acho um equívoco, porque está trazendo para o âmbito do crime de responsabilidade algo menor. Tirar presidente por ter descumprido qualquer elemento da Lei de Responsabilidade Fiscal me parece uma engenharia errada. Entendo que é mau uso do impeachment se basear nesse critério. Podemos pagar preço alto por essa instabilidade no futuro. Muitas vezes se observa que querem tirar a presidente por outros motivos. A ‘pedalada’ surge como uma justificativa formal, legal, para construir o ambiente político. Sobre os créditos suplementares, há o argumento de que o ano não acabou. Formalmente, há elementos, mas me parece que é desproporcional”.
Michael Mohallem é professor da FGV Direito-Rio

Gustavo Ferreira Santos

“Considero que não. Esse momento é de definir qual violação da legislação, da Constituição tem gravidade suficiente para justificar o impeachment de um chefe do Executivo. Quando me perguntam, o que sempre digo sobre ‘pedaladas’ ou decreto dos créditos suplementares é que pode ser passível de discussão a legalidade ou não de um ato ou outro, mas legalidade e ilegalidade e constitucionalidade e inconstitucionalidade estão no dia a dia da administração. Todo ano, medidas provisórias são declaradas inconstitucionais. O STF também derruba medidas provisórias, quando considera que vão além do poder do chefe do Executivo. O próprio sistema tem mecanismos para controlar isso. Tem a decretação de ilegalidade do Judiciário, o Congresso pode vetar. O que está discutido no impeachment é qual tipo de ataque intencional à Constituição e atribuído diretamente à presidente configuraria impeachment. Não vi ilegalidade em nenhum dos dois casos (‘pedaladas’ e créditos suplementares). A questão da ‘pedalada fiscal’ é algo não decidido. Considero que, nos dois casos, não há ilegalidade e nem inconstitucionalidade”.
Gustavo Ferreira Santos é professor de Direito Constitucional da UFPE

Adriana Ramos

“No meu entendimento, não. A Constituição estabelece taxativamente as possibilidades de impedimento e lista os crimes de responsabilidade. O caso da possível violação do artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal (que trata das operações de crédito entre bancos públicos e o governo) não atentaria contra a Lei Orçamentária. Primeiro, existe a discussão se houve ou não violação desse artigo. Na minha opinião, não houve. Mas, mesmo havendo, não se enquadraria em um caso de crime de responsabilidade. Também não acredito que a assinatura dos decretos autorizando a abertura de créditos suplementares configure crime de responsabilidade. Vários tributaristas têm o entendimento de que houve autorização prévia pelo artigo 4º da lei 13115/2015. O artigo autoriza a abertura de créditos suplementares desde que ‘as alterações promovidas na programação orçamentária sejam compatíveis com a obtenção da meta’ para o exercício de 2015. Haveria, sim, portanto, uma autorização legal. Há ainda outras duas questões: o (presidente da Câmara) Eduardo Cunha não poderia ter recebido, unilateralmente, o pedido de impeachment. Haveria a necessidade de uma comissão especial para dar andamento ao processo”.
Adriana Ramos é professora de Direito Constitucional do IBMEC-RJ

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