quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Dilma e o impeachment



10/12/2015

Antônio Álvares da Silva

Quem viu a escolha da comissão especial do processo de impeachment que indicou o nome dos deputados para analisar o afastamento da presidente assistiu a uma cena que jamais ocorreu em outro Parlamento ao redor do mundo. Empurra-empurra, xingatórios, agressões verbais e físicas, quebra de urnas e tudo mais que possa haver numa reunião de baixo nível, não obstante a importância da comissão.
Não se vai analisar o conteúdo do impeachment, que por sinal não resiste a qualquer raciocínio técnico. Mas o jogo aqui não é jurídico e sim político, no qual vale tudo. A presidente, independente de seus acertos e erros, foi eleita pelo voto popular, da forma indicada na Constituição. A eleição jamais foi contestada em sua validade.
Um dos piores defeitos que um país possa ter é o desacato a suas leis. Se elas não são valorizadas, perde-se o respeito a tudo. O oportunismo, a corrupção, a esperteza e a deslealdade passam a ser a regra geral. Não se prezam as instituições. Os cidadãos de bem recolhem-se. O caos toma conta de tudo. É isto o que se vê agora, nesta fase negra da história do país.
A má administração, o desgoverno involuntário e a incapacidade administrativa não são razões para impeachment nem argumentos para afastar quem governa. Numa democracia, se o povo escolheu mal, a ele cabe suportar os ônus da escolha.
Em vez das cenas primitivas mostradas a todo o país, por que os deputados não aproveitam o instante para tirar dos fatos a lição que oferecem? Melhor oportunidade não existe para estabelecer no país o parlamentarismo, regime que se adapta muito melhor a nosso temperamento agitado e muitas vezes incoerente e inconsequente. Se há críticas ao primeiro-ministro por erros em sua gestão, é afastado, colocando-se outro imediatamente em seu lugar sem traumas.
A reforma não se faz por pura vaidade de futuros candidatos à Presidência de República. Querem governar à moda romana, como imperadores, senhores de tudo e de todos. Pensam nas representações, palácios, aviões e comitivas para acompanhá-los num séquito que mais faz turismo do que trabalha quando das viagens internacionais.
Esquecem que o primeiro-ministro pode desfrutar também dessas benesses. Veja-se o sistema europeu de governo com seus primeiros-ministros. O presidencialismo americano, do qual copiamos o nosso, é próprio para países estáveis, cultos e capazes de dar poder ao dirigente e exigir trabalho na mesma proporção. Não precisam trocar presidentes e, quando propõem impeachment, é porque há razões sérias que tornam a autoridade indigna do cargo.
A irresponsabilidade do presidente da Câmara, ao desencadear o processo de contra a presidente, é ato que mais serve a seus propósitos pessoais de vingança porque se sentiu traído em outro processo contra ele dirigido. Não se conhece no mundo a utilização de um poder da república como instrumento de vindita pessoal. Em fatos negativos, somos tristemente pioneiros.
Agora, o mal está começado e não é mais possível detê-lo. As colunas prós e contras tomam suas posições estratégicas para começar a guerra. Ninguém sabe qual a reação que virá do povo, se o impeachment for decretado. As multidões trazem consigo o mistério do desconhecido. Ora constroem, ora destroem. Podem ser tsunami ou soerguimento. O futuro nos dará em breve a resposta. Mas o certo é que até lá ninguém governa, não se votam leis, não se trabalha nos órgãos públicos. A nação parou. A crise política alastra-se como um incêndio indomável. Quem tinha a obrigação de zelar pelo bem do povo empurra-o para um abismo. Haverá salvação?

*Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG 
Fonte: http://www.hojeemdia.com.br/m-blogs/opini%C3%A3o-1.268900/dilma-e-o-impeachment-1.365761

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