quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Impeachment e independência

  
A ciência política, como toda ciência, tem seu lado teórico e prático. Giovani Sartori, no livro A Política (UnB, p.36) afirma que a filosofia é uma evasão do mundo fenomênico exatamente para vê-lo de fora e melhor avaliá-lo. Nenhuma atividade humana pode ser apenas teórica ou prática. Da junção de ambos os fatores é que nasce a práxis, a vida real e operante, que todos vivemos, com influência direta no cotidiano das pessoas.

O lado teórico da política, enquanto ciência do poder em suas múltiplas dimensões, aborda o lado ideal da organização social. Veja-se o que a Constituição brasileira consagra no plano ideal: os Poderes da República são harmônicos e independentes. O declaração de direitos é uma descrição perfeita dos direitos humanos positivados.

O Legislativo tem suas funções claramente descritas. O Judiciário é regulado em detalhes e assegura ao cidadão até mesmo a duração razoável do processo, dizendo, por outras palavras, que a Justiça deve ser célere e atuar sem demora, para garantir direitos e repor o patrimônio lesado.

Na prática, a situação é outro. A independência entre Poderes está cheia de deformações. O Judiciário é um Poder notoriamente deficitário e quem diz isto são as estatísticas do próprio CNJ. O Legislativo vive o caos e age longe da ética e da integridade.

Tudo isto vai sendo mostrado agora com o pedido de impeachment da Presidente. A Câmara encaminhou o processo estabelecendo suas próprias regras, como não podia deixar de ser. Porém medidas judiciais e injunções políticas empurraram o problema para o STF, que infelizmente no Brasil decide tudo, desde briga de galos até deposição de presidentes. Em sessão especial, o Supremo fixou o rito que impeachment deverá seguir na Câmara, que se mostrou incapaz de produzir o mais elementar procedimento para o exercício de sua competência constitucional.

Como pode dizer-se independente um Poder da República que, para agir internamente, tem que pedir socorro a outro? Imagine-se a Suprema Corte norte-americana impondo regras para o legislativo a fim de votar um suposto impeachment de Barack Obama? Ou o parlamento alemão em relação a Ângela Merkel?

No entanto, foi o que se fez no Brasil. Mas o absurdo caminha em frente a passos largos e resolutos. Agora, se admitida a acusação, vamos esperar a decisão do Senado. Enquanto isto, a inflação chega a dois dígitos, a indústria e os serviços estão em queda livre, a população sofre com pequenos salários inflacionados, as instituições não funcionam.

O caos, como uma sombra negra, se estende sobre o país. E tudo isto por desentendimentos políticos mesquinhos, brigas partidárias medíocres, divisão de cargos, como se os diferentes setores do governo fossem pequenos feudos dados de presente a protegidos partidários. A consequência de tudo isto é o sofrimento generalizado do povo, privado de tudo: educação, infraestrutura, segurança pública, desemprego coletivo, que avança assustadoramente numa economia agonizante. A cidadania paga pelos erros daqueles que a governam e, como de sempre, os males recaem sobre as costas povo, conforme a experiência que vem desde a Roma antiga: mala publica in plebem recidunt: os males públicos caem sobre a plebe.

O Brasil é hoje uma nau sem destino num oceano revolto e perigoso. Para onde vamos com tantos problemas? Não se sabe quem possa responder com certeza a esta pergunta.

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