domingo, 6 de dezembro de 2015

Na eleição da Venezuela, está difícil para o Brasil segurar as pontas de Maduro


TEMPO

A radicalização do chavista e a ascensão de Mauricio Macri na Argentina colocam o Brasil em situação delicada

RODRIGO TURRER - Época
04/12/2015 - 21h46 - Atualizado 04/12/2015 22h41
Desde que as eleições legislativas na Venezuela foram confirmadas, em maio deste ano, o presidente do país, Nicolás Maduro, faz de tudo para obter "a mais importante vitória em 16 anos", como ele mesmo classifica. No seu caso, fazer de tudo é relativamente fácil. Sem as amarras da lei, já que o chavismo controla todo o sistema judicial e eleitoral do país, a farra é generalizada. A campanha eleitoral venezuelana tem candidatos governistas com tempo de sobra na TV estatal e nenhum espaço para os da oposição, uso de recursos públicos e inauguração de obras públicas com a presença dos candidatos do governo, entrega de eletrodomésticos, casas e comida, cassação e, se preciso, até prisão de candidatos da oposição.
Coisas assim são comuns na Venezuela, um país destruído pela amalucada ditadura chavista. Mesmo com tantos abusos de poder e vantagens comparativas, às vésperas do pleito do dia 6, pesquisas mostravam que as coisas estão ruins para Maduro e sua turma de seguidores de Hugo Chávez. Pela primeira vez em 16 anos, a oposição representada pela Mesa da Unidade Democrática (MUD) poderia assumir o controle do Parlamento, com 58% das intenções de voto, em comparação a 32% do governismo. O ápice da escalada repressora eleitoral aconteceu em um ato em Guárico, no centro do país. Luis Manuel Díaz, secretário-geral da Ação Democrática (AD), foi morto a tiros enquanto discursava, por um homem que passava em um carro. Maduro e o número dois do chavismo, Diosdado Cabelo, disseram que o assassinato era resultado de um "acerto de contas entre bandidos".
Contudo, foi demais até para os padrões chavistas de falta de civilização. Até mesmo o Brasil, um companheiro de longa data do regime, tentou demonstrar algum incômodo. No dia seguinte ao assassinato, o Itamaraty emitiu sua mais dura nota nos dois anos de governo de Maduro. Condenou com veemência a violência e cobrou das autoridades venezuelanas a necessidade de "investigar os fatos e punir os responsáveis", para que as eleições legislativas transcorram de forma "limpa e pacífica". O tom irritado destoa da brandura e do silêncio usuais do governo brasileiro em relação ao chavismo.
Esse foi o segundo sinal de insatisfação com a Venezuela dado pela presidente Dilma Rousseff em menos de um mês. Há duas semanas, Dilma enviou a Caracas seu assessor internacional, Marco Aurélio Garcia. Principal interlocutor do governo brasileiro junto à cúpula do chavismo, Garcia portava uma carta assinada por Dilma que pedia transparência nas eleições. Havia também queixas sobre a falta de posicionamento de Maduro em relação a um vexame ao qual seu governo submeteu um aliado como o Brasil: o veto venezuelano ao nome do ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral Nelson Jobim para comandar a missão de observadores da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) na eleição. A turma de Maduro simplesmente proibiu a missão que seria chefiada por Jobim, uma grosseria.
Foi uma das várias visitas de Garcia ao país nos últimos meses. Desde janeiro, o governo brasileiro tenta amainar os efeitos dos laivos ditatoriais de Maduro e seus chavistas, sem sucesso. O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, esteve ao menos três vezes em Caracas neste ano, tentando estabelecer um diálogo com as lideranças do governo para garantir a realização das eleições, que estavam sob risco. No se¬gundo semestre, Marco Aurélio Garcia viajou ao menos duas vezes para o país para demonstrar a preocupação do Brasil. “Tudo isso é um indicativo de uma mudança na forma de o Brasil abordar a situação da Venezuela”, afirma o pesquisador Thiago Gehre Galvão, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB). “Não se trata de um posicionamento mais rígido, mas de um desconforto com a radicalização dentro do país.”
O assassinato de um opositor é um fato difícil de aceitar - por isso o endurecimento da nota e os recados de descontentamento a Maduro. Mesmo com inéditos gestos que sugerem contestação, Dilma é condescendente com Maduro. Para os venezuelanos, uma visita de Marco Aurélio Garcia não é um sinal de descontentamento do Brasil. Garcia é amigo da Venezuela. Enviar um aliado como ele é, ainda, um sinal de boa vontade. Se quisesse demonstrar descontentamento real, Dilma teria enviado outro representante. Além disso, apesar do parecer contrário do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Dias Toffoli, Dilma designou o cônsul-geral do Brasil em Washington, embaixador Antonino Mena Gonçalves, representante brasileiro em uma missão da Unasul na eleição. Trata-se de uma missão de fachada, subserviente às absurdas regras impostas por Maduro.
As atitudes sugerem que o Brasil fez gestos apenas simbólicos, pouco efetivos, para parecer menos próximo do chavismo em um momento ruim. Com o frescor de poder garantido aos vencedores, o novo presidente da Argentina, Mauricio Macri, afirma que, na próxima reunião do Mercosul, no dia 21, vai pedir a suspensão da Venezuela do bloco, com base na cláusula que trata de infração à democracia. Macri promete romper com a amizade que houve entre chavismo e kirchnerismo, com Néstor e Cristina, nos últimos 12 anos. Dilma chegará à reunião em situação oposta à de Macri, com o poder depauperado por uma crise econômica e um processo de impeachment. Dilma tem a pecha de amiga poderosa de Maduro, em um momento complicado. “O Brasil estava acomodado em seu silêncio, porque não havia opositores de peso à Venezuela no Mercosul”, afirma María Corina Machado, ex-parlamentar da oposição venezuelana que perdeu o mandato no ano passado, por ação dos chavistas. “A mudança em Buenos Aires força o Brasil a ter uma posição mais clara a respeito de Caracas. Diz a lei das relações internacionais que um governante fraco internamente não tem força para fazer política externa

Nenhum comentário: