quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Polícia Federal não foi identificada como prioridade no governo Dilma', diz delegado da PF


Novo presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Carlos Eduardo Miguel Sobral afirmou, em entrevista ao Blog, que "a PF não foi identificada pelo governo [Dilma Rousseff] como uma de suas prioridades".
"É certo que a crise econômica enfrentada pelo país […] obrigou que fossem promovidos ajustes orçamentários e elencadas prioridades. A PF sofreu cortes em seus investimentos e em custeio. Hoje sofremos com a insuficiência de recursos financeiros para a manutenção de diversas atividades no órgão", explica.
Segundo ele, de 2002 a 2008, no final do governo Fernando Henrique Cardoso e em boa parte dos dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva, a PF recebeu altos investimentos para contratação de policiais e equipamentos, aumentando a capacidade de investigação. "Nesse período adquirimos modernos sistemas e, diariamente, realizamos grandes operações policiais", diz.
Contudo, ele aponta que antes mesmo do fim do segundo mandato de Lula, em 2009, "houve redução dos investimentos na Polícia Federal, com progressivos cortes nos investimentos e, notadamente, nos recursos de custeio que sustentam a realização das investigações criminais".
Sobral é delegado da PF desde 2003, passando por Rondônia e Brasília. Na capital, chefiou o Serviço de Repressão a Crimes Cibernéticos de 2008 a 2013. Atualmente está cedido à Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos do Ministério da Justiça.
Nesta entrevista, o delegado afirma que, em alguns momentos, faltou recursos para o pagamento de diárias e passagens em investigações como a Lava Jato, Zelotes e Acrônimo. Entretanto, segundo ele, os obstáculos acabaram sendo contornados. Sobral defende mais autonomia para a PF e mandato de três anos para o diretor da corporação. Leia a entrevista abaixo:
Blog - Quais são as três principais metas de sua gestão à frente da ADPF?
Carlos Eduardo Miguel Sobral - A Polícia Federal necessita, com urgência, da constitucionalização da sua autonomia orçamentária e financeira para que as atividades de combate ao crime organizado e à corrupção não corram riscos de solução de continuidade em razão de intempéries políticas e institucionais. Apesar de ser uma instituição de Estado consagrada e respeitada pela população brasileira, a PF ainda não possui sequer uma Lei Orgânica que garanta seu pleno funcionamento independente dos governos.
Assim, a principal pauta da nossa gestão é promover a alteração constitucional para consolidar a autonomia da Polícia Federal e, na sequência, a aprovação de uma moderna Lei Orgânica.
A segunda pauta é a consolidação do conceito da independência e imparcialidade da investigação criminal conduzida pelo Delegado de Polícia, haja vista que o inquérito policial se destina a investigar os fatos ocorridos e sua implicação jurídica, sem vinculação com a acusação ou defesa, as quais devem ser tratadas pela Autoridade Polícia de forma igualitária, em paridade de armas.
A terceira principal meta é garantir os recursos humanos e necessários para que todas as Autoridades Policiais tenham condições adequadas para levar adiante os inquéritos policias. Se hoje fazemos uma Lava Jato com maiores recursos podemos fazer muitas outras investigações de mesma envergadura. É isso que a sociedade brasileira espera e merece receber da Polícia Federal.
Blog - Como o senhor avalia o trabalho da Polícia Federal no governo Dilma Rousseff em comparação com os mandatos dos ex-presidentes Lula e FHC?
Sobral - Nos anos de 2002 a 2008, a PF recebeu altos investimentos para contratação de policiais e equipamentos, o que aumentou a nossa capacidade de investigação. Nesse período adquirimos modernos sistemas de investigação e, diariamente, realizamos grandes operações policiais.
Entretanto, a partir de 2009, houve redução dos investimentos na Polícia Federal, com progressivos cortes nos investimentos e, notadamente, nos recursos de custeio que sustentam a realização das investigações criminais.
Hoje sofremos com a insuficiência de recursos financeiros para a manutenção de diversas atividades no órgão e progressiva evasão de quadros qualificados do cargo de Delegado, além de outros policiais.
Blog - A Polícia Federal está mais valorizada ou menos na gestão da presidente Dilma?
Sobral - É certo que a crise econômica enfrentada pelo país durante o governo Dilma obrigou que fossem promovidos ajustes orçamentários e elencadas prioridades. A PF sofreu cortes em seus investimentos e em custeio. Logo, a PF não foi identificada pelo governo como uma de suas prioridades, infelizmente.
Blog - Como o senhor analisa as críticas petistas de que a operação é contra o partido?
Sobral - A PF não tem cor partidária. Lembrando as palavras do Ministro Márcio Thomaz Bastos, a PF não persegue e nem protege. A PF tem missão constitucional. E a nossa missão é combater o crime organizado e a corrupção onde se encontrarem.
Blog - Os andamentos da Lava Jato geraram desconforto político em Brasília a ponto de um processo de impeachment ser aberto contra a presidente Dilma. Como o senhor avalia os desdobramentos da Lava Jato na política?
Sobral - A Polícia Federal apura a prática de crimes e apresenta o resultado do inquérito policial à justiça para julgamento e responsabilização dos culpados. Os desdobramentos políticos, bem como de quaisquer outras vertentes, das nossas investigações fogem da nossa alçada. Eles pertencem aos respectivos mundos.
Blog - O ex-presidente Lula ficou incomodado com a intimação de seu filho tarde da noite. Como o senhor analisa o trabalho da PF neste caso?
Sobral - Realmente, o recebimento de uma intimação policial causa certo desconforto. Entretanto, não há limitação de horário para a realização desse ato processual, conforme prescrito no Código de Processo Penal.
Blog - A operação Lava Jato tem o efetivo necessário? E a Zelotes e a Acrônimo?
Sobral - As três operações citadas são grandes trabalhos investigativos que necessitam de recursos humanos e materiais. Nem sempre é possível atender o que seria o ideal, tendo em vista as dificuldades orçamentárias pelas quais passa a PF.
Algumas intercorrências acontecem em investigações dessa envergadura, como, por exemplo, a falta de recursos para pagamento de diárias e passagens. Entretanto, esses obstáculos acabaram sendo contornados com esforço extraordinário da equipe de investigação.
Blog - Como o senhor avalia a relação entre a Polícia Federal e o Ministério Público Federal hoje?
Sobral - A constituição da república trouxe um desenho constitucional no qual as atividades da PF e do MPF se complementavam. Á Polícia Federal competiria investigar a ocorrência dos crimes e ao Ministério Público processar os indiciados (possíveis culpados) indicados pela PF.
Na última década o MP resolveu fazer uma leitura própria da Constituição, segundo a qual poderia realizar a investigação criminal diretamente, substituindo a instituição escolhida pela Constituição para tanto. Evidentemente, esse movimento do Ministério Público não foi bem recebido pela Polícia Federal, diante da flagrante usurpação e supressão das competências constitucionais da PF.
A iniciativa do Ministério Público em substituir a Polícia Federal na realização da investigação criminal gerou animosidade entre as instituições, ainda não superadas, prejudicando, principalmente, a sociedade brasileira. A competição entre duas importantes instituições públicas somente favorece o crime organizado. A superação das divergências entre a PF e o MPF depende somente do respeito ao espaço que cada instituição recebeu do constituinte originário em 1988.
Enquanto o Ministério Público insistir em substituir e, até mesmo, suprimir a Polícia Federal nas suas atividades haverá conflitos institucionais.
Blog - Há risco de greve por parte dos delegados da Polícia Federal por reivindicações não atendidas?
Sobral - O Delegado de Polícia é um agente político e, como tal, não realiza greve, por incompatibilidade. Entretanto, é dever da Autoridade Policial Federal alertar a sociedade brasileira sempre que a instituição Polícia Federal estiver sofrendo dificuldades para realizar suas competências.
Blog - Para a sociedade, qual é a importância de existir uma Polícia Federal mais autônoma? E como isso pode ser feito?
Sobral - Nas atividades de investigação criminal, sobretudo no combate ao crime organizado e a corrupção, a PF acabar por atingir detentores do poder político ou econômico. Assim, é previsível a reação dessas forças de poder contra a Polícia Federal, notadamente, através do sufocamento financeiro da instituição, com a consequente limitação das suas atividades.
Para impedir que a PF sofra um encolhimento progressivo, a Constituição da República deve prever a autonomia da PF por meio de três medidas: a indicação do Delegado Geral da PF por lista tríplice elaborada pelos Delegados de Polícia Federal, para mandato de 03 anos; elaboração de seu orçamento pela própria PF e a vedação do contingenciamento dos recursos necessários às atividades investigativas da PF.
Blog - Quais são as perspectivas para novos concursos para Delegados de Polícia Federal? Se faz necessário? Por que?
Sobral - Hoje temos vagos quase 500 cargos de Delegado de Polícia Federal e tantos outros das demais carreiras policiais e administrativas do quadro de pessoal da PF. Necessitamos de urgente recomposição do nosso efetivo para que possamos prestar nossos serviços públicos com qualidade e excelência reconhecidas pela população brasileira. Somente aguardamos a disponibilização de recursos orçamentários para preenchermos os cargos vagos de Delegado, bem como promover a contratação de 5.000 servidores administrativos.
Fonte: http://g1.globo.com/politica/blog/matheus-leitao/post/pf-nao-foi-identificada-como-prioridade-no-governo-dilma-diz-delegado-da-pf.html

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