Alex Antunes
16 de dezembro de 2015
A
narrativa dos governistas não muda a realidade – apenas a mascara. O
discurso binário governista de que Cunha e o PT estão em campos opostos
cola até certo ponto. Nesse caso, as operações e apreensões de ontem
deveriam significar um alívio para Dilma e o partido, certo? Errado.
Na verdade, o dia de ontem foi um pesadelo para o planalto. Assim que for retirado do tabuleiro político (é impossível que ele conduza mais algum passo importante no processo de impeachment), o presidente da câmara deixará um buraco na narrativa de vitimização do PT.
Na verdade, o dia de ontem foi um pesadelo para o planalto. Assim que for retirado do tabuleiro político (é impossível que ele conduza mais algum passo importante no processo de impeachment), o presidente da câmara deixará um buraco na narrativa de vitimização do PT.
Pior,
a pressão sobre o PMDB é favorável ao objetivo do vice-presidente
Michel Temer de coesionar o partido em torno de si. A teimosia do PT em
trazer de volta à liderança do partido na câmara o aliado Picciani
funciona ao contrário. O dilmista mais importante do partido, o
presidente do senado, Renan Calheiros, que já se enxergava no embate com
Cunha como o grande fiador da república (e do processo de impeachment)
tomou uma bomba no meio do casco. Visivelmente abalado, Renan vai ter que reavaliar suas pretensões protagonísticas,
e pender para onde for (minimamente) mais seguro. De cara, desembarcou
da estratégia do governo de suspender o recesso do congresso, e a
inviabilizou. Evidentemente o procurador geral Rodrigo Janot sabe no que
está cutucando, e nas consequências que isso trará para o planalto.
Hoje,
o Supremo Tribunal Federal dificilmente reverterá o andamento do
impeachment – apenas o regrará. Há quem diga que o ministro Fachin
proporá inclusive a aceitação da votação secreta que elegeu a comissão
majoritariamente anti-Dilma, o que começa a abrir a porteira para o
afastamento da presidente.
E,
ao contrário do discurso governista, isso não é um “golpe”, mas uma
necessidade absoluta para destravar o país. Faz tempo que o governo
Dilma perdeu qualquer resquício de autoridade para organizar em torno de
si alguma solução tanto para a crise política quanto para a econômica, e
isso concretamente está sufocando o país. Já em março, eu especulava
que Talvez a defesa da democracia dependa de derrubar Dilma.
Era uma tese então controversa, mas estamos muito próximos do momento
em os agentes políticos custurarão algum acordo excluindo a atual
presidência.
Evidentemente
seria de se esperar que o petismo tentasse se manter motivado. Mas a
escolha bisonha de narrativas contra os contra – por exemplo, tentar
desconstruir bobamente o pato da Fiesp ou a participação bizarra de
Alexandre Frota nas manifestações de domingo – tem o efeito de desviar o
assunto principal, e desinformar a população.
Na verdade, para quem está realmente
no centro político, talvez esse desvio de holofotes seja oportuno. O
que está se negociando não é um governo puramente do PMDB. É um governo
do vice Temer tutelado pelas elites jurídica e política (peessedebista)
“clássicas”, digamos assim, um governo Temer com a cara de FHC, de
Nelson Jobim, de Gilmar Mendes. O próprio (e oferecido) José Serra, que
já se via como ministro da economia num governo do vice, já foi
informado que será alocado numa área menos sensível (no caso a
sensibilidade dos donos do PIB). Fiesp e PSDB já assumiram o
impeachment; vai demorar muito pouco para o ministro Levy sair e
sinalizar o abandono de Dilma pelo mundo financeiro.
A
gritaria petista a respeito de estarmos ameaçados por fascistas, por
uma volta à ditadura, com repressão aberta, só serve para jogar uma
cortina de fumaça nas possibilidades reais – na verdade, a iniciativa
que mais nos aproxima do arbítrio é uma proposta petista, a lei
antiterrorismo. A volta de casinhas no jogo deve nos colocar circa 1997,
com a compra de votos por FHC pela emenda da reeleição, e não 1964 ou
1968. Um jogo pesado e corrupto, claro, mas marcado mais por interesses
políticos das elites do que essa guerra de ladrões de galinha na qual a
tosca política de alianças do PT nos precipitou.
Temer,
na verdade, é uma espécie de peessedebista deixado para trás, na saída
do PMDB. Não sei se o PSDB fazia alguma ideia de como ele ainda viria a
ser útil, mas é uma manobra de certa elegância política antiga, como
faziam as velhas raposas. Devem ser sacrificados no processo figuras do
PMDB podre como Cunha e Renan e, da parte do PSDB, não seria absurdo
supor que o próprio Aécio acabaria rifado. Ele domina uma parte da
máquina do partido, claro. Mas, num contexto de limpeza da casa (a
república), não seria impossível fazer liberar algo de seus porões
corruptos para atrapalhá-lo.
E
o PT, evidentemente, será varrido inteiro para o lixo. Revelações
catastróficas para o partido, para Lula e para Dilma devem surgir das
delações. A mais chocante, vinda de José Carlos Bumlai, o “amigo de
Lula”, é a de que 12 milhões que ele recebeu do banco Schahin (ou parte)
foram não apenas para o PT, mas para pagar o chantagista Ronan Maria
Pinto. E acobertar os fatos sinistros do assassinato do prefeito de
Santo André, Celso Daniel. Coisa muito feia e perturbadora.
Mas
os petistas preferem reproduzir a fábula simplória da briguinha contra
Cunha. E o próprio Cunha, esperneando por sua salvação impossível,
alimenta o noticiário – por exemplo mandando a mesa diretora da câmara
anular a reunião que deu seguimento ao seu próprio processo de cassação.
Quando o roteiro todo se revelar, o “grande” vilão Cunha será apenas um
detalhe na derrubada da presidente, e na derrocada do PT. Será chocante
para muita gente, que acredita hoje na narrativa de superfície.
Isso
não é necessariamente péssimo para o país. Esses três anos com Temer
– que se esmerará para não ser o pior dos presidentes, e terá um certo
apoio para não fazer muito feio – serão tempo para uma reorganização de
forças políticas mais com a cara deste século, e não de resíduo do
século passado.
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