É espantoso que um juiz criminal possa aplicar uma punição a milhões de pessoas que não cometeram crime nenhum
Em que
país do mundo um juiz criminal de uma cidade, em represália porque a
empresa X, pouco importa o motivo, deixou de cumprir uma determinação,
puniria milhões de pessoas?
Pois é o que
está em curso. A Primeira Vara Criminal de São Bernardo do Campo
determinou que o WhatsApp fique 48 horas fora do ar em todo o país, a
partir da zero hora desta quinta. É o fim da picada.
O que está
na raiz da questão? As autoridades que investigam um caso — caso que
desconhecemos!!! — obtiveram uma autorização judicial para que o serviço
quebrasse o sigilo de dados trocados entre as partes investigadas, mas a
empresa se recusou a liberar a informação.
Então o que
fez a Primeira Vara Criminal de São Bernardo? Ora, decidiu tratar a
varadas milhões de brasileiros, deixando-os sem o serviço. Poderia
recorrer a multa, por exemplo. Poderia dar um prazo — e torná-lo público
— para que os usuários ficassem sabendo com antecedência…
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Mas quê?
Como diria o Velho do Restelo, n’Os Lusíadas, de Camões, e “a glória de
mandar? E a vã cobiça?” De São Bernardo para o resto do país, “urbi et
orbi”, como um César no auge do Império Romano; com um Dario no auge do
Império Persa; como Alexandre, o Grande, o juiz manda bala: suspenda-se
tudo!
O que sei eu
da ação? Que culpa tenho eu? Por que devo ser punido? O que fiz para
merecer isso? De que modo eu poderia me redimir para não arcar com as
consequências? Bem, nada disso tem resposta.
Consta que a
TIM recorreu contra a decisão. As demais operadoras, que andam às
turras com o WhatsApp, pelo visto, resolveram usar a coisa como uma
janela de oportunidades ou retaliação, sei lá eu, e prometeram fazer o
que o mestre de São Bernardo mandar.
É claro que
eu não defendo que uma empresa tenha o direito de descumprir uma ordem
judicial. É evidente que acho que ela tem de ser punida por isso. Mas
que seja ela, não os usuários.
Venham cá: e
se fosse, sei lá, o Metrô ou uma empresa de ônibus a descumprir uma
ordem judicial? O juiz proibiria o serviço de funcionar e deixaria
milhões de pessoas na mão? É claro que o WhatsApp serve — o mesmo vale
para a Internet como um todo — para muita conversa mole. Mas se tornou
também um instrumento de trabalho.
E vou mais
longe: ainda que não fosse… Faz sentido punir quem não cometeu crime
nenhum, quem não cometeu desobediência nenhuma? A decisão é uma
violência contra milhões de usuários do serviço e expõe uma das faces do
nosso atraso.
É preciso que a gente tome a questão como uma óbvia agressão à cidadania e a nossos direitos fundamentais.
Resistamos! Eles querem que a gente se entedie com as vastas solidões morais e desista do país. Mas nós não vamos.
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