domingo, 24 de janeiro de 2016

Amnésia digital é realidade em um mundo superconectado

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Falta de paciência e de atenção é sintoma cada vez mais comum em quem sempre recorre à internet ou ao smartphone para buscar informações

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Trauma. Perder o aparelho celular com todas as informações que continha deixou Roger Ferreira em maus lençóis
PUBLICADO EM 24/01/16 - 04h00
Quando teve seu celular roubado, o publicitário Roger Henrique Ferreira, 22, considerou que o maior trauma foi perder informações e números que guardava no aparelho. Sem o smartphone, ele sentiu como se estivesse faltando um pedaço de sua memória. Com o fácil acesso às informações na palma da mão, estudos recentes demonstram que a falta de paciência dos usuários e o intervalo médio de atenção despencando para apenas oito segundos têm relação com a chamada “amnésia digital”, fenômeno que vem se tornando comum em um mundo cada vez mais conectado.
Esse cenário prejudica a formação das lembranças de longo prazo, segundo a professora Maria Wimber, da Universidade de Birmingham, na Inglaterra. A docente participou de pesquisa feita pela empresa de segurança cibernética Kaspersky Lab, que confirmou ser cada vez mais comum esquecer as informações acessadas a partir de um dispositivo digital ou pela internet.
De acordo com o estudo feito com 6.000 pessoas acima de 16 anos, cerca de um terço dos adultos faz uma busca na internet antes de tentar lembrar a resposta para uma pergunta, e 24% deles esquecem a informação após utilizá-la. Além disso, 91,2% dos entrevistados admitem usar a internet como uma “extensão online do seu cérebro”.
Usar avisos automáticos de celular, notebook e tablet para lembrar-se do que precisa fazer é uma realidade na vida do músico Carlos Eduardo Matias, 29. “Tudo está guardado lá. Em alguns fins de semana, nem lembro onde vou tocar – mas a agenda virtual me informa. Minha cabeça está lá”, brinca ao reconhecer a dependência.
Terceirização da memória. Além da terceirização da memória, a pesquisa demonstrou que a adoção massiva das plataformas móveis tem causado mais impaciência nas pessoas – e essa urgência nos faz reter menos informações, já que, subjetivamente, sabemos que elas poderão ser consultadas novamente e com a facilidade da internet à mão.
“Com a agenda de papel a pessoa se forçava a escrever, e esse hábito ajudava o cérebro a guardar os números de maneira mais persistente do que no celular, que hoje, por exemplo, sincroniza a agenda de contatos automaticamente”, observa o analista sênior de segurança da Kaspersky Lab no Brasil, Fábio Assolini.
Segundo o analista, essa facilidade de termos armazenado em um smartphone tudo o que precisamos, e não conseguirmos lembrar os contatos de pessoas próximas, está na lista de sintomas da amnésia digital. Ter muitos e-mails, senhas e números de telefones para memorizar e entrar em pânico só de pensar em perder todas essas informações completa o “diagnóstico”.
Contraponto. Porém, poucas são as evidências de que a utilização de dispositivos eletrônicos perturba realmente a capacidade de formar memórias. Para a neurocientista Kathryn Mills, do Instituto de Neurociência Cognitiva da Universidade de Londres, o esquecimento não é totalmente ruim e é até, muitas vezes, necessário para dar lugar ao acúmulo de mais lembranças no cérebro.
“Não faz mal não se lembrar de algo que você não precisa memorizar. Antes da internet, nós usávamos outras ferramentas, como enciclopédias, para acessar informações. Seja usando a web ou livros físicos, não significa que vamos perder a nossa capacidade de formar memórias”, garante.
Ivan Izquierdo, um dos maiores especialistas mundiais em memória, é ainda mais enfático. “O amplo e bom uso desses dispositivos, pelo contrário, está nos ajudando a usar melhor a capacidade de memória e discernimento que temos. Saber mais coisas certamente ajuda qualquer atividade. Quanto mais velhos ficarmos, mais memórias teremos. A menos que a própria velhice venha acompanhada de doenças degenerativas”, afirma.
E ele completa: “Minha longa experiência me indica que a falta de paciência perturba qualquer operação que requeira o intelecto. Desde ler um texto até o simples ato de comer sem se engasgar”, afirma Izquierdo.

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