domingo, 13 de março de 2016

Com 67 condenados, penas da Lava Jato são de quase mil anos

Balanço

Maior operação contra corrupção no país chega a dois anos com R$ 6,4 bilhões desviados em propinas

OPERAÇÃO LAVA JATO/TRANSFERÊNCIAS
Operação. Lava Jato já prendeu e condenou grandes empreiteiros, como Marcelo Odebrecht
PUBLICADO EM 13/03/16 - 03h00
Com 67 pessoas já condenadas, em penas que, somadas, se aproximam da marca de mil anos de prisão, a operação Lava Jato completa dois anos na próxima quinta-feira com indicativos fortes de que muita sujeira ainda será tirada de debaixo do tapete. Para além dos números que impressionam – são R$ 6,4 bilhões distribuídos em propinas –, analistas ressaltam que, mesmo longe do fim, a maior operação de combate à corrupção que o Brasil já viu vai deixar entre seus legados uma mudança importante na forma como o povo brasileiro se relaciona com a política.
Essa é a primeira vez na história da recente democracia brasileira que figuras até então “inatingíveis” – leia-se políticos e grandes empresários – estão sendo, de fato, punidas com prisões e condenações na Justiça. Réus que, pelas contas do Ministério Público Federal (MPF), terão que ressarcir os cofres públicos em R$ 14,5 bilhões.
Ao longo desses 24 meses, foram 133 mandados de prisão. Dentre os já condenados, 16 estão atrás das grades. “A Lava Jato já mudou a maneira como os brasileiros veem a corrupção, e isso fica muito claro quando, em pesquisa recente, a corrupção foi considerada a principal preocupação dos brasileiros”, ressalta Gil Castello Branco, fundador e secretário geral da entidade Contas Abertas.
Para Castello Branco, a operação possibilitou um aumento da consciência popular sobre a importância do acompanhamento e da fiscalização do destino dos recursos públicos. “A sociedade está mais atenta. Isso vai nos levar a mudanças que talvez não tenham a agilidade que desejamos, mas que são incontestáveis”. Entre os resultados já alcançados está a recuperação de R$ 2,9 bilhões por meio de tratados internacionais de colaboração e fruto como dos acordos de delação premiada.
Condução. Apesar dos bons resultados, a Lava Jato não é alvo apenas de elogios. Há especialistas que classificam que a condução da investigação ocorre de forma arbitrária e autoritária. “Tem o viés positivo de que pessoas poderosas econômica, social e politicamente estão sendo investigadas, mas tem uma série de práticas autoritárias que estão sendo exibidas como a única solução para o combate à corrupção, o que é extremamente perigoso”, avalia Thiago Bottino, professor de direito da Fundação Getulio Vargas (FGV), no Rio, e estudioso da corrupção no Brasil.
Fim da “tradição”
“Existe uma clientela tradicional do sistema penal, que são os pobres, os negros e as pessoas de baixa escolaridade. O Brasil é o terceiro país que mais prende no mundo, mas prende determinada parcela da sociedade. O que a Lava Jato tem como vantagem é dar foco a determinado tipo de crime que, tradicionalmente, não se investiga e não se pune no país.”
Thiago Bottino - Professor da FGV direito Rio
 
Nova política
“Os brasileiros desconheciam essa possibilidade de estar entranhada no Estado uma corrupção que é sistêmica e institucionalizada, envolvendo as maiores empresas e partidos políticos do país. Até há pouco tempo, era impensável políticos e empresários sendo indiciados. Isso vai se refletir nas eleições. A insatisfação da sociedade é monstruosa, e deverá obrigar que os políticos pensem nova forma de fazer política, sem toda essa promiscuidade.o

- Gil Castello Branc - Fundador da ONG Contas abertas
Origem
Postos. O nome Lava Jato remete ao início da investigação, quando uma rede de postos de gasolina era usada para movimentar dinheiro sujo. Mesmo com o avanço da apuração, o nome se manteve.
 
Prisão é avaliada como forma violenta para obter a delação
A operação Lava Jato completa dois anos com o diferencial de ter firmado 49 acordos de colaboração premiada com investigados. Polêmica, a medida foi a responsável pela ampliação das investigações, à medida que os indiciados forneceram novos dados ao Ministério Público Federal (MPF) em troca de reduções significativas em suas penas <FI10>(veja a Lava Jato em números nas páginas 4 e 5).

Para especialistas, porém, a forma como os acordos são firmados, com suspeitos presos, não é a ideal. O professor Thiago Bottino, da FGV Direito Rio, acredita que a colaboração premiada deveria ser permitida para quem estivesse em liberdade. “Não tenho a menor dúvida de que hoje a prisão é um fator que determina em grande parte se a pessoa vai colaborar ou não. É um incentivo perigoso, porque a colaboração está sendo obtida de maneira violenta. Imagina se o Estado puder prender para estimular a colaboração?”, questiona. 

Já o cientista político Cláudio Couto, da FGV São Paulo, defende que, se bem utilizada, a delação é legítima. “O que não se pode é obter a delação por meio de uma prisão que não se justifica”. Outra ressalva é em relação às 117 conduções coercitivas, que, em sua avaliação, foram utilizadas de forma excessiva, “para promover o espetáculo”. “A condução do Lula teve a intenção de pegar apoio na opinião pública e mobilizar a sociedade. Isso não é razoável”. 

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