quarta-feira, 2 de março de 2016

Khieu Samphan: um monstro com doutorado (COMUNISTA CAMBOJANO)

Sobreviventes do terror vermelho no Camboja descrevem cenas de canibalismo

Por: Vilma Gryzinski
O horror que não acaba: Khieu Samphan diz que “não tinha poder”
O horror que não acaba: Khieu Samphan diz que “não tinha poder"“Quero que meus compatriotas saibam que, como intelectual, sempre quis apenas a justiça social para o meu país.” Foi isso o que disse  na semana passada um dos maiores genocidas da história do século XX, período em que não faltaram concorrentes. Mas Khieu Samphan, o rosto mais visível do regime comunista no Camboja, está certo. Ele é realmente um intelectual que estudou na Sorbonne, tal como o líder mais importante do Khmer Vermelho, Pol Pot. A tese de doutorado de Khieu Samphan, intitulada A Economia e o Desenvolvimento Industrial no Camboja, inspirou-se na Teoria da Dependência, cujo formulador mais conhecido é o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – ah, como é cruel a lei das consequências indesejadas.
Kieu Samphan e Nuon Chea, chamado na era do terror vermelho de Irmão Número Dois, já foram condenados à prisão perpétua por crimes contra a humanidade, as barbáries  inomináveis cometidas quando estavam no poder. O julgamento atual é por genocídio dirigido a grupos específicos: cambojanos muçulmanos (500 mil mortos), de origem vietnamita (20 mil) e pertencentes à pequena minoria cristã (oito mil).
Testemunhas que sobreviveram ao horror estão contando o que viveram e viram. Dá vontade de desistir da raça humana. Meu Peou era um menino quando foi preso como inimigo do estado por roubar arroz para sobreviver. Seu pai já tinha morrido de fome, por não aceitar, como muçulmano, comer carne de porco. Meu Peou viu soldados do Khmer Vermelho mandarem uma prisioneira tirar a roupa. Ela foi morta na ponta da faca. “O fígado dela foi tirado e cozido para eles comerem”, relembrou o homem, chorando. Ao todo, ele perdeu 17 familiares.
Outros casos de canibalismo já foram contados. A ex-prisioneira Ouk Him contou no ano passado que outra presa, grávida, começou a sentir as dores do parto e foi tirada da cela. Ouviram-se gritos lancinantes e, depois, silêncio. O mesmo membro do Khmer Vermelho que havia levado a mulher, voltou com algo na mão ensanguentada e disse: “Olhem o fígado e o coração dela. Vamos comer e beber.”
Segundo Ouk Him e outros sobreviventes, a história sussurrada entre as vítimas é que integrantes do Khmer Vermelho comiam órgãos humanos para se tornar cada vez mais impiedosos e corajosos na matança. Outro órgão cobiçado era a vesícula biliar. Um condenado a serviços forçados conta ter visto muitas vesículas postas para secar em cercas no campo, antes de ser consumidas com bebidas alcoólicas.
Falar em um condenado a trabalhar no campo é muito vago: os moradores de todas as cidades e vilarejos do Camboja foram expulsos e transformados em camponeses por força da fome e dos tormentos. Velhos, inválidos e crianças pequenas tiveram o mesmo destino, morrendo pelos caminhos. O Khmer Vermelho, ou Partido Comunista do Kampuchea,  era um grupo armado alinhado com o maoísmo mais radical e ligado aos comunistas do Vietnã do Norte, à época. Tomou o poder  em 1975 devido às reviravoltas ocorridas no Sudeste Asiático, com a saída das tropas americanas do Vietnã, e ficou apenas quatro anos no controle total, antes de recuar para áreas do interior.
Na sua versão ensandecida do salvacionismo autoritário, Pol Pot, Khieu Samphan e outros líderes estavam dispostos a matar até o último cambojano para salvar o Camboja. Conseguiram eliminar, por fome,  doenças, exaustão, baioneta e fuzil, pouco mais de dois milhões. Além de enviar toda a população urbana para fazendas coletivas improvisadas, os militantes mataram, com as respectivas famílias, todas as pessoas com ensino superior: professores, médicos, engenheiros e qualquer um que usasse óculos. Fecharam hospitais, fábricas, escolas e universidades. A religião, o rádio e a música foram proibidos. Os filhos eram tirados dos pais e colocados em campos de trabalhos forçados especiais para crianças. Rir, chorar e manifestar afeto ou outras emoções também estavam na lista negra.
Khieu Samphan, que ocupava a posição de chefe de Estado, disse durante o julgamento atual: É fácil dizer que eu devia saber de tudo, entender tudo e, assim, interferir ou corrigir a situação. Vocês realmente acham que eu queria que isso acontecesse com meu povo? A verdade é que eu não tinha poder.”
Quantas vezes não ouvimos isso antes? E quantas vezes ainda vamos ouvir?

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