quarta-feira, 23 de março de 2016

Na Bovespa, o impeachment não está no preço

Gringos compram por via das dúvidas; locais mantêm cautela. 'Michel who?'

Por: Geraldo Samor
No mercado financeiro, muita gente já considera o impeachment inevitável, mas afirmar que a Bovespa está subindo por causa da expectativa de mudança no Poder é apenas uma meia verdade.
A alta das ações este ano — a Bovespa sobe 17% de janeiro pra cá — não é específica do Brasil, mas de todos os mercados emergentes. Na verdade, quando se compara o desempenho de cestas de ações (conhecidas como ETFs) de países como Brasil, Peru, Chile e Colômbia com a performance do minério de ferro e das commodities em geral, os gráficos parecem exatamente os mesmos.
Dilma RousseffAinda que num ou noutro dia as manchetes que saem de Brasília e Curitiba determinem a direção da Bovespa, este não é (ainda) o ‘rali do impeachment’ — as forças em movimento aqui são ainda maiores que a Lava Jato e a mobilização popular que está eletrizando a política brasileira.
De forma geral, as Bolsas estão passando por um clássico ‘short covering’ — uma alta que acontece quando os investidores que alugaram ações e as venderam, apostando na queda, são forçados a recomprá-las pelo simples fato de que elas não param de subir.
O problema, para quem apostava contra, é que os dois consensos do ano, de repente, começaram a ruir: o pessimismo com a China foi substituído por um otimismo moderado, e o dólar, que todos julgavam imbatível, começou a demonstrar uma fraqueza inesperada, principalmente porque o Fed tem adiado a alta de juros.
Em janeiro, no ápice da narrativa ‘o mundo acabou’, algumas commodities chegaram a negociar a 30% de seu custo marginal de produção. Foi este pânico que acabou criando a base para a recuperação, quase tão vigorosa quanto o crash anterior, que ainda está acontecendo. O petróleo já subiu 34% das mínimas e o minério de ferro, 48%.
Mas o impeachment tem sim um papel — ainda que coadjuvante — nesta alta recente, e por um motivo, digamos, emocional: o medo de alguns grandes investidores de ficar para trás, e não a esperança naive de que o Brasil mude da noite para o dia (com ou sem Dilma).
Nos últimos anos, os gestores globais lidaram com mudanças políticas significativas em pelo menos três países: Indonésia, Índia e Argentina. Em todos eles, a Bolsa e o câmbio subiram muito, mesmo antes da troca de poder efetiva, e um gestor profissional que tenha perdido estes três movimentos está, muito provavelmente, procurando outro emprego.
Com isso em mente, os investidores internacionais acabam comprando a Bovespa por via das dúvidas. Esta é a resposta mais simples para a pergunta “o que os gringos vêem que nós não estamos vendo?”
Potencializando este efeito, “o Brasil é muito diferente da Argentina ou da Turquia,” diz um gestor. “Somos um país grande em termos do peso nos índices globais. A Argentina é um ‘mercado de fronteira’, que sequer participa hoje da maioria dos índices internacionais. Se um destes emergentes menores ‘bomba’ por algum motivo e você perde a alta, isso não é problema, mas se você perde um movimento desses no Brasil…”
Incentivando os investidores internacionais, há também o chamado ‘viés local’ — a ideia, comum entre os gringos, de que os investidores locais são sempre mais pessimistas do que quem está de fora. A tese é de que, como os locais acompanham as notícias sobre a Lava Jato no detalhe, eles vêem cada árvore, mas acabam perdendo a floresta.
Ainda que o viés local exista, o ‘viés gringo’ também é um fato. O investidor que olha o Brasil a partir de Nova York ou Londres frequentemente não percebe certas nuances, “como por exemplo o fato de que, no Brasil, o Congresso é muito forte, e temos uma Constituição quase parlamentarista.”
Isso, como se sabe, funciona para o bem e para o mal — e nos leva à seguinte pergunta: “o que os gringos não vêem que nós vemos?”
Com todos os seus defeitos, quando comparado a outros emergentes o Brasil é mais protegido contra um governo ruim — temos um presidencialismo fraco, uma imprensa livre e um Judiciário independente, e a fragmentação dos partidos nos obriga a formar governos de coalizão. É por isso que, por mais que alguns insistam nesta comparação, não nos tornamos uma Argentina ou Venezuela. Por outro lado, essa rigidez institucional evita que as reformas econômicas sejam rápidas.
“As pessoas lá fora estão achando que as mudanças aqui serão tão rápidas quanto foram na Argentina, na Índia e na Indonésia, mas não serão,” diz um gestor local. “O País aqui é mais democrático do que qualquer um desses, e o novo governo vai ter que ralar bastante.”
Em outros países, os presidentes têm mais poder: com uma série de decretos, Mauricio Macri conseguiu mudar muita coisa na Argentina em apenas algumas semanas. A ideia de que o PMDB vai tomar o lugar do PT e, de uma hora para outra, a agenda de reformas vai decolar tende a ser mais uma torcida do que uma análise desapaixonada.
“O investidor local nota essas diferenças,” diz um brasileiro que administra um fundo internacional. “Ele sabe que as coisas são mais complicadas do que parecem. O gringo não tem ideia de quem é o Temer. Para eles, ele é o vice presidente que não foi implicado no escândalo e está esperando para substituir a Dilma. Eles nem sabem que ele foi citado na Lava Jato.”
Na Argentina, a Bolsa subiu 144% (em dólares) nos três anos que antecederam a eleição de Macri. Mas lá, o futuro era altamente previsível: Cristina Kirchner terminaria seu mandato e, quem quer que fosse seu substituto, o país estaria pronto para um recomeço. O investidor não tinha que acompanhar nada, só as pesquisas.
“Aqui, vai sair a Dilma e entrar um cara que já foi citado na Lava Jato. Qual será a reação do sistema político ao impeachment e ao Temer presidente? O Macri tem uma popularidade de 70%… O Temer vai ter 70%?” (A pergunta é retórica.)
Esta postura tem levado a vasta maioria dos fundos ‘long only’ brasileiros (aqueles que apostam apenas na alta das ações) a render menos que o índice Bovespa este ano.  Os gestores locais não compram o impeachment como panacéia, mantêm altos níveis de caixa e se recusam a comprar as estatais, que têm sido reprecificadas com a perspectiva de mudança de governo.
A Bovespa está hoje no mesmo nível de outubro de 2014 (51 mil pontos), quando o mercado atribuía 50% de chance de Aécio Neves ser eleito (ou seja, o preço embutia 50% de chances de um presidente que faria reformas estruturais com o cacife de uma vitória eleitoral). Hoje, muitas consultorias atribuem uma probabilidade de 70% ao impeachment, mas não se sabe exatamente a forma como ele transcorrerá.
Além disso, de 2014 para cá, as contas públicas pioraram assustadoramente. A relação dívida bruta/PIB, que era de 57% naquele ano já saudoso, deve chegar a 66% este ano e bater em 72% em 2017. (No México, é de 44%, e na Argentina, 40%). O quadro é grave, mas o mandato para reformas impopulares num governo-tampão de Michel Temer ainda terá que ser construído junto à sociedade.
Em que pese seu poder catártico para muitos cidadãos e investidores, o impeachment é apenas o primeiro passo para uma retomada sustentável da economia e dos mercados, e uma festa na Avenida Paulista não necessariamente autoriza outra na Bolsa.
ewz_comm
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