segunda-feira, 4 de abril de 2016

Empresas de internet faturam ‘espionando’ sua vida virtual

'Espionagem'

Algoritmos das companhias vasculham posts e buscas, criando uma espécie de “filtro-bolha” para direcionar publicidade e impor o que você deve ou não ver nas redes

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“O preço do sonho tecnológico burguês são nossos dados, nossa privacidade” Carolina Stary

PUBLICADO EM 03/04/16 - 03h00
Não é preciso muito esforço para perceber que, logo após uma curtida ou uma busca qualquer na internet, nossos perfis nas redes sociais, e-mails e sites costumam ficar “contaminados” por anúncios de produtos e temas relacionados à busca. O problema está sendo chamado por especialistas de “filtro-bolha” – é como se as pessoas fossem colocadas em uma espécie de “redoma” do ponto de vista comercial, na qual se tornam alvos das empresas. Nessa redoma, afasta-se aquilo que se supõe não ser do interesse dos usuários. Além desse lado comercial, existem também os aspectos políticos e sociais.

Isso acontece porque todos esses serviços online são comandados por algoritmos (série de códigos baseados em inteligência artificial), usados cada vez mais para decifrar a experiência de navegação de cada usuário e alimentar a publicidade direcionada por empresas como Google, Facebook e Amazon – essa última foi pioneira na questão da personalização, ainda em 1994, como descreve o pesquisador norte-americano Eli Pariser no livro “O Filtro Invisível: O Que a Internet Está Escondendo de Você”.

Isso muda significativamente a visão romântica de tempos atrás, de que a internet era um espaço livre para a troca de informações. Agora, o comportamento virtual do usuário se tornou uma mercadoria que serve para a individualização de toda a rede.

Os filtros funcionam em três etapas, segundo o professor da Escola de Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Jorge Tadeu de Ramos. “Primeiro, tentam entender quem é a pessoa e do que ela gosta. Segundo, passam a oferecer serviços personalizados, e, em terceiro lugar, criam enormes armazéns de informações para cruzar os dados. Tudo isso sem pedir autorização, já implícita nos termos de uso de cada rede”, diz.

Pariser ressalta que, quando a pessoa acessa um serviço teoricamente gratuito, como Gmail ou Twitter, na verdade está “pagando” com os próprios dados, que têm um alto valor de mercado. “A personalização é uma barganha. Em troca do serviço de filtragem, damos nossas informações”, critica.

Alguns meses em casa se recuperando de um acidente foram suficientes para a funcionária de uma start-up de tecnologia, Carolina Stary, perceber como esse filtro-bolha é prejudicial. “Minha interação na internet me fazia pensar que eu continuava socialmente ativa e integrada, o que obviamente não era verdade. O choque de realidade foi enorme. A sensação de não pertencimento ao mundo físico também. O conforto do filtro-bolha era outro”, lembra.

Reação. Todo esse esforço das empresas, aliado ao comportamento exibicionista dos usuários, torna necessário, segundo Ramos, tomar cuidado com nossas pegadas digitais. “Hoje esses sites sabem inclusive a marca da pasta de dente e do absorvente íntimo que você usa e podem fazer o que quiserem com essa informação. São empresas que vivem disso, e não dá mais para voltar no tempo, mas deveríamos ser mais cautelosos ao colocar tanta informação pessoal e até de certa forma irresponsável”, sugere o professor.

Além disso, a “prisão” em bolhas que nos fazem ver o mundo pela lente das redes sociais, principalmente no momento político em que o país está passando, pode fazer com que os usuários caiam na cilada dos “filtros-bolha” e deixem de ser expostos à informações que poderiam desafiar ou ampliar certas visões de mundo, exacerbando a polarização e prejudicando o debate democrático.

Por acreditar que os algoritmos são uma forma muito “sutil de censura”, Pariser foi taxativo ao afirmar, durante uma palestra ainda em 2011, que acredita que eles possam ser “algo potencialmente danoso numa democracia”.

“Penso que a dificuldade em encarar ideias contrárias tenha mais a ver com a dinâmica personalista da internet, especificamente das redes sociais, em que não se defende um ponto de vista, mas a si próprio”, discorda Carolina.
 
 
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