domingo, 3 de abril de 2016

Especialistas debatem: 'A política morreu?'

A qualidade dos quadros partidários e a crise de representação são preocupações

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Especialistas de diferentes linhas de pensamento comentam as reflexões do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso sobre o sistema político brasileiro, a crise de representatividade no país e a qualidade dos quadros partidários.

DAVID FLEISCHER


“O ministro exagerou um pouco. De fato, a foto da mesa do PMDB quando houve o rompimento com o governo traz personagens que assustam. Mas isso não quer dizer que a política morreu. Temos políticos corruptos e ruins, mas temos alguns bons. Acho que a política vai conseguir se recuperar, como já ocorreu em outros episódios. Quando Itamar Franco assumiu a Presidência ninguém dava nada por ele e muita gente não botava fé que podia dar certo. Custou até a engrenar, mas, ao final, a avaliação do governo foi de um sucesso, principalmente pelo Plano Real. A política vai e volta. Estamos em um momento que é decepcionante, e se a foto fosse de políticos ligados à presidente Dilma Rousseff também teríamos pessoas com diversos processos nas costas. Já trocamos Fernando Collor por Itamar e o Brasil sobreviveu. Caso ocorra a troca de Dilma por Temer tudo vai depender de como ele vai compor o governo e que medidas vai executar. Mas o ministro tem razão de que precisamos de uma reforma política. É preciso ao menos uma cláusula de barreira para eliminar partidos que têm dono e que buscam extrair vantagens. Talvez devamos eliminar as coligações proporcionais. São duas mudanças que poderiam ser feitas sem grandes dores. Já houve o avanço da Lei da Ficha Limpa, e outra mudança positiva seria acabar com o foro privilegiado.”
Pós-doutor em ciência política e professor emérito da Universidade de Brasília (UNB)

CARLOS PEREIRA

“Não concordo com o ministro. Acho que o sistema político não está falido. Existem problemas graves de gestão e de maus gerentes, mas o ministro não percebe que ao generalizar o quadro se personaliza o jogo político, em vez de se analisar o jogo constitucional. Concordo com o ministro que pessoas no Legislativo, ou mesmo no PMDB, estão implicadas em escândalos de corrupção, na Lava-Jato, ou até mesmo respondem a processos no STF, como o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Mas a legitimidade do sistema político não é dada pelas pessoas, e sim pelos procedimentos, regras do jogo e instituições. A despeito de termos problemas, as instituições estão funcionando e resolvendo as crises e os dilemas dentro da institucionalidade democrática. Isso é um fator muito positivo do nosso sistema político. A alternativa é a que a Constituição disser que for. Se a regra diz que, em caso de impeachment, o vice-presidente assume, ele tem que assumir. Essa visão de purificar a política é ingênua. Em qualquer país do mundo a política pressupõe desvios. O mais importante é que, quando desvios são identificados, têm que ser coibidos, punidos, e a regra do jogo tem que ser cumprida, a despeito de quem venha a assumir.”
Pós-doutor em Ciência Política e professor da FGV-Rio

PAULO BAÍA

“O ministro deixou escapar a frase que é uma radiografia do sistema político-partidário brasileiro. Um sistema que passa por uma crise de representatividade. Não vejo a frase dirigida apenas ao PMDB, mas a todo o sistema político-partidário, que agora está exposto na Lava-Jato. A operação fez uma tomografia do sistema mostrando que o único partido que se constituiu de forma diferente nos últimos anos perdeu representatividade ao entrar na velha dinâmica dos antigos partidos políticos, que seguem os moldes das siglas da reorganização partidária pós 1979. O único partido que conseguiu oxigenar o sistema, o PT, retroagiu ao patamar dos demais, o que nos leva a uma situação dramática de representação. A frase do ministro se encaixa naquilo que a população mais fala desde os protestos de 2013: ‘Eles não nos representam’. Esse sistema, aparentemente caótico, politiza a população num nível até antes não alcançado. Isso nos dá esperança que da população venham alternativas, novos representantes, e para que instituições se reinventem. As pesquisas de opinião mostram a insatisfação com os partidos e colocam a corrupção como foco central de preocupação. Temos uma crise de representação e falta de lideranças capazes de mobilizar as pessoas. E a população quer o aparecimento de uma liderança que represente seus anseios. E aí corremos o risco de um salvador da pátria aparecer. Já passamos por isso no passado”.
Doutor em Sociologia, cientista político e professor da UFRJ

CARLOS RANULFO

“O sistema político enfrenta uma crise de grandes proporções. O sistema se equilibrou em cima de dois partidos, o PT e o PSDB. Nosso sistema partidário era uma mesa com dois pés. Agora perdeu um, então a mesa vai cair. O PT não se recuperará rapidamente e não tem quem o substitua. A crise é um problema para a estabilidade política. Países que não têm partido forte à esquerda vão para o caminho de Venezuela e Equador, da busca de salvadores da pátria. O PT tinha um papel importante na estabilidade, e agora tem na instabilidade. Além da crise do PT, há uma crise do sistema. Não há identificação partidária na população. E achar o PMDB como alternativa é chacota. O PMDB não consegue sair do governo, que dirá governar o Brasil. É um partido que não se unifica, não tem direção, é um amontoado de interesses. A crise é mais ampla. O que faz com que várias pessoas olhem para a foto e, como o ministro, tenham um desânimo. Não é um partido ou outro. Todos entraram nesse problema por só buscar o dinheiro devido a um modelo de financiamento que temos. Nós precisaríamos não só de uma eleição para presidente, mas de eleições gerais. No parlamentarismo, além de derrubar o primeiro-ministro, é possível a dissolução do Congresso. Precisaríamos de um tratamento de choque. Mas essa é uma situação que não está em vista. Temos uma crise que não se resolve rapidamente. Vamos demorar para reconstituir referências partidárias sólidas”.
Pós-doutor em Ciência Política e professor da UFMG

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