13 jul 2016
06h08
atualizado às 09h43
"É muito difícil. A gente está preparado para situações bem
complicadas. Temos procurado estudar maneiras de manter aquilo que se
conquistou, mas avançar é muito difícil". A avaliação é de José Mariano
Beltrame, secretário de segurança do Estado do Rio de Janeiro há quase
dez anos, sobre o futuro da segurança no Rio depois da Olimpíada, quando
os reforços militares e policiais deixarem a cidade.
Para ele, a crise econômica vivida pelo RJ acrescentou ainda mais dificuldades a uma área já complexa.
"Como é que você vai fazer as coisas com os policiais sem salário? Com
os batalhões às vezes sem alimentação? Imagina eu chegar pra você e
dizer que você vai receber só meio salário. Como é que eu vou exigir que
o policial saia para a rua, arrisque a vida e se comprometa com uma
sociedade e com um Estado, se esse Estado não paga?", questiona.
Em entrevista à BBC Brasil no Centro Integrado de Comando e Controle
(CICC), de onde será gerenciado todo o esquema de segurança da
Olimpíada, Beltrame comentou a onda de violência que atinge o Rio nos
últimos meses e que se intensificou nas últimas semanas, com mais mortes
por balas perdidas, arrastões em bairros da Zona Sul e da Zona Norte, e
o maior número de assaltos em 26 anos, registrado no mês de maio, com
quase 10 mil roubos, praticamente um a cada quatro horas.
Embora não negue que o Rio esteja "em um de seus momentos mais
difíceis", o secretário rejeita que a situação esteja "fora de
controle". "Os indicadores tiveram um aumento nos últimos quatro ou
cinco meses mas nós temos uma história de nove anos e estamos, mesmo na
crise, buscando já recuperar a diminuição desses índices, principalmente
dos crimes contra a vida", diz.
Beltrame diz não ter dúvidas de que haverá segurança no Rio durante os
Jogos. "Eu posso dizer que as Olimpíadas vão ser tranquilas, que as
pessoas podem vir ao Rio de Janeiro. O Rio está pronto para isso".
Para ele, o motivo de preocupação é o que vem depois.
"Tenho policiais para serem chamados para trabalhar, mas não sei se vão
conseguir nomeá-los. Tenho solicitação de concursos públicos para
fazer, mas não posso porque não tenho dinheiro. Nós vamos ter que
diminuir as incidências criminais dentro de uma realidade econômica sem
perspectiva de melhora. É uma tarefa difícil", avalia.
Rumo aos 60 anos, o gaúcho de Santa Maria já se disse cansado do cargo
diversas vezes, mas sempre aceitou continuar à frente da segurança
pública do Rio. Ele diz que ainda tem "umas coisinhas para fazer", e que
vai tentar fazê-las, mesmo sem dinheiro. "Quando eu fizer, eu vou dar a
minha missão, o meu período por cumprido".
Veja os principais trechos da entrevista:
BBC Brasil - Nas últimas semanas o Rio de Janeiro tem vivido assaltos,
arrastões, mortes por balas perdidas, casos de muita repercussão e
cenas que remetem a uma época que o carioca já considerava parcialmente
superada. Há uma crise de segurança no Rio? A situação está fora de
controle?
José Mariano Beltrame -
Não, absolutamente não. Ainda ontem nós fechamos os números de junho e
nós estamos no terceiro mês consecutivo de queda de homicídios. Nós
temos sim um impacto na segurança pública que é oriundo de uma crise
econômica que o Estado vem enfrentando, e isso foi se refletindo na
segurança a partir de março em função de alguns programas que nós
tínhamos e cujas verbas foram cortadas.
Houve um impacto, mas não se trata de nada que possa ser classificado
como fora de controle, ou a situação que nós tínhamos antes de 2007.
Basta olhar os números. Os indicadores tiveram um aumento nos últimos
quatro ou cinco meses mas nós temos uma história de nove anos e estamos,
mesmo na crise, buscando já recuperar a diminuição desses índices,
principalmente dos crimes contra a vida. Estamos conseguindo com muito
sacrifício. Temos problemas de gerenciamento em função da economia do
Estado e do país, mas longe de se ter algo fora de controle.
BBC Brasil - À frente da segurança do Estado do RJ há quase dez anos, o
senhor viu muitas transformações e diferentes situações. Em que momento
o Rio está agora em termos de segurança pública?
Beltrame -
Nós estamos em um momento difícil. Como é que você vai fazer as coisas
com os policiais sem salário? Com os batalhões às vezes sem alimentação?
Isso tudo foi sanado agora semana passada, com dinheiro federal, mas
não há como dizer que não temos problemas. É claro que temos.
Imagina eu chegar pra você e dizer que você vai receber só meio
salário. E a segunda parte? Não sei quando eu vou te pagar. Como é que
eu vou exigir que o policial saia para a rua, arrisque a vida e que se
comprometa com uma sociedade e com um Estado, se esse Estado não paga?
Nós estamos vivendo um dos momentos mais difíceis da segurança pública
no Rio.
BBC Brasil - Estamos a três semanas da Olimpíada. O que pode ser feito antes dos Jogos para segurar a atual onda de violência?
Beltrame -
Eu posso dizer que a Olimpíada vai ser tranquila, que as pessoas podem
vir ao Rio de Janeiro. O Rio está pronto para isso. Por quê? Porque nós
vamos ter aqui em torno de 40 mil a 50 mil policiais, e com os soldados
nos quartéis devemos chegar a perto de 85 mil homens no total. A cidade
vai estar muito bem protegida.
Se você andar hoje pelas ruas do Rio você já vai ver outras
instituições alinhadas com a segurança pública do Estado, e nós
pretendemos chegar até o dia 5 de agosto com esse número total de homens
nas ruas.
BBC Brasil - Qual é a prioridade do esquema de segurança das Olimpíadas?
Beltrame -
Para mim sempre foi a questão do terrorismo. Nós fizemos os Jogos
Panamericanos, em 2007, depois os Jogos Mundiais Militares, Jornada
Mundial da Juventude, Copa das Confederações, Copa do Mundo, e agora
vamos fazer a Olimpíada. Sempre, nesses eventos internacionais, nos
quais a gente recebe um número grande de países, a preocupação primeira é
a questão do terrorismo. Não tanto pelo Brasil, já que nós não temos
uma tradição nisso, mas nós vamos receber países amigos que,
infelizmente, são potenciais alvos deste tipo de ação.
BBC Brasil - Sendo que a crise econômica é um dos motivos da atual
situação de intensas dificuldades na área de segurança, o que deve
acontecer se a crise se arrastar no Estado e no país? Como será a
segurança do Rio após os Jogos?
Beltrame -
É muito difícil. A gente está preparado para situações bem complicadas.
Temos procurado estudar maneiras de manter aquilo que se conquistou,
mas avançar é muito difícil. Eu tenho policiais para serem chamados para
trabalhar, mas não sei se vão conseguir nomeá-los. Eu tenho solicitação
de concursos públicos para fazer, mas não posso fazer porque não tem
dinheiro. Então nós vamos ter que diminuir as incidências criminais
dentro de uma realidade econômica sem perspectiva de melhora. É uma
tarefa difícil.
BBC Brasil - Segundo o ISP (Instituto de Segurança Pública), o Rio tem
agora o maior índice de assaltos de rua em 26 anos. Foram 10 mil só no
mês de maio, um roubo a cada quatro horas. Como enfrentar essa realidade
com cortes orçamentários na pasta de segurança?
Beltrame -
Estamos tentando fazer com que as instituições policiais procurem ser
um pouco mais dinâmicas, que um policial que tinha que atender um
determinado espaço consiga abranger uma área um pouco maior. Um batalhão
da Polícia Militar presta apoio para outro por uns dias, depois o outro
recebe apoio de outro batalhão, e vão fazendo esse rodízio, no sentido
de atacar lugares que tenham uma mancha criminal mais expressiva. Há
convênios com a iniciativa privada, como Centro Seguro, Lapa Segura,
Aterro Seguro, Lagoa Segura, que são a união de policiais já aposentados
com policiais da ativa, que trabalham em uma hora suplementar e ainda
egressos do Ministério da Defesa, egressos das Forças Armadas. A
iniciativa privada paga esse policiamento e tem tido excelentes
resultados.
BBC Brasil - Fala-se muito sobre a crise das UPPs, mas há dois
territórios de favelas extremamente complicados no Rio de Janeiro, os
complexos da Maré e do Chapadão, que não integram o programa de
pacificação. Na Maré há frustração porque a instalação da UPP foi
cancelada por falta de verbas. O Chapadão, como se sabe, virou o novo QG
do Comando Vermelho. Qual deve ser o futuro desses dois locais que têm
registrado tiroteios e muita violência nos últimos meses?
Beltrame -
Você vê como são as coisas. As pessoas criticam a UPP, e a minha mesa
amanhece cheia de e-mails do pessoal do Chapadão, do Costa Barros,
querendo a UPP. E você disse isso da Maré. Por que a gente não foi para a
Maré? Porque o Estado ficou de me dar determinadas obras físicas lá
dentro e não fez por causa da crise econômica. Eu não vou botar o
policial exposto lá dentro. Não quero mais botar o container lá, uma
caixa de lata. Não quero isso.
Eu quero uma base fixa, e o Estado não conseguiu fazer. Nós temos que
fazer a Maré, e, obviamente, o próximo passo é Chapadão, Pedreira e
Costa Barros. Porque tem que fazer todo esse complexo e ainda fazer uma
boa proteção para que esses caras não desçam para a Baixada Fluminense.
BBC Brasil - É realista prometer UPPs na Maré e no Chapadão, dois dos
lugares mais perigosos do Rio atualmente, em meio à crise econômica?
Beltrame -
Eu não estou prometendo. Eu estou dizendo que ela está planejada, e
quando nós tivermos as condições para fazer, nós vamos executar o
planejamento. Por isso eu nunca falo quando é a próxima. Não é uma
tarefa simples, não. É uma tarefa bastante complexa. Nós temos que ter
muita visão de que não são locais simples, não é nada trivial.
BBC Brasil - Sabe-se que o senhor era contrário à expansão das UPPs no
governo do ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) e que aconselhou focar no
planejamento inicial. O senhor acabou ficando no governo e aderindo à
ideia e havia promessas de recursos e ações sociais nas favelas, o que
não aconteceu. O senhor se sente traído?
Beltrame -
Não. Absolutamente não. Por quê? Porque a gente mostrou que é possível.
Existia sempre o discurso de que em determinada área não se pode fazer
nada, o repórter não pode entrar. Eu quero botar esgoto lá e o tráfico
não deixa. Tem que pagar pedágio para o gás, para a luz. E a gente foi
lá. O Estado entrou lá.
A UPP nada mais foi do que uma anestesia que você deu num paciente que
precisava de uma grande cirurgia. A cirurgia não aconteceu, e o efeito
da anestesia pode estar diminuindo.
Órgãos municipais, estaduais, federais, públicos e privados sempre
usaram essa desculpa para não fazer o que já deveriam ter feito há muito
tempo nessas comunidades, levar melhorias e serviços. Isso virou uma
bola de neve e hoje o Rio tem mais de mil favelas totalmente carentes de
ordem pública e segurança primária.
Essa entrada do Estado nas favelas não aconteceu efetivamente, mas para
mim ficou muito claro a semente de que é possível. Eu defino toda essa
mecânica muito rapidamente. A UPP nada mais foi do que uma anestesia que
você deu num paciente que precisava de uma grande cirurgia. A cirurgia
não aconteceu, e o efeito da anestesia pode estar diminuindo. Se
precisar dar outra anestesia, a gente dá, mas tem que acontecer a
cirurgia.
BBC Brasil - O senhor citou que a legislação do país é deficiente e
que criminosos podem ser soltos após dois anos, o que dificulta o
trabalho. Diante disso, o senhor tem confiança de que a polícia não está
tomando a lei em suas próprias mãos? Que a polícia não está indo para
as favelas para matar os criminosos porque a lei não protege a
população?
Beltrame -
Olha, eu acho que essa acusação de dizer que o policial mata, isso não é
verdade. Nós podemos ter alguns índices um pouco mais acima, mas isso
não é verdade. Nós criamos aqui o Índice de Letalidade Violenta, que
inclui na atividade policial os crimes praticados por policiais. Há
Estados desenvolvidos no Brasil que nem fazem essa leitura, e se você
pegar historicamente a letalidade policial baixou muito.
Nós temos agora de quatro meses para cá um recrudescimento disso,
exatamente porque a polícia teve que ser um pouco mais ostensiva, ela
teve que dar, de uma certa forma, uma resposta. Mas essa não é a lógica
dos nove anos e quatro meses que eu estou aqui.
BBC Brasil - Mas nos últimos dez anos, segundo um relatório da
organização Human Rights Watch divulgado semana passada, a polícia no
Rio matou 8 mil pessoas na cidade. Isso não é muito?
Beltrame -
Quanto era antes, você sabe? Então nós temos que fazer uma comparação.
As coisas sempre estarão boas ou ruins em relação a outra coisa, você me
desculpe. Este é um número absurdo, claro, mas e antes quanto era? 10
mil? 12 mil? Qualquer policial que mata uma pessoa é retirado do
serviço, a sua arma é recolhida, ele vai a julgamento, e se ele se
excedeu ele é expulso da corporação.
Nós temos hoje mais de 3 mil policiais expulsos da corporação. Então eu
acho que não se pode focar única e exclusivamente nesta questão. Esta é
uma questão que tem que ser encarada, mas o policial, quando ele comete
um excesso, ele é punido de maneira exemplar.
BBC Brasil - Uma questão importante é o maior controle sobre a entrada
de armas no país, corrupção que garante acesso a armamentos, desvios. O
Rio teve uma CPI sobre o assunto e se descobriu uma série de problemas.
O Estado não poderia fazer mais para impedir a chegada de armas até os
criminosos?
Beltrame -
Muito mais, muito mais, mas não só no aspecto interno. Porque hoje, bem
ou mal, você tem um sistema que controla armas. A polícia tem um
sistema que controla armas, tanto é que ela detecta se está faltando ou
se não está faltando. O nosso grande problema hoje é o ingresso de armas
que nós temos no país. E é no país, não é no Rio de Janeiro. Hoje, o
Rio de Janeiro apreende 1,2 fuzil, às vezes 1,5 por dia, segundo nossas
estatísticas. Em seis meses, você vai apreender 130 fuzis. São armas que
entram livremente no país.
Nós precisamos efetivamente de uma política nacional. Agora o Paraguai
abriu efetivamente a sua fronteira com o Brasil, porque os brasileiros
ocuparam Pedro Juan Caballero, matando o Jorge Rafaat, traficante que
controlava a fronteira, hoje o corredor está livre pra isso. Há que se
tomar uma atitude. Não adianta, há que se desarmar. Mas não é controlar
só a polícia, só a venda de arma na loja. Nós temos que controlar da
onde vem a arma clandestina, da onde vem a arma que está na mão do
bandido.
BBC Brasil - O senhor vai fazer 60 anos e já comentou em várias
entrevistas que é cansativo ocupar esse cargo, mas sempre acabou
aceitando continuar. O senhor aceitaria continuar à frente da segurança
pública do Rio em um novo governo?
Beltrame -
Eu acho que tenho algumas coisas que eu posso fazer, mesmo sem
dinheiro. E eu vou tentar fazer. Quando eu fizer, eu vou dar a minha
missão, o meu período por cumprido. Porque segurança pública você nunca
vai vencer, você nunca vai dizer "eu venci". Você já tem que trabalhar
na segurança pública sabendo que você não vai zerar isso.
Você não vai zerar porque isso é do fato social, se não é essa
segurança, são os problemas que acontecem hoje lá com os americanos. Eu
vou me achar em condições de dizer que fiz o possível, fiz o que pude, e
dei o máximo de mim, com as condições que me deram, quando eram boas e
quando eram ruins. Mas eu ainda tenho algumas coisinhas para fazer.
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