Entrevista
Alexandre de Moraes
Corrupto tem que cumprir a pena inteira
Luiz Carlos Murauskas/Folhapress
Ary Filgueira, Débora Bergamasco
Edição 08.07.2016 - nº 2431
ISTOÉ – O sr. definiu a segurança como uma
de suas principais bandeiras à frente do Ministério da Justiça. O que a
pasta pode fazer para ajudar no combate à violência no País?
Alexandre de Moraes – Integração.
Infelizmente, desde a Constituição de 1988, por algum motivo a União
achou que não deveria se meter em questão de segurança, confundindo um
pouco exercício de autoridade com autoritarismo. O que é totalmente
diferente. A União se afastou dos assuntos de segurança e os estados
ficaram com a responsabilidade de polícia civil e militar. Entretanto,
não é o Estado que legisla direito penal, processo penal. Então, a União
editava normas e os Estados tinham de correr atrás disso. Além disso,
cada Estado tem uma questão territorial de não invadir a outra unidade
federativa vizinha. Podem até fazer parceiras, mas elas se dão sem uma
coordenação e por isso não funcionam. Isso está claramente demonstrado
pelo avanço do tráfico de drogas no Brasil.
ISTOÉ – Como o sr. exemplifica isso?
Moraes – O País não produz cocaína. A
maconha consumida aqui vem do Paraguai. O tráfico de armas, que até sete
anos atrás era só no Rio de Janeiro, agora está em São Paulo, Porto
Alegre. Esse armamento vem da Venezuela, pois comprou muito da Rússia
nas últimas décadas e acaba vendendo clandestinamente. E todos os crimes
graves têm relação: ou com tráfico de entorpecente ou com tráfico de
armas. É necessária uma integração e coordenação por parte da União, que
tem mecanismos que complementam os Estados e municípios.
ISTOÉ – O sr. reivindicava mais cuidado
com as fronteiras quando era secretário de segurança pública de São
Paulo. Como ministro, como é seu plano hoje para resolver essa questão?
Moraes – Assim que eu assumi o Ministério,
obviamente não podia reclamar de mim mesmo. Então, fizemos um projeto
de fronteiras seguras. Passei ao presidente (Michel) Temer a ideia e ele
achou boa. Trata-se de integração entre Ministério da Justiça,
secretarias de segurança pública, ministérios das Relações Exteriores,
dos Transportes e de Defesa, Gabinete de Segurança Institucional para
montar algo global. Não adianta você, em 17 mil quilômetros de
fronteiras secas, colocar homens ao lado do outro, de mãos dadas, para
barrar a fronteira. Não é isso o combate de fronteira. Temos de ter
serviços de inteligência integrados para, a partir desse serviço,
montarmos as operações. Elas devem ser ostensivas, como policiamento
preventivo, e operações já investigativas: de cumprimento de mandados,
ataques a grandes traficantes de armas, drogas, contrabando. Eu levei a
proposta para os secretários de segurança de São Paulo, Rio de Janeiro,
Paraná, Matogrosso e Mato Grosso do Sul de criar em cada um dos estados
um núcleo permanente de inteligência.
ISTOÉ – Por que esses Estados?
Moraes – São os estados que têm maiores
informações sobre a criminalidade. Vamos integrar esse sistema de
informações com imagens. Esses núcleos vão juntar tudo isso. O Brasil
não precisa mais de diagnósticos em questão de segurança. Já temos
excesso de diagnósticos. Precisamos partir para ação. Esse núcleo
permanente de inteligência e integração vai fazer exatamente isso.
Esperamos que cada núcleo coloque os pontos por onde passam (as drogas,
armas e contrabando) para saber onde precisa de mais policiamento. Você
precisa prender quem produz, transporta e recebe para distribuir nos
estados.
ISTOÉ – Qual será a segunda parte desse trabalho?
Moraes – A partir desse mapeamento, o
Ministério vai dar prioridade absoluta para a Força Nacional atuar nas
fronteiras. Vamos agregar a segunda fase que é a externa. Aí temos de
apontar onde cada Ministério vai ajudar nesse processo. O que não é
razoável é que o Paraguai e Bolívia, de onde vem boa parte da maconha,
cocaína e armas, tenham relação diplomática com o Brasil, comércio com o
Brasil e não tomem uma postura mais dura com relação a isso. Até o
ministro (José) Serra, das Relações Exteriores, concordou.
ISTOÉ – Então o sr. vai mudar a característica da Força Nacional?
Moraes – Totalmente. A Força Nacional vai
ser utilizada para policiamento ostensivo e preventivo. Mas vamos tentar
não desfalcar os estados, que hoje cede um número de policiais para a
Força Nacional. Eu redigi e o presidente Temer concordou. O presidente
vai editar uma Medida Provisória permitindo que nós chamemos para a
Força Nacional policiais com até cinco anos de inatividade, que acabaram
de sair. O policial que tem uma aposentadoria especial. Com isso, a
gente consegue ampliar o efetivo da Força Nacional, que tem até 1,5 mil
policiais. A intenção é que esse efetivo chegue a 15 mil homens e possa
focar na segurança das fronteiras. Nada impede que a Força Nacional
possa ser usada em emergências.
ISTOÉ – Em quanto tempo o sr. estima que poderíamos chegar a esse efetivo de 15 mil homens?
Moraes – Veja bem, a Medida Provisória
deve ser editada ainda nesta semana. Depois, precisa ser regulamentada
uma portaria. Então, temos de publicar um edital de chamamento. A
primeira utilização (da Força com um efetivo maior) será no reforço da
segurança nas Olimpíadas.
ISTOÉ – Quanto aos presídios brasileiros, como resolver os problemas da superlotação e rebeliões?
Moraes – A questão penitenciária também é
uma questão de segurança pública. Quem entende de segurança pública sabe
que os reflexos de um bom tratamento do sistema penitenciário é
importantíssimo para se ter melhores resultados em segurança pública. O
problema é que o Brasil prende muito, mas prende mal. O que significa
isso? A gente prende quantitativamente, não qualitativamente. Alguém que
furta um botijão de gás tem de ir para cadeia. Alguém que com um fuzil
ameaça ou explode caixa eletrônico também terá pena privativa de
liberdade. A hora que você faz com que todos cumpram só um sexto para
ter a progressão, você aproxima o criminoso grave do criminoso leve.
Qual a ideia? Primeiro é uma alteração legislativa. Já pedi para a gente
discutir no Congresso Nacional que crimes praticados com violência ou
grave ameaça e crimes de corrupção não precisam ter a pena aumentada.
Basta que esses criminosos cumpram a pena inteira. Acabar com essa
progressão de um sexto.
ISTOÉ – O sr. tem apoio do presidente para enviar essa matéria à apreciação do Congresso?
Moraes – Sim. Essa é uma ideia de combate à
criminalidade. Como você consegue explicar – eu fui promotor do júri –
para uma família, que acabou de perder um parente que foi morto em um
homicídio que com um ano o autor já vai estar na rua de novo? É
totalmente sem proporcionalidade. Então, nesses casos, a pena tem de ser
cumprida nos seus três, quatro quintos. No final, se tiver bom
comportamento, no último quinto, aí faz-se o livramento condicional, com
restrição, uso de tornozeleira. Agora, no caso de crimes praticados sem
violência – furto, estelionato – por que a pessoa precisa ser presa?
Não que eles tenham de ficar impunes. Mas por que não investir em penas
alternativas, como prestação de serviços à comunidade? E deixa o sistema
penitenciário para quem praticou violência ou crime de corrupção.
ISTOÉ – O sr. está elaborando este projeto de mudança na Lei de Execuções Penais para mandar ao Congresso?
Moraes – Na verdade, há bons projetos na
Lei de Execuções Penais. Pegamos todos esses projetos para realizar um
estudo de consolidação para, a partir disso, dentro dessas ideias que te
passei, irmos discutir com os líderes do Congresso.
ISTOÉ – O sr. foi recentemente visitar a
equipe da Força Tarefa da Lava Jato no Paraná. Qual que é a sua opinião
sobre os trabalhos da operação?
Moraes – Desde que assumi, estou visitando
e pretendo, até o fim do ano, visitar todas as superintendências da
Polícia Federal. Já havia visitado aqui no Distrito Federal, em São
Paulo, Santa Catarina. Então, marquei também uma visita no Paraná.
Aproveitei para parabenizar o trabalho do juiz (Sérgio) Moro, da 13ª
Vara Federal de Curitiba, da Força Tarefa do Ministério Público e dos
próprios policiais. Eu fui promotor e sei a dificuldade que é você
conseguir fazer fase após fase e com ligação. É um trabalho muito bem
feito o que o Sérgio Moro está fazendo. E com resultado. Ele pode contar
com o apoio do Ministério.
ISTOÉ – Alguns advogados e muitos investigados reclamam de arbitrariedade e excessos por parte da Lava Jato. O sr. concorda?
Moraes – Não. Basta verificar o seguinte: o
número de habeas corpus e quantos foram julgados procedentes para
verificar que é uma operação gigantesca, que vem há quase três anos, e é
confirmada em todas as suas etapas pelo Tribunal Regional Federal,
Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal. Então, não
se pode dizer que há arbitrariedade. Essa arbitrariedade estaria sendo
confirmada pelo TRF, STJ e STF? Lógico que não. É todo um sistema
judiciário que está mantendo o que está sendo feito dentro da
legalidade.
ISTOÉ – Como o sr. avalia a disposição do
presidente do Senado, Renan Calheiros, de resgatar o projeto de 2009 que
prevê punição a crimes de abuso de autoridade?
Moraes – Como a Operação Lava Jato atua dentro da legalidade, não tem impacto nenhum.
ISTOÉ – O sr. vai acatar essa ideia da Polícia Federal de indicar uma lista tríplice para a escolha do novo diretor-geral?
Moraes – O cargo não está vago. Tem como
chefe da PF o doutor Leandro Daiello e vai continuar sendo. Enquanto eu
for ministro e tiver a confiança do presidente Temer e enquanto doutor
Daiello quiser continuar. E acredito, pela animação dele, que vai
continuar. O Senado decidindo pela manutenção do presidente Temer, então
doutor Daiello continua comigo.
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