03/04/2014
às 18:54 - Veja
Um
estrangeiro que ignorasse a nossa história, mas conseguisse ler a nossa
imprensa, certamente chegaria à conclusão de que este é um país que
padece de uma doença social rara, talvez única, nativa mesmo, como a
jabuticaba. O nome dessa doença é esquizofrenia histórica.
Como
sabemos, nestes 50 anos do chamado “golpe”, nunca os militares foram tão
demonizados como agora. Alguns poderão dizer que não é bem assim; que
as críticas são dirigidas aos desmandos e aos excessos havidos durante a
ditadura, mas a gente sabe que isso não é verdade. Os militares são
tratados como intrusos. Passa-se adiante a impressão de que tudo
caminhava às mil maravilhas no mundo civil; de que o governo João
Goulart era um exemplo de democracia e disciplina, e aí chegaram os
gorilas fardados para nos tirar no paraíso. Notem: é evidente que eu
acho que militares não têm de se ocupar da política. Mas acho também que
as pessoas que se ocupam da história devem se ater aos fatos. E é fato
que foi o governo civil de 1964 que criou as condições para a golpe
militar. Negá-lo é fazer pouco caso das evidências — e nada disso impede
que se reconheçam os desmandos havidos, porque é certo que os houve.
Ponto parágrafo.
O Brasil é
governado por civis desde 1985. Embora as primeiras eleições diretas
para presidente, depois do ciclo militar, tenham ocorrido só em 1989,
chamar de “ditadura” o governo vigente em 1982, por exemplo, é um pouco
mais do que licença poética — é mentira mesmo. Mas nem me atenho a isso
agora. O fato é que, depois de quase três décadas, quando se precisa de
uma referência de confiabilidade, de seriedade, de incorruptibilidade e
de eficiência, eis que se apela às… Forças Armadas.
Garantir a
segurança pública é tarefa precípua dos civis, é evidente. Sim, o
artigo 142 da Constituição reconhece às Forças Armadas papel subsidiário
na manutenção da lei e da ordem, mas essa não é sua tarefa primeira.
Não obstante, a partir de sábado, 2050 homens da Brigada de Infantaria
Paraquedista e 450 da Marinha vão ocupar o Complexo da Maré, no Rio. Lá
ficarão, no mínimo, até 31 de julho — sim, leitores, a Copa do Mundo
acontece nesse intervalo.
Pessoalmente,
já disse, nada tenho contra a intervenção das Forças Armadas no combate
ao narcotráfico. Há quase 30 anos, já disse, escrevi meu primeiro texto
defendendo tal ação. Ocorre que não estou entre aqueles que saem por aí
a defender uma tal desmilitarização da polícia — seja lá o que isso
signifique — ou que tratam os militares como espantalhos.
E notem:
no Complexo da Maré, o Exército e a Marinha não se limitarão a fazer um
trabalho de apoio, não. Vão mesmo exercer função de polícia. Segundo o
general Ronaldo Lundgren, chefe do Centro Operacional do Comando Militar
do Leste, os homens estão autorizados a realizar patrulhamento
ostensivo, revista e prisões em flagrante.
Todo
cuidado é pouco. A chance de haver problemas é gigantesca. O
narcotráfico costuma mobilizar agentes provocadores para incitar uma
resposta violenta dos soldados e, assim, jogar a comunidade contra os
militares. Lundgren afirmou, durante entrevista coletiva no Palácio
Duque de Caxias, no Centro do Rio, que haverá um telefone para que os
moradores da Maré possam denunciar eventuais abusos de autoridade.
Nos 50
anos do golpe, o poder civil foi bater à porta dos quartéis. Como se vê,
as Forças Armadas não são intrusas, mas parte da história do Brasil.
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