"Alteri ne facias quod tibi fieri non vis"
Não faças aos outros o que não queres que te façam
quarta-feira, 3 de agosto de 2016
Justiça usa legislação antiterrorismo para prender sem-terra
Membros do MST são acusados de participar de 'organização criminosa'; grupo ocupa usina em Santa Helena de Goiás
Leonêncio Nossa,
O Estado de S. Paulo
03 Agosto 2016 | 08h16
BRASÍLIA - Com base na Lei 12.850 que tipifica organizações
criminosas, a Justiça em Goiás mandou prender quatro militantes do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Um deles, José
Valdir Misnerovicz, que atua no movimento há 30 anos, está preso no
Núcleo de Custódia de Segurança Máxima de Aparecida de Goiânia. Sua
prisão ocorreu em maio, mas atualmente o movimento tem reforçado seu
repúdio contra a “criminalização” de suas lideranças e pede revogação
das ordens de prisão.
Foto: MST/Divulgação
As prisões estão inseridas no contexto de ocupação da Usina Santa
Helena, uma propriedade de 22 mil hectares, no município de Santa Helena
de Goiás, por cerca de mil famílias sem-terra ocorrida no domingo
passado. É uma das maiores ações do MST neste ano no País. O movimento
cobra o assentamento de 6.500 famílias na área.
É a primeira vez que a Justiça aceita denúncia do Ministério
Público contra lideranças sociais com base na lei de 2013 sobre
organizações criminosas, especialmente no artigo 2.º, que contou com a
redação da Lei 13.260, a lei antiterrorismo, que começou a vigorar dias
antes da prisão dos sem-terra.
O uso da norma para prender os militantes do MST preocupa
lideranças em Goiás. “A luta pela terra está sofrendo um novo estágio de
criminalização, que passa pelos confrontos e atinge a judicialização”,
afirma Luiz Zarref, da coordenação nacional do movimento. “A questão da
terra não pode ser colocada como algo criminoso, especialmente quando se
está diante de um dos grandes devedores da União”, disse, referindo à
situação da Usina Santa Helena, que está em processo de recuperação
judicial e com dívidas.
Histórico.As terras da
Santa Helena, uma usina de álcool aberta nos anos 1970, são disputadas
por famílias de pequenos agricultores desde a crise que atingiu a
empresa, há três anos. Uma parte da propriedade foi arrendada para
plantadores de soja. Em 23 de agosto do ano passado, os sem-terra
ocuparam pela primeira vez a propriedade. Autoridades fazendárias
chegaram a iniciar um acordo para repassar 5.500 hectares para a reforma
agrária, com a redução da dívida da empresa. A Justiça, no entanto,
suspendeu o processo, argumentando que os trabalhadores da usina, com
direitos a receber, deveriam ter prioridade.
No dia 12 de abril, os sem-terra foram surpreendidos com a
decisão da Justiça de prender as quatro lideranças, especialmente José
Valdir Misnerovitcz que integrava o comitê montado pelo governo goiano
de gerenciamento de crise no campo. Ele era um dos responsáveis em
negociações para evitar confrontos e violência em reintegrações de posse
e despejos.
Nos argumentos da denúncia os promotores Julianna Giovanni
Gonçalves e Sérgio Luis Serafim citam atos de violência praticados por
Diessyka Lorena Santana Soares, Luis Batista Borges e Natalino de Jesus
no município de Santa Helena. Não há referências, porém, a possíveis
atos de Misnerovitcz na região. Os promotores dizem que o sem-terra
constitui e integra uma organização criminosa.
Organização criminosa. A decisão de
prender os sem-terra foi tomada por uma comissão formada pelos juízes
Thiago Brandão Boghi, Rui Carlos de Faria e Vitor Umbelino Soares
Junior. Por meio da assessoria do Tribunal de Justiça de Goiás, a juíza
Aline Freitas da Silva, que responde temporariamente pelo caso,
ressaltou que a prisão foi pedida pelo Ministério Público. Os promotores
argumentam que os sem-terra fizeram ameaças a funcionários da fazenda e
“subtraído” uma máquina agrícola. Não há referências a uso de armas de
fogo pelos sem-terra, que teriam usado apenas armas brancas, como
facões.
Nenhum comentário:
Postar um comentário