terça-feira, 24 de julho de 2012

Aumenta procura por segurança clandestina em Minas

Movidos por clima de insegurança, cidadãos recorrem a guaritas e vigias clandestinos, que ocupam o espaço público e já somam 60 mil pessoas, dominando dois terços do mercado
Junia Oliveira -Estado de Minas
Publicação: 24/07/2012 06:00 Atualização: 24/07/2012 06:35

Guaritas em calçadas são consideradas irregulares. No Mangabeiras (acima), avisos foram inúteis (Beto Novaes/EM/D.A Press)
Guaritas em calçadas são consideradas irregulares. No Mangabeiras (acima), avisos foram inúteis
Na tentativa de escapar da violência, milhares de famílias estão caindo nos braços da clandestinidade em Minas, onde estima-se que dois terços do serviço de proteção particular sejam ilegais. Estimativa do próprio Sindicato das Empresas de Segurança e Vigilância (Sindesp-MG) dá conta de que são 28 mil profissionais habilitados, contra um exército de pelo menos 60 mil irregulares. Desses, 70% estão concentrados em Belo Horizonte. E não se trata de um serviço velado: eles podem ser facilmente identificados dentro de guaritas instaladas nas calçadas ou praças, controlando ruas tomadas por cones e cancelas ou, ainda, motorizados, vigiando o movimento das vias. Na tentativa de inibir a criminalidade, diante de uma fiscalização ineficiente ou ignorada, moradores descrentes da eficácia do poder público se valem de empresas que na aparência são legalmente constituídas, ou simplesmente recorrem a quem faz da segurança um bico.
O limite da segurança privada são os muros de cada imóvel. “Segurança patrimonial é intramuros. Na calçada não pode, é crime, inclusive. Em área pública, só cabe a atuação dos vigilantes em caso de escolta pessoal ou de veículo, em todos os casos, com a devida autorização, concedida pela Polícia Federal”, adverte o presidente do Sindesp-MG, Edson Pinto Neto. Mesmo assim, basta uma volta por alguns bairros, especialmente os mais nobres, para perceber que a norma é solenemente ignorada. Na Região Centro-Sul da capital são várias as guaritas com placas indicando em letras garrafais que ali há segurança armada e eletrônica. Algumas têm até câmera de vigilância e os vidros com película, para dificultar a identificação de quem está lá dentro.
O aparato, além de irregular, segundo o sindicato do setor, não tem demonstrado eficiência. Foi o que ficou evidente na Rua Comendador Viana, no Bairro Mangabeiras, Região Centro-Sul, onde bandidos armados invadiram uma casa e fizeram moradores reféns na semana passada. Na Rua Ministro Alfredo Valadão, no mesmo bairro, além da integração com a rede de vizinhos protegidos, da Polícia Militar, um vigilante se vale de um carro para fazer ronda. Dizendo tratar-se de orientação da empresa, ele não quis falar sobre suas atribuições.
Na Rua Engenheiro Otávio Goulart Penna, também no Mangabeiras, o funcionário da guarita, instalada na Praça Raul Machado Rocha, presta atenção a todos os que passam. Cones fecham meia pista, facilitando a vigilância. Na Praça Angelino Bruschi, o mobiliário bem equipado serve de abrigo para controlar o acesso à Rua João Camilo de Oliveira Torres. Em todos os casos, além de ferir as normas que proíbem a segurança privada e fazê-lo à revelia da Polícia Federal, há desrespeito ao Código de Posturas do município, que proíbe guaritas em espaços públicos, como nas calçadas.
O presidente da Associação de Moradores do Bairro Mangabeiras, Marcelo Marinho Franco, admite que as guaritas e o serviço de vigilância são uma tendência nas ruas mais ermas. “Em áreas que não afetem o trânsito e em ruas sem saída funciona. A polícia não pode estar ao mesmo tempo em vários lugares e os vigilantes podem complementar a segurança. Há várias delas no bairro e a prefeitura não tem impedido. As guaritas não são um fator negativo”, diz. Mas Franco ressalta: “É uma faca de dois gumes. As pessoas que ficam nessas guaritas devem ser de extrema confiança, porque podem ser cooptadas pela marginalidade. Sabemos de casas que foram assaltadas e havia vigia a 50 metros que disse não ter visto nada. É, no mínimo, estranho”.
Um professor de 60 anos que pediu para não ser identificado, morador do Bairro Mantiqueira, na Região Norte de BH, paga, mensalmente, R$ 15 a um vigia motorizado que faz rondas. Para ele, legal ou não, o serviço é sinônimo de conforto e tranquilidade: “Meus filhos vão a festas e, quando chegam, ligam para ele, que checa a região e acompanha a pessoa até entrar em casa. Diante de qualquer atitude suspeita, eu ligo para o vigia. Ligar para a polícia? Para quê? Ela vai demorar a vir; ele chega na hora”.
O presidente do Sindesp-MG informa haver um disque-denúncia para casos de irregularidade envolvendo a segurança particular – (31) 3270-1300. Para ele, a maior parte das pessoas prefere contratar empresas clandestinas por serem mais baratas. “O poder público é conivente com a situação irregular, porque ele mesmo não consegue fiscalizar”, critica. Hoje, o contratante do serviço clandestino só é responsabilizado caso o profissional cometa algum delito. Mas projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados, em Brasília, quer tornar crime a própria contratação irregular.
Uma empresa regular deve ter licença anual de funcionamento concedida pela Delegacia de Controle e Segurança Privada (Delesp), da Polícia Federal, responsável pela normatização e fiscalização dos trabalhos do setor. Entre outros itens, a PF verifica as instalações da firma, se os profissionais estão com curso de reciclagem atualizado e se foram feitos os exames psicotécnicos exigidos anualmente, além do porte de armas. Apesar da atribuição, procurada para falar sobre a fiscalização aos serviços clandestinos de segurança, a PF não se manifestou.
FIQUE SEGURO
Na hora de contratar
Pedir à empresa o certificado de autorização de funcionamento, válido por um ano e publicado no Diário Oficial da União (DOU)
No caso de segurança particular, exigir a carteira nacional de vigilância (CNV), emitida pela Polícia Federal.
QUEM CONSULTAR
Sindicato dos Vigilantes de Minas Gerais (31) 3270-1300
Sindicato das Empresas de Segurança e Vigilância (31) 3327-5300
as regras
A segurança particular só pode atuar dos muros de casas, prédios e condomínios para dentro. Guaritas  em áreas públicas não são permitidas.
O profissional de segurança está sempre ligado a uma empresa; nunca presta serviço individualmente.
O RISCO
O maior perigo de contratar serviço clandestino é abrir as portas a um aliado de criminosos, que se omita diante de roubos ou mesmo passe informações sobre a rotina dos moradores a assaltantes.
Fonte: Sindesp-MG
ANÁLISE DA NOTÍCIA
Quando necessidade e ilegalidade se unem
A questão da segurança se apresenta como um risco duplo. Não se deve, de forma alguma, dar as mãos à ilegalidade. Mas, quando se enfrenta uma situação na qual o poder público não se mostra capaz de garantir com eficiência máxima a proteção da população, quando o simples ato de abrir a garagem de casa se torna um drama, a opção surge como uma tentativa de sobrevivência. São pais querendo proteger os filhos, maridos querendo assegurar a tranquilidade das mulheres, pessoas preocupadas em chegar vivas em casa. Pior ainda é pensar que tantos impostos não são suficientes para garantir o mínimo: o direito de ir e vir. A segurança clandestina surge porque há uma necessidade de fato. Diante dessa constatação, há que se discutir uma forma que seja mais condizente com a realidade para regulamentar um setor que tende a subsistir enquanto persistir o clima de insegurança.
 

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