domingo, 14 de outubro de 2012

Número de pedidos de anulação da união religiosa tem salto de mais de 500% em BH

Pouco conhecida até entre católicos, corte eclesiástica tem poder de extinguir casamento religioso, caso um dos cônjuges prove que a união foi viciada. Na Arquidiocese de BH, número de pedidos deu salto de 549% em quatro anos

Gustavo Werneck -Estado de Minas
Publicação: 14/10/2012 06:00 Atualização: 14/10/2012 06:55


Paula Mara Cantelmo obteve decisão favorável este ano e prepara-se para entrar novamente na igreja, oficializando a atual união: "Não estava casada conforme a lei de Deus"

Paula Mara Cantelmo obteve decisão favorável este ano e prepara-se para entrar novamente na igreja, oficializando a atual união: 'Não estava casada conforme a lei de Deus' (RODRIGO CLEMENTE/EM/D.A PRESS)O que Deus uniu, o homem não separe – diz a frase bíblica presente no evangelho de São Mateus (Mt. 19,6) e levada ao pé da letra, fervorosamente, por milhões de católicos em todo o mundo. Mas, o que pouca gente sabe é que, se ficar provado que o casamento não passou de uma simulação, um arranjo, um “sim” “viciado” diante do padre, o Tribunal Eclesiástico tem poder para declarar a nulidade do matrimônio a pedido do homem ou da mulher. A Arquidiocese de Belo Horizonte, abrangendo 28 municípios, registra crescimento de 549% no número de processos do tipo em quatro anos: em 2008, havia 98 em tramitação; atualmente, são 636. Segundo o presidente do Tribunal Eclesiástico da Arquidiocese de BH, padre Mário Sérgio Bittencourt de Carvalho, vigário judicial com 30 anos de experiência, o aumento se deve à maior divulgação dessa possibilidade, por meio de palestras nas paróquias. “As pessoas querem aliviar a consciência, ficar em paz com Deus”, afirma.
Padre Mário Sérgio explica que o Tribunal Eclesiástico não anula o casamento, prerrogativa que é exclusiva da Justiça comum. “Com a declaração de nulidade, é como se o matrimônio religioso nunca tivesse existido. Então, em caso de união posterior a pessoa não se ‘casa de novo’, simplesmente se casa na igreja”, explica. De acordo com o tribunal, regido pelo Código de Direito Canônico, que completa três décadas em 2013 e agrupa 1.752 leis ou cânones, são as mulheres (60%) que mais pedem a declaração de nulidade do casamento religioso. “Os homens, muitas vezes, abrem o processo quando a noiva, católica praticante, exige. É importante destacar que, em qualquer situação, as pessoas devem estar divorciadas”, diz padre Mário Sérgio. Em 90% dos processos, os interessados relatam a intenção de dizer “sim” a uma nova união diante do padre, desta vez sem pressão e obrigação. Um verdadeiro sim do coração.

Funcionária de um hospital onde trabalha como assistente de transcrição, Paula Mara Monteiro Cantelmo, de 38 anos, moradora do Bairro Ipiranga, na Região Nordeste da capital, prepara-se para oficializar nova união no religioso no ano que vem. Em 1º de julho de 2000, ela se vestiu de noiva e jogou o buquê para as amigas, mas o relacionamento durou menos de um ano. Em 2009, já vivendo com outro homem e mãe de um filho, hoje com 7 anos, Paula decidiu pedir a nulidade do primeiro casamento. “Sou muito católica e, quando jovem, era ministra da eucaristia. Não comungo há mais de 10 anos, pois não estava mais casada conforme a lei de Deus”, diz a assistente, que anseia pelo momento de receber novamente a hóstia das mãos do padre. “Vai ser um dia muito feliz”, planeja.

Com a declaração da nulidade do casamento obtida este ano, Paula apagou uma parte do passado. “O documento me trouxe paz, fiquei bem emocionalmente. Na época, havia falta de maturidade de ambos os lados, era um casamento que sabíamos que não daria certo. Tive até depressão”, conta, com um sorriso tranquilo que espalha felicidade. “Quero viver conforme os mandamentos de Deus, receber o sacramento na igreja.”

EM PECADO

A semana passada foi marcante na vida da gerente de logística aposentada Ana Lúcia Alves da Silva, de 50, sem filhos, moradora do Bairro Novo Riacho, em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Foi quando ela recebeu a declaração de nulidade expedida pelo Tribunal Eclesiástico. “Desde que me separei, parecia que estava vivendo em pecado. Não entrei com o processo para me casar na igreja com outra pessoa. Vou continuar sozinha e cuidando da minha mãe”, afirma a aposentada, que faz questão de mostrar o documento, novinho em folha.

Ana Lúcia ficou casada durante cinco anos, de 1996 a 2000. Tinha na época 35 anos e o marido, de 50, era pai de dois rapazes, de 21 e 20, e de uma adolescente de 16. “Não deu certo. Ele me tratava como se eu fosse a empregada. Antes, era uma pessoa amável, minha mãe dizia que tinha ganhado um filho, mas ele mudou muito com três meses de união. Trouxe os filhos para dentro da nossa casa e aí aumentaram os problemas. Chegou a dizer que queria que eu morresse, pois não gostava de mim”, recorda-se Ana Lúcia, hoje com calma e sem sinais de amargura.


A aposentada Ana Lúcia Alves da Silva, que recebeu a declaração de nulidade na semana passada: "Para mim, não houve casamento. Estou em liberdade"
A aposentada Ana Lúcia Alves da Silva, que recebeu a declaração de nulidade na semana passada: 'Para mim, não houve casamento. Estou em liberdade' (RODRIGO CLEMENTE/EM/D.A PRESS)
Decidida, Ana Lúcia se separou, conseguiu o divórcio e, segundo a orientação de um padre da sua paróquia, entrou com o pedido de nulidade do casamento religioso. A alegação foi desavença familiar e falta de comprometimento do marido para com ela. “Estava vivendo em pecado, não podia comungar, me sentia fora das leis católicas”, resume. A exemplo de Paula, a aposentada se diz em paz. “Para mim, não houve casamento. Estou em liberdade com Deus”, garante.

Tribunal da fé

Veja o passo a passo para pedir nulidade de casamento na igreja

1) MOTIVOS
O Tribunal Eclesiástico se baseia no Código de Direito Canônico, coletânea de 1.752 cânones ou leis. Entre os motivos mais frequentes para os pedidos de nulidade estão queixas de pressão exercida pelos pais para o casamento, devido a gravidez, desvio psíquico ou comportamento criminoso escondido por um dos cônjuges, imaturidade do casal ou falta de consumação do casamento (ausência de relação sexual).

2) CONVERSA
Antes de dar entrada na documentação, o requerente é chamado para uma conversa com o presidente do tribunal. Nesse primeiro encontro, o vigário judicial avalia se há chance de nulidade do casamento. É imprescindível que a pessoa esteja divorciada. O próximo passo será convocar a outra parte, que tomará conhecimento do processo, sendo informada de que a situação do casamento está sendo avaliada.

3) DOCUMENTOS
Depois desses passos, o interessado entra com a papelada: exposição pormenorizada do caso, incluindo detalhes sobre namoro, casamento, vida matrimonial e separação; cópia de documento de identidade com foto; certidão de casamento religioso e cópia do processo matrimonial; certidão de divórcio ou averbação de separação judicial ou extrajudicial; nome de cinco testemunhas, com dados completos. Todas devem conhecer as partes antes, durante e depois do casamento. Somente duas podem ser parentes consanguíneos (pai, mãe, tio, primo, irmão etc.). É exigido ainda atestado de residência fornecido pelo pároco e preenchimento do pedido dirigido ao tribunal.

4) ESPERA E CUSTOS
O processo dura aproxidamente um ano e meio em primeira instância, passando ainda, obrigatoriamente, por segunda instância. No tribunal de primeira instância, as custas processuais são dois salários mínimos vigentes, podendo o pagamento ser parcelado. O tribunal fica na Avenida Brasil, 2.079, Funcionários, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte – CEP 30140-002. E-mail: tea@arquidiocesebh.org.br
Fonte: Tribunal Eclesiástico da Arquidiocese de Belo Horizonte

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