NOVO CONGRESSO NACIONAL
Após erro da estratégia para derrotar Eduardo Cunha, Planalto se move para se reaproximar
Novo presidente da Casa cita projeto que pode aumentar gasto público em meio a ajustes
TALITA BEDINELLI São Paulo EL PAÍS - 15:27 BRST
A eleição do deputado Eduardo Cunha (PMDB) para a presidência da Câmara neste domingo, após vitória em primeiro turno, turbina o poder de barganha do grupo do deputado evangélico com o Planalto. A mensagem de independência do peemedebista, integrante da maior sigla aliada do PT, impõe um enorme desafio à articulação política do Governo Dilma Rousseff (PT), que terá que se mostrar mais hábil do que foi até agora.
Nesta segunda, o Governo federal começou a se mover para tentar costurar uma reaproximação com Cunha. O ministro da Justiça, o petista Eduardo Cardozo, minimizou a derrota do Planalto e previu uma relação “excelente e harmoniosa” do novo presidente com o governo.
À frente da Câmara, Cunha, de 56 anos, terá o poder não apenas de acelerar a abertura de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) e de pedidos de impeachment contra a presidenta, como também poderá colocar em votação temas que não interessam em nada ao Governo, ao mesmo tempo em que barra ou dificulta a apreciação de questões importantes para Rousseff.
No discurso de posse, o peemedebista já afirmou que sua prioridade será concluir a votação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 358/13) que obriga o Governo federal a colocar no Orçamento da União o pagamento das emendas individuais propostas por deputados e senadores, o que trará um custo alto num momento em que Rousseff tem procurado diminuir os gastos para reequilibrar a economia.
Cunha também já se colocou contrário à aprovação da reforma política, um dos projetos defendidos por Rousseff, nos moldes preferidos pelo PT (por meio de um plebiscito popular). “No máximo, a gente pode submetê-la a referendo (...) A Casa não quer transferir o seu poder de legislar dado pela população para um mecanismo de consulta popular prévia”, afirmou ele em entrevista ao EL PAÍS em novembro. A medida dificultaria, por exemplo, aprovação do fim do financiamento privado de campanhas políticas, algo polêmico defendido pelo Governo federal.
A vitória de Cunha também pode trazer para o Governo derrotas em áreas sociais delicadas, que estavam sendo mantidas em banho-maria pelo ex-presidente da Câmara Henrique Eduardo Alves (PMDB). Entre elas, a PEC 215, que traz mudanças significativas na demarcação de terras indígenas e é rejeitada pelo Governo federal. A medida é uma das prioridades da bancada ruralista, que se reuniu com Cunha quando ele ainda fazia campanha no final do ano passado e o informou disso. O evangélico também defende umalegislação mais rígida para o aborto, como um projeto de sua autoria que pune mais os médicos.
Poder de barganha
Apesar de ter declarado que sua prioridade será a independência diante do Governo federal, Cunha não terá interesse em comprar grandes brigas e passar para a oposição, avalia o professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da FGV, Carlos Pereira. O PMDB, que compõe a base aliada do Governo, vai aproveitar o poder de barganha dado pela vitória para aumentar suas exigências.
“O PMDB não tem um candidato crível à Presidência da República, então não tem interesse em ser oposição. O partido sabe que o jogo parlamentar traz benefícios e o preço do apoio vai aumentar”, explica. “Se antes o Governo ofertou 40 cargos, por exemplo, agora eles vão querer 80. E, neste momento, é melhor que Dilma aceite o preço porque, se não aceitar, ele vai aumentar mais”, avalia o professor.
A consultoria de risco político Eurasia Group tem avaliação semelhante. "No curto prazo, Rousseff vai provavelmente mitigar a derrota política oferecendo mais cargos para aliados na administração", diz o relatório enviado a clientes nesta segunda.
“O resultado da votação demonstra o descontentamento da base aliada em relação ao trato com o Parlamento”, afirma Antônio Augusto Queiroz, analista político do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP). O candidato petista à presidência da Câmara, Arlindo Chinaglia, acabou tendo 44 votos a menos do que o esperado (foram 180, no total) na votação, que é secreta. As traições de última hora vieram de ao menos três partidos, mas o PRB, do ministro do Esporte George Hilton, também já havia declarado apoio a Cunha.
“O Governo puxou a corda demais, privilegiou demais o PT nos últimos anos e desprezou os outros parceiros”, explica Pereira. A situação, no entanto, parecia ter melhorado. Os ministérios neste ano foram montados privilegiando os aliados, já de olho na presidência da Câmara, numa estratégia de tudo ou nada.
Ganhou o nada. O PT acabou não apenas perdendo o comando da Casa, como também seu lugar na mesa diretora, negociado em troca de apoio. A deficiência em formar o bloco necessário também custou a presidência das duas principais comissões da Câmara: a de Constituição e Justiça e a de Finanças e Tributação –as únicas que têm o poder de arquivar diretamente projetos. E, além disso, irritou Cunha, que se viu tratado como “inimigo” pelos petistas. Agora, o desafio de Rousseff será transformá-lo, novamente, em amigo.
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