segunda-feira, 1 de junho de 2015

Espólio de Beira-Mar em Minas Gerais serve ao poder público

CRIME ORGANIZADO

 

Maior traficante do Brasil chegou ao Estado em 1995 e ergueu patrimônio de R$ 20 mi


FERNANDINHO BEIRA-MAR
Ousadia.Em seu último julgamento, no último dia 13 de maio, Beira-Mar se mostrou confortável e até mandou beijos para parentes no tribunal
PUBLICADO EM 01/06/15 - 03h00
A piscina de azulejo vazia, a quadra poliesportiva e o aspecto de casarão residencial provocam estranheza a quem chega à rua Conceição Rosa Lima, no bairro Angola, em Betim, na região metropolitana da capital, à espera de encontrar a sede do 33º Batalhão de Polícia Militar (BPM). A casa de dois andares e 1.900 m² nitidamente não foi feita para servir a um órgão público, mas para abrigar o maior traficante de drogas do Brasil. Há 20 anos, o imóvel serviu de residência para Luiz Fernando da Costa, 47, o Fernandinho Beira-Mar. Hoje, o batalhão é o principal símbolo da “herança” deixada pela passagem do criminoso pela capital mineira nos anos 90, com bens que valem mais de R$ 20 milhões e hoje estão à disposição da União.

Preso desde 2001, em 13 de maio deste ano o traficante voltou a ser notícia por seu último julgamento. Ele foi condenado a mais 120 anos de prisão por quatro assassinatos. Em clima descontraído, Beira-Mar mandou beijos para familiares e teve status de celebridade com plenário lotado de pessoas que foram ao julgamento somente para vê-lo.

A casa cedida à Polícia Militar (PM) desde a prisão do criminoso é um dos 12 imóveis que foram sequestrados pela Justiça de Minas em uma decisão inédita e que serviu de modelo para o combate ao crime organizado no país. Ao lado do batalhão, a PM ainda ocupa um prédio construído pelo traficante e um lote do bandido, que hoje é usado como garagem. Os demais imóveis estão à disposição da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas.

Em Belo Horizonte, estão nessa situação dois apartamentos. Um flat no bairro Cruzeiro, na região Centro-Sul, onde ele foi preso em 1996, e outro no bairro Ouro Preto, na Pampulha .

Na última semana, a reportagem esteve no imóvel de Betim, mas o comando do batalhão não permitiu a entrada. Já o apartamento do Cruzeiro segue fechado, e os vizinhos evitam falar sobre o assunto.

Em Betim, um morador que trabalhou na obra dos imóveis do traficante conta que Beira-Mar era visto com uma pessoa normal, que se apresentava como dono de padarias e construtoras. “Era generoso com os operários, e o pessoal chamava ele de ‘doutor’. Dava churrasco e pão com salame e Coca-Cola”.

Chegada. Foi em 1995, quando já era procurado pela polícia do Rio, que Beira-Mar decidiu sair de seu Estado natal para morar no Paraná. Também montou, em Belo Horizonte, um ponto de apoio financeiro para sua quadrilha. Para lavar o dinheiro que ganhava com o tráfico, o criminoso chegou à região metropolitana como um empresário da construção civil e foi até recepcionado por políticos e membros da alta sociedade mineira.

Com o dinheiro ilícito, comprou vários lotes e iniciou uma série de construções de apartamentos que seriam vendidos posteriormente, gerando uma renda que seria declarada legalmente à Receita Federal. Assim, em pouco tempo morando entre Betim e a capital, Beira-Mar construiu um patrimônio que chegava, na época, a R$ 4 milhões.

Para o procurador de Justiça André Estevão Ubaldino, que atuou nas investigações contra Beira-Mar, a apropriação dos bens do traficante é considerada um caso bem-sucedido. “Esse foi o primeiro sequestro de bens de um traficante nessas proporções feito no Brasil e virou referência na forma de combater o crime organizado. A cessão do imóvel à PM possibilitou a preservação de um patrimônio”, disse.

Liberdade
Mesmo condenado a mais de 300 anos de prisão – inclusive por alguns crimes cometidos de dentro de penitenciárias –, o traficante Fernandinho Beira-Mar, 47, deverá cumprir menos de 10% da pena. A legislação brasileira não permite que uma pessoa fique detida mais de 30 anos. Assim, como está preso desde 2001, o criminoso ganhará o direito à liberdade em 2032.
Nesse ano, Beira-Mar terá 65 anos.
A trajetória
1967.
 Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, nasce na cidade de Duque de Caxias (RJ).

1987. É preso pela primeira vez após cometer assaltos no Rio.

1989. Após ficar dois anos detido, é libertado e volta para Duque de Caxias. No mesmo ano, tem seu primeiro contato com o tráfico e começa a gerenciar bocas de fumo.

1990. Assume a chefia do tráfico na favela Beira-Mar.

1991 a 1995. Cria rotas para trazer drogas da Bolívia, Colômbia e Paraguai. Começa a ser rastreado pela polícia. Sai do Rio de Janeiro e estabelece residência em Curitiba (PR), João Pessoa (PB), Belo Horizonte e Betim (MG).

1996. Após ser denunciado por um comparsa, é preso em seu apartamento no bairro Cruzeiro, em BH, pela Polícia Federal (PF).

1997. Preso na Deoesp da capital, que à época funcionava na avenida Afonso Pena, consegue fugir pela porta da frente. A suspeita é que a fuga tenha sido facilitada por policiais civis subornados.

1998 a 2000. Sai do país para morar no Paraguai, onde passa a controlar o envio de maconha para o Brasil. Rastreado pela PF, foge mais uma vez para a Colômbia. Lá, firma parceria com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Passa a receber cocaína do grupo em troca de armas. Por telefone, concede entrevista a O TEMPO.

2001.É preso em uma operação do Exército colombiano e ferido com um tiro de fuzil. No mesmo ano, é deportado para o Brasil e passa a cumprir pena em Brasília.

2002. É transferido para o presídio de segurança máxima Bangu I. No mesmo ano, comanda uma rebelião e o assassinato de cinco membros de uma quadrilha rival.

2002 a 2015. É transferido de presídio diversas vezes. Mesmo detido, é suspeito de ordenar ataques e assassinatos. Segue um regime diferenciado de cumprimento de pena, com escutas durante as visitas, sem direito a visitas íntimas e com contato limitado com os demais detentos.

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