terça-feira, 20 de outubro de 2015

Democracia em risco

Editorial
Jornal Hoje em Dia
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20/10/2015

Uma nota publicada nessa segunda na coluna Radar On-Line, mantida pela jornalista Vera Magalhães no site da revista “Veja”, deixou alerta veículos de comunicação e entidades de classe da imprensa em todo o país. Segundo a nota, uma petição de 10 de setembro assinada pelos advogados do governador Fernando Pimentel pedia a quebra do sigilo telefônico do repórter Thiago Herdy, do jornal “O Globo”.
A defesa de Pimentel quer descobrir quem estaria repassando informações da operação Acrônimo da Polícia Federal, que investiga um esquema de desvio de recursos públicos, lavagem de dinheiro e caixa dois na campanha eleitoral ao governo de Minas em 2014.
As investigações começaram logo após o primeiro turno das eleições, quando R$ 113 mil em dinheiro vivo foram apreendidos dentro de um avião particular na pista do aeroporto de Brasília. O dinheiro tinha origem na campanha do PT em Minas e dentro do avião estava o empresário Benedito Oliveira, o Bené, um dos melhores amigos do governador eleito, Fernando Pimentel. A Acrônimo investiga também a influência do empresário sobre o governador desde o período em que era ministro de Desenvolvimento do governo Dilma.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) havia decretado o sigilo da operação, mas documentos que foram apreendidos em endereços comerciais e residenciais de aliados do governador chegaram ao conhecimento de alguns veículos de imprensa, que estão apurando e publicando detalhes do processo. A documentação é vasta e a atuação da PF tem causado e ainda pode causar constrangimentos a Pimentel.
Nessa segunda à tarde, só depois da repercussão negativa da ação movida há mais de um mês, a defesa do petista recuou e desistiu da quebra do sigilo telefônico do repórter, reconhecendo que havia contradição entre o pedido de acesso aos dados e o direito do profissional de imprensa em publicar as informações que recebe. O estrago, no entanto, já estava feito.
Faltou à defesa do governador sensibilidade e a compreensão de que o suposto vazamento de informações ditas sigilosas não deve e não pode ser cobrado da imprensa, que constitucionalmente tem o direito de fiscalizar, investigar e dar visibilidade a qualquer informação que seja de interesse público.
Se há problemas ou desvios de conduta por parte de alguma das autoridades que têm acesso legal ao processo, esses problemas devem ser apurados internamente na Polícia Federal e os supostos vazamentos precisam ser investigados na origem, nunca no destino.
É absolutamente inadmissível, em uma democracia como a nossa, que jornalistas e veículos de comunicação trabalhem tendo seus direitos profissionais e civis ameaçados por atitudes dessa natureza. A eventual quebra do sigilo da fonte, até então um direito intocável da imprensa, pode representar uma séria ameaça ao jornalismo investigativo, que nos últimos anos revelou escândalos de proporção internacional como o Mensalão e o Petrolão.
O recuo da defesa de Pimentel não diminui o impacto do “recado” dado à categoria. Sindicatos dos Jornalistas, Associação Nacional de Jornais (ANJ) e Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) precisam reagir imediatamente e de forma intransigente em favor dos direitos que conquistamos tão duramente. Essa tem que ser uma defesa da categoria, mas acima de tudo, da própria população, que não pode aceitar voltar aos tempos sombrios de uma imprensa amedrontada e amordaçada.

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