domingo, 18 de outubro de 2015

Dilma recua em suas bandeiras

DISCURSO

Um ano após reeleição, das 19 promessas feitas na campanha, oito ainda nem saíram do papel


B-
Sem dinheiro. No Minha Casa, Minha Vida, promessa era lançar a terceira fase com 3 milhões de moradias, mas o anúncio foi de cortes
PUBLICADO EM 18/10/15 - 04h00
A reta final do último período eleitoral, em outubro de 2014, foi marcada por promessas ousadas da então candidata à reeleição, Dilma Rousseff (PT). Mesmo com a crise econômica já batendo à porta, áreas como educação e moradia receberam propostas grandiosas bradadas com o compromisso da petista de não mexer “em hipótese alguma” em programas sociais e nos direitos trabalhistas. Um ano após a intensa campanha do segundo turno, porém, o cenário é bem diferente: na prática, o que o governo federal tem feito é o contrário do prometido em discursos, debates e horários eleitorais. Nesse segundo mandato, a presidente Dilma recuou até mesmo de programas considerados bandeiras do PT.

A reportagem de O TEMPO selecionou 19 promessas da presidente durante a campanha, divididas em 11 grandes áreas. Pelo levantamento, das 19 propostas, oito ainda nem começaram e três tiveram cortes severos, como o Minha Casa Minha Vida. Outras sete estão em andamento e para uma (a do metrô) ainda não há informações.

Apesar de pequenos avanços em alguns aspectos, no geral, os ajustes orçamentários levaram o governo a rever projetos tidos como muito importantes para o país.

Recuos. Entre os programas que, neste segundo mandato, acabaram sendo desviados dos compromissos assumidos durante a campanha eleitoral estão o Minha Casa, Minha Vida, de financiamento de habitações populares; o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), de qualificação técnica profissional; e o Ciência sem Fronteiras, de investimento no intercâmbio de estudantes e professores. Em todos eles, apesar das promessas de ampliação, os anúncios recentes do governo são de restrições de investimentos, que já comprometeram neste ano e certamente atingirão também 2016.

No Minha Casa, Minha Vida, a promessa era lançar a terceira fase do programa disponibilizando mais 3 milhões de moradias, mas o anúncio foi de cortes de R$ 4,8 bilhões dos investimentos destinados à área. No Pronatec, apesar do compromisso de ampliação, com a oferta de 12 milhões de novas vagas até 2018, o governo já admitiu que o número não deve ultrapassar os 6,3 milhões, sendo que o 1,3 milhão previsto até o fim de 2015 representam 57% a menos em relação à quantidade de vagas abertas no ano passado. Já o Ciência sem Fronteiras, que ofertaria 100 mil novas bolsas até o fim do mandato, terá uma restrição de 40% no Orçamento do próximo ano, sem nenhuma previsão de abertura de editais para seleção de novos bolsistas.

Professor e doutor em ciência política em São Paulo, Guilherme Casarões explica que, no período eleitoral de 2015, Dilma já sabia que teria problemas de natureza econômica no começo deste segundo mandato. Para o especialista, na campanha, já havia um entendimento claro de que seria necessário “contar uma história exagerada” para que a reeleição se viabilizasse.

“Do ponto de vista eleitoral, essas promessas não cumpridas tinham que ser feitas, independentemente de (a presidente) já saber de antemão que não conseguiria realizá-las. O cálculo foi: é melhor prometer algo que não vou cumprir e pagar o preço disso já reeleita do que não ser reeleita”, pondera o professor. “Esse é o grande problema da reeleição, que não é novidade na história política brasileira”.
Outro lado
Metas
. Responsável pelo Pronatec e pelo Ciência sem Fronteiras, o Ministério da Educação disse que o governo faz uma “revisão das metas de seus programas”, considerando a “realidade econômica do país”.
Análises

Crise
. Especialistas acreditam que a dificuldade enfrentada pelo governo para implementar suas políticas permanecerá enquanto durar a crise. “A crise financeira gera dificuldades de implementação de qualquer programa que depende de recursos, e a crise política prejudica encaminhamentos e aprovações de políticas no Congresso”, observa o professor Cláudio Gonçalves Couto, da FGV.

Promessas. Na avaliação do professor Guilherme Casarões, o clima de terceiro turno se alongou por muito tempo, fazendo com que Dilma continuasse prometendo ações e postergando medidas que poderiam deslegitimar seu mandato. Segundo ele, o ajuste fiscal anunciado há um mês poderia ter sido feito assim que a presidente foi reeleita. “Mas ela não poderia fazer isso. O terceiro turno se arrastou tanto que, enquanto durasse, seria difícil realizar ajustes que ela acusava Aécio (senador tucano) de querer fazer”.

Defesa. Com o desgaste da reação popular, o governo acabou adiando a decisão, e o resultado, segundo Casarões, foram cortes mais duros do que os que teriam sido feitos há um ano, penalizando pontos de apoio sociais e políticos. “Não conheço ninguém mais que se levante para defender as políticas da Dilma”. A defesa agora é que ela não vai cair, mas não em relação ao que vem fazendo”.

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‘A vaca tossiu’, alerta professor

Neste primeiro ano do segundo mandato, as escolhas da presidente Dilma Rousseff na área econômica também se desviaram de seu discurso da época da campanha. No período eleitoral, a presidente criticou a então candidata Marina Silva por querer dar poder aos banqueiros, mas acabou nomeando Joaquim Levy, do sistema financeiro, como ministro da Fazenda.

“A partir do momento em que ela (Dilma) coloca o Levy, está atendendo muito mais os interesses do Banco Mundial e do FMI do que os dos trabalhadores brasileiros”, critica o cientista político e social Antônio Carlos Mazzeo, professor do Departamento de História da USP.

Mazzeo acredita que a presidente abandonou o “mínimo de comprometimento social” que tinha a partir de suas decisões na área econômica e também na recente reforma ministerial. “O que ela fez foi redesenhar o modelo, e, na medida em que restringe os direitos dos trabalhadores, priorizando os bancos, a base sindical e dos movimentos sociais fica abalada”, explica.

O professor lembra que, em campanha, a presidente afirmou que não mexeria nos direitos trabalhistas usando a frase “nem que a vaca tussa”. “Mas a vaca tossiu, e uma das primeiras coisas que ela fez foi alterar conquistas sociais dos trabalhadores”.

E agora, Dilma parece cada vez mais isolada, avalia ele. “Ela está se isolando até dos setores que seriam suas bases naturais. Acredito que há falhas nas políticas, mas não é restringindo verbas para o social e fazendo a política do FMI que vamos resolver a crise”, conclui. 
Inflação
Disparada.
 Quando Dilma foi reeleita, a inflação estava em 6,51%, no teto da meta. De janeiro a setembro de 2015, o acumulado foi para 7,64%. A projeção atual para o ano gira em 9,7%.
Para os beneficiários, corte significa traição

Para quem se beneficia dos programas, especialmente na área social, o risco de descontinuidade das políticas públicas foi um choque que trará, na prática, impactos diretos no próprio cotidiano. “Na medida em que a política social sofre uma interrupção por corte de recursos, isso evidentemente se torna um problema porque o ganho de melhores condições de vida em longo prazo acaba sendo prejudicado”, avalia o professor de ciência política Cláudio Gonçalves Couto, da Fundação Getulio Vargas.

O professor Guilherme Casarões explica que o choque se dá uma vez que os beneficiários das políticas não imaginavam que o governo que se coloca como maior defensor da classe social pudesse cortar programas nessas áreas.

“Em alguns casos, os cortes nem foram tão substantivos, mas o efeito psicológico que gera é muito grande. A impressão que fica é que, em vez de penalizar a classe alta, o governo preferiu fazer o ajuste por baixo, cortando programas sociais. E essa penalização gera um significado de traição, já que o governo prometeu abertamente não mexer nessas políticas”. 

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